Mercy Zidane: 2010

sábado, 25 de dezembro de 2010

Estranho

-Podia, mas não quero. As coisas tão aqui, muito dispersas. É a cidade, é a cidade que tá entrando em mim, cara, pelos olhos e poros, pelos poros dos olhos, pela cabeça virada, pelas máscaras que grudam na minha cara de poucas em poucas horas, pelo rancor que se materializa como uma parede de concreto que eu finjo não existir, mas que mesmo sendo invisível não me deixa passar, entende?

-Acho que sim. E agora?

domingo, 19 de dezembro de 2010

De volta

Ter um blog e ficar um tempo considerável sem postar é tão comum quanto escrever posts metalinguísticos elencando os motivos da abstinência textual - em 90% dos casos a culpada é a falta de tempo. No restante é a preguiça. Normal, sabemos que "é assim que é", então vou poupar a verborragia.

Perdi a toada para falar: do meu posicionamento de votar nulo no segundo turno das eleições e expor os motivos contrários ao voto útil no PT; de comentar a minha escolha em participar de chapas nas eleições estudantis da USP; da emocionante despedida da histórica república Chiapas; da minha apreciação cada vez maior pelo rap; do ano ruim do Palmeiras.

Alguns desses assuntos ainda podem se salvar. A maioria deve cair no esquecimento.

Mas o importante é que o gelo foi quebrado, mesmo que o texto seja curto.

Novos velhos assuntos estão por vir. Abaixo, a música que mais passou pelos meus ouvidos no período em que MZ esteve inativo:

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Pelé 70

Pegando a onda do post anterior, reproduzo abaixo o curta-metragem "Uma História de Futebol", em lembrança aos 70 anos de Pelé (o jogador, não o empresário Edson).

Filme tocante para qualquer um que já sonhou em ser jogador de futebol.


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Metalinguagem: a preguiça também contribuiu para essa rápida homenagem ao maior jogador de futebol de todos os tempos.

sábado, 16 de outubro de 2010

Lennon 70

Comecei a escrever este texto no dia 11 de outubro.

Ontem, quando a mídia alardeava os 70 anos que John Lennon faria se estivesse vivo, lembrei-me de ter baixado um documentário recente, chamado "The U.S. vs. John Lennon", de David Leaf e John Scheinfeld II.

Gostei. O Lennon nova-iorquino é mostrado em seu viés mais político devido aos problemas que causou ao governo Nixxon. Basicamente, o ex-beatle se torna um ativista contra a guerra do Vietnã, bancada pelo corrupto presidente. Só que o poder de alcance de John chegou muito mais longe do que se imaginava e do que os governantes toleravam.

Não creio que Lennon fosse revolucionário, mas se deu a liberdade de conhecer novas ideias e figuras.Conversou e foi amigo de líderes da esquerda mais radical que havia nos EUA na época (pelo menos segundo o documentário), lidando, inclusive, com grupos armados, como o Partido dos Panteras Negras.

Tentou inclusive popularizar e acabar com estigmas sobre tais agrupamentos (falando sobre eles nos meios de comunicação).

Havia contradições. John tinha muito dinheiro e levava uma vida de luxo. Apesar dos contatos descritos acima, era pacifista e acreditava que a mudança das ideias era a chave para alterar o mundo (assim como os neo-hegelianos?).

Mesmo tendo discordância com a visão do mais famoso beatle, respeito-o por ter chegado ao ápice do estrelato e não ter ficado satisfeito simplesmente com o mais do mesmo, cantado "love songs", tomado garrafas do mais caro champagne e mantendo praticamente nula sua influência sobre atitudes políticas da juventude.

A infância em um bairro operário, a visão (conjunta com outros integrantes) de que a superficialidade havia tomado conta da carreira dos Beatles e a noção de que a sua figura poderia influenciar os jovens a agir contra a guerra foram fatores que fizerm Lennon usar sua criatividade em canções mais politizadas (Power to the People, Working Classe Hero, I Don't Wanna Be a Soldier Mamma, I Don't Wanna Die, entre outras) e, principalmente, nas genais zombarias aos grandes meios de comunicação (lua de mel na cama, Newtopia, entrevista dentro de uma bolsa, etc.).

Não sei se é porque na minha geração os artistas mais engajados falam de sustentabilidade no ecocapitalista SWU, mas acredito na sinceridade de Lennon. Ele não fazia aquilo para vender mais discos, para ser o artista mais bem pago de sua geração. Ele já tinha alcançado o topo e viu que ele era entediantemente falso e superficial. Mesmo que de forma ingênua e sem sair de seu palácio, Lennon tentou mudar algo. Mas, obviamente, não foi suficiente.

Agora, uma música que não tem relação com o post, mas que é muito bonita e eu nunca tinha reparado:


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Metalinguagem: demorei muito tempo para escrever. Cada hora lembrava de uma coisa.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sozim

Como estou com preguiça de postar, apesar de querer falar de algumas coisas (ver "editorial"), deixo aqui o clipe de uma música do Emicida que tenho ouvido muito.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Categoria

Como bom pé frio, presenciei a última partida disputada no velho Palestra Itália, que está fechado para reforma e se transformará na Arena Palestra, em 2013.

A partida ocorreu em 19 de julho e, como se sabe, o Palmeiras jogou muito mal e perdeu por 2x0 do Boca Juniors, um dos nossos grandes rivais sul-americanos.
Posto sobre esse assunto após mais de dois meses decorridos do evento pelo simples motivo de que houve um jogo de masters como preliminar da partida principal.
Em dado momento, ocorreu uma falta perto da área.
E mesmo barrigudo, careca, sem fôlego... um tal de Evair, número nove às costas, ajeitou a bola, botou as mãos na cintura, espiou o goleiro pela última vez, deu três passos e...




"Eô eô Evair é o terror"!
Fiquei totalmente arrepiado.

E posso dizer que no último jogo do antigo Palestra, vi, finalmente, um gol de Evair.

Não apenas por ter sido marcado por ele, mas por ter sido feito com todo o seu estilo peculiar. Com a sua categoria.

sábado, 4 de setembro de 2010

Gilberto Rossi, cineasta

Tenho alguns parentes que contam tantas lorotas que eu nem acredito mais no meu sobrenome.

Noutro dia, disseram-me que um tal de Gilberto Rossi, bisavô do meu pai, tinha feito muitos filmes premiados no início do século XX.

Mesmo tendo grande interesse por cinema, não dei bola.

Eis que meu pai recebeu por email e me mostrou uma relação das películas das quais seu bisavô participou.

Fui averiguar e descobri que o tal Gilberto Rossi realmente foi um dos desbravadores do cinema nacional.

Em uma busca medíocre no Google, seu nome aparece ao lado de cineastas de destaque, como Humberto Mauro, diretor de "Ganga Bruta" e "Descobrimento do Brasil".

Nova busca e agora mais informação, disponível online em fragmentos do livro "Enciclopédia do Cinema Brasileiro": Rossi era especializado em fotografia. Sua produtora, a Rossi Filmes, era responsável pelo mais popular cine-jornal dos anos 20, o Rossi Atualidades. Participou de diversos documentários encomendados, chamados de "cavados", muitos deles a mando do governo de Washington Luís.

Em parceria com o diretor José Medina, fez a fotografia de "Exemplo Regenerador" (1919), de "Perversidade" (1920) e, segundo a Wikipedia, da obra prima do cinema mudo brasileiro: "Fragmentos da Vida" (1929).

E daí?

Fiquei pensando no sentido dessa informação.

Pouca coisa muda ao saber que tive um parente que ajudou o cinema nacional a dar os primeiros passos. Vi apenas uma vantagem: recebi um certo estímulo a conhecer mais filmes dos primórdios e do próprio Gilberto. Há um tempo, quando ainda morava em Suzano, comecei a assistir a películas antigas, como "Limite", Mario Peixoto, e o já citado "Descobrimento do Brasil".

Ser parente de Rossi não me deixa com mais ou menos vontade de produzir um documentário independente sobre a linha do trem que corta a região do Alto Tietê (ainda almejo realizá-lo), mesmo porque a cultura cinematográfica não se desenvolveu em minha família. Existem algumas latas de filme e negativos guardados no quartinho da bagunça e só. Sem contar que, como Antônio Abujamra, não acredito em "filhos de", menos ainda em "tataranetos de".

Acho que é apenas um fato curioso, que merece um post.
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Metalinguagem: a partir do intertítulo já é metalinguagem.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Você arruinou a minha vida

Sabe quando uma música que você nem sabe o nome aparece na sua cabeça sem motivo nenhum?

Pois isso aconteceu comigo na semana passada.

Eu só me lembrava da frase que é título desta postagem. Com esforço, recordei-me que, apesar da voz feminina, a canção era do Clube da Esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges.

Então descobri que se tratava de "Me deixa em paz", composta por Monsuetto e Aírton Amorim.

E durante todo esse processo, que durou uns dois dias, ouvi a música incessantemente.

Percebi o quão desesperada era o restante da letra (Se você não me queria / Não devia me procurar) e como os vocais de fundo e os gritos arrastados da cantora (creio ser Alaíde Costa - a do vídeo abaixo - também na gravação original) tornaram a música tão perturbada, intensa.

Tudo isso culminando nas tristes e raivosas frases finais:

"Você arruinou a minha vida / Me deixa em paz".


Metalinguagem: a versão do vídeo está muito boa, mas ainda prefiro a gravação original do disco "Clube da Esquina", de 1972.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Agora sim, Felipão voltou



Em 98, eu me lembro de assistir aos jogos do Palmeiras, válidos pela extinta Copa Mercosul, no SBT. O canal de Silvio Santos só passava o segundo tempo das partidas daquele fantástico time de Felipão, a última grande equipe sul-americana que jogava para frente (há controvérsias, eu sei) segundo matéria recente da BBC. Se não estiver enganado, o Palmeiras teve 100% de aproveitamento na primeira fase. Seis vitórias em seis jogos. Veio o mata-mata. Aí minha memória embaralha a felicidade de vários jogos decisivos, como as três partidas finais contra o Cruzeiro (1x2, 3x1, 1x0), as semis das Copa do Brasil de 98, contra o Santos (gol decisivo do Darci), as outras semis da Libertadores 99, contra o River, o jogo histórico contra o Flamengo, na Copa do Brasil de 99 (em que o Palmeiras marcou 3 gols em 15 minutos). Sempre partidas sofridas, decididas nos últimos minutos. Na casa do adversário, uma derrota por poucos gols ou um empate dramático. Em casa, o time jogando para frente, mesmo que de forma desesperada, e a torcida incentivando sem parar, com a certeza de que algo bom estaria por vir. Sempre Marcos no gol. Sempre Felipão no banco. Sempre o coração saindo pela boca. Sempre a vitória no final. E hoje, depois de Roth, Caio Júnior, Leão, Muricy, Luxemburgo e tantos outros terem passado pelo Palmeiras (e com Marcos, sempre lá, completando 500 jogos), ele novamente, Felipão, resgatou esse sentimento.

Nos últimos dez anos, o impossível sempre foi impossível para o Palmeiras. Hoje Felipão voltou de verdade e nos lembrou que o impossível, às vezes, é possível. Tínhamos de vencer o vice-campeão da Copa do Brasil por três gols de diferença e sem as principais estrelas do time. Vencemos por 3x0. Com um gol incrível de falta. Aos 44 minutos do segundo tempo.
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Metalinguagem: tinha me programado para falar de outras coisas relacionadas a futebol, mas essa vitória de hoje quebrou o planejamento por completo. E repare no gol de Marcos Assunção lembrando os bons tempos de Arce!

domingo, 15 de agosto de 2010

Três frases pedantes

Os professores lá da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da USP, onde estudo, estão em contato contínuo com livros e congressos.

Estudam a sociedade, suas relações antropológicas, políticas, filosóficas, linguísticas, históricas, geográficas, sociológicas.

Mas a imensa maioria se esquece da cidade, do país e do mundo em que vive. Os iluminados fecham-se na torre de marfim, apesar de abusarem de tal expressão sempre que podem.
Exemplo concreto são as três frases saídas das bocas de docentes em sala de aula, que reproduzo abaixo, com a tentativa de contextualização entre parênteses:
-"Isso qualquer verdureiro sabe"

(Professora de Política II, ao se referir à popularidade da obra de "O Príncipe", de Maquiavel, dizendo que os estudantes têm que ir além do senso comum - lembrou-me a citação de Boris Casoy, no fim do ano passado - escrevi sobre);

-"Para entrar na USP é só prestar qualquer curso com aquelas habilitações bizarras da Letras"

(Professora de Sociologia I, esquecendo-se que a relação candidato/vaga do curso de Ciências Sociais é baixa e avaliando a importância do curso pelo fator vestibular);

-"Aí eu fiz o doutorado e virei gente"

(Professora de Antropologia I, expressando-se de modo infeliz para dizer que teve relevância acadêmica a partir de tal momento. Ela, inclusive, não fez essa contextualização. Talvez ela seja um dos poucos milhares de seres humanos de verdade no Brasil).

Assim como o dinheiro, a intelectualidade sobe à cabeça. Segundo o professor Daniel (Letras), crítico em relação à posição política (de imobilidade) da maioria dos docentes da USP, 1/3 deles têm dívidas em cartões de crédito apesar do alto salário recebido. "Eles se acham os novos FHC. A USP traz o prestígio, o dinheiro. Eles adotam padrões de consumo absurdos para terem status e fazerem turismo em congressos".

Apesar de todo o "conhecimento", de nada adianta se não houver discussão. As aulas são como palestras em que muitos alunos são ridicularizados pela "falta de conhecimento" quando tentam realizar uma intervenção. Discutir o papel da universidade em uma aula do curso de Ciências Sociais com a reitoria ocupada a poucos metros? Nem pensar.

Em três palavras: punhetagem de conhecimento.
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Metalinguagem: guardei no pensamento duas das frases e com o surgimento de mais uma na primeira semana de aula, tive a ideia de escreve este texto. Não desconsidero a importância das aulas, mas a leitura organizada de textos está sendo bem mais proveitosa, além de discussões com alunos em corredores.

sábado, 14 de agosto de 2010

Frase que uma moça me disse num sonho

E no próximo aniversário, darei a você um presente que já estou parcelando: a indiferença

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Oito pequenos trechos desconexos de desabafos esparsos em noites solitárias

1. Isso é uma técnica de imersão. Entro em mim mesmo. Apesar de todas as travas, tento escrever o que realmente penso. Talvez não seja nem o que penso de verdade, considerando que pensar é somar todas as vozes da cabeça e dar a “vitória” à mais interessante, por qualquer motivo que seja.

2. Queria que ele fizesse o que ele fez.

3. Ultimamente tenho tido raiva das pessoas que têm medo.

4. Esperei o dia todo por esses 15 minutos.

5. Gosto muito do jeito como escreve, da concisão principalmente. Adoro como as frases secas dos personagens masculinos são cheias de significados. Termino os romances e contos e fico com vontade de falar como eles. Não consigo. Sou quieto, mas quando me sinto à vontade acho que falo bastante.

6. Que caralho de cidade é essa?

7. -Vamos. Vamos fingir a felicidade que não existe. Vamos falar com pessoas que têm uma obrigação moral de falar conosco, vamos perceber o quanto elas não nos conhecem e ver que as que conheciam não conhecem mais, que as que conhecerão são uma incógnita de cada vez mais difícil resolução.

-Sim, vamos jogar o jogo.

-E sem perspectivas.

-É, sem perspectivas.

8. A mão sente e pulsa, doendo um pouco.

sábado, 7 de agosto de 2010

Programáticas, pragmáticas

Quando acabou o primeiro debate entre quatro dos candidatos às eleições presidenciais deste ano, na Bandeirantes, ocorrido no dia 5, o diretor de jornalismo da emissora, Fernando Mitre, deu uma entrevista aos próprios repórteres que coordena.

Disse que, no debate, não ocorreram xingamentos pessoais, baixarias, enfrentamentos ríspidos. Em outras palavras, não rolou o dedo na cara, o embate direto. Uma certa cordialidade imperou entre os três postulantes mais bem contados nas pesquisas. Mitre ainda afirmou que o debate inaugurou a discussão programática entre os dois principais candidatos (Serra e Dilma), definindo tal termo como as principais propostas práticas de cada presidenciável para os próximos quatro anos.

Nao li os programas de governo de Serra e Dilma. Fiquei sabendo pelos jornalões que ambos são parecidos, genéricos e curtos. É fácil de se constatar que as campanhas estão mais pautadas no corpo a corpo, na figura pessoal, na imagem televisiva, nas promessas de entregas de escolas, hospitais, bolsas-família, nos beijinhos nas crianças, na continuidade, na polícia "apaziguadora" do que numa discussão sobre o que se quer para o futuro. Na minha opinião, o jornalista confundiu o programático com o pragmático. Muito mais do que prédios e medidas práticas, o programa é o que precede as ações e norteia um partido, são seus ideais. Os de Serra, de Dilma e da ecocapitalista Marina Silva convergem, como bem frisou Plinio.

Por falar em Plínio, achei que ele fez bem em pontuar algumas questões (o fato de todos serem farinha do mesmo saco, citar a impossibilidade de concilar desenvolvimento capitalista e sustentabilidade, tocar na questão da jornada de trabalho), mas acabou vestindo o papel de palhaço ao adotar um tom irônico. A mídia, óbvio, pintou-o como franco atirador, "velho louco". Penso que ele poderia ter sido mais incisivo e menos complacente. Poderia ter explicado melhor, mais didaticamente, como a sociedade é dividida por classes e como os interesses dos patrões divergem dos interesses do povo. Ficou falando em muros, em desigualdade, mas não disse claramente que Serra, Marina, Dilma e Lula estão do lado oposto ao dos trabalhadores.

Por mais que Plinio destoe dos demais candidatos, ele não rompe de fato com o modelo da "democracia" estabelecida.
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Metalinguagem: não assisti ao debate inteiro devido ao jogo da Libertadores.

sábado, 31 de julho de 2010

Ex-futuro alto

Se você se sentou comigo na mesa de um boteco por mais de uma vez, já deve ter ouvido a seguinte história:

Eu era uma criança com tendência a ter grande estatura. Pai: 1,85m. Mãe: 1,75m.

Ouvi durante toda a infância e adolescência que eu cresceria muito, o que me fez até experimentar esportes como natação e basquete, apesar da óbvia vontade de ser jogador de futebol, comum a todo moleque (e frustrada em 95% dos casos).

E a expectativa era bem cumprida. Até aos meus 14 anos eu era o mais alto da sala.

Foi justamente aí que parei de crescer, estacionando no 1,72m. A tão esperada fase final de crescimento dos 18 aos 21 ainda não chegou, apesar dos 24 que ostento.

Ser alto é algo muito valorizado pelos padrões de beleza. A postura interpessoal dominante também tem muito do maniqueísmo alto/baixo. Vide palavras como "altivo", que significa "nobre, magnânimo" e até "alto", que em uma de suas possibilidades quer dizer "grande, importante", segundo o dicionário da Folha da Tarde que tenho aqui em casa.

Eu já superei o trauma de ser um ex-futuro alto. Meu pai ainda não se acostumou com a ideia de ter um filho baixinho, que não seja "grande, importante". Exemplo disso é o diálogo que tive com ele há uns três ou quatro dias, mais ou menos assim:

-Filho, comprei umas camisas muito boas, bonitas mesmo.
-Legal.
-Vou comprar uma para você. Qual é o seu tamanho? G?
-O quê?
-O tamanho da sua camisa é G?
-Não, é P.
-O quê?
-P.
-O quê? Não entendi.
-P! Pe-que-no.
-Não, não é possível, para você é no mínimo M!
-Pai... eu tenho 1,72m.
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Metalinguagem: leia o primeira parágrafo.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

É a dança da fragmentação

O que vou falar agora não é novidade para ninguém. Apenas resolvi ligar os pontinhos:


Quando entrei no curso de Jornalismo da Unesp, em 2005, não entendi de imediato a visão estratégica que os autores do projeto da terceira universidade pública estadual paulista tinham elaborado.

Parecia-me justo espalhar os campi pelo Estado, dando mais oportunidades para jovens do interior participarem de uma universidade pública sem que tivessem a necessidade de se deslocarem a grandes cidades, como São Paulo ou Campinas.

Com o passar do tempo e graças a conversas e leituras, percebi a desarticulação que uma universidade fragmentada provoca. Na questão acadêmica, a integração entre cursos é pequena. Em termos políticos, é bem mais complicada a comunicação, a mobilização das lutas, a organização da agenda de encontros, etc.

E, agora, cursando a minha segunda graduação, percebo mais claramente que isso não ocorre apenas geograficamente. A diferenciação é forçada pelos gestores entre cada uma das categorias universitárias.

Isonomia é o mecanismo que fazia com que os salários de funcionários e professores fossem reajustados na mesma proporção. O reitor João Grandino Rodas, da USP, quebrou tal paridade, aumentou os salários apenas dos professores. O que se cria? Diferenciação entre funcioários. Professor não é funcionário? "É, mas é mais qualificado, tem mais mérito, merece um maior aumento", dizem as vozes oficiais. A greve de funcionários amenizou seus efeitos, mas não os barrou.

Entre os que se consideram funcionários, já há os terceirizados (cerca de quatro mil entre os 15 mil servidores dda USP), predominantemente da parte de limpeza e manutenção. Ganham menos, fazem os trabalhos mais degradantes, não podem ser organizar politicamente senão são mandados embora. E os administradores matam o problema da "imundície" em períodos de greve, tornando uma paralisação longa de servidores mais tolerável à comunidade acadêmica que está se lixando para o fator público da universidade.

Na categoria dos alunos, os que estudam no campus leste da USP são considerados de segunda classe pelo mercado de trabalho. Segundo matérias divulgadas na imprensa recentemente, os cursos "específicos" (novamente a fragmentação) ministrados em tal unidade deixam seus alunos com diplomas inúteis. Será necessário um reingresso nos bancos universitários por mais um ano para complementar a formação e tirar um novo diploma em uma área mais aceita socialmente. A ideia surgiu da própria universidade.

Isso sem contar o Ensino à Distância, ou, se preferir, o ensino Semi-Presencial, como fez questão de afirmar Rodas, no Roda Viva, da TV Cultura. Ele já está sendo implantando via Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo) e sua emissora de TV. O estudante sai tão prejudicado por um formação de má qualidade que a própria USP, encarregada de expedir esse tipo de diploma, deixa explícito que não aceitará que seus professores sejam formados por tal modo de ensino. É a propria universidade afirmando diferença qualitativa.

E correm boatos de que professores das faculdades mais lucrativas à universidade querem melhores salários, com novos tetos, corroborando o que os estudantes barraram em 2007, quando Serra emitiu os famigerados decretos que valorizavam o ensino "operacional".

Divide aqui, fragmenta ali, reprime acolá. Alguém tem dúvida do objetivo final?
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Metalinguagem: vou ver se posto mais sobre política e universidade. Assuntos que tomam tempo de minhas reflexões, mas exigem uma argumentação um pouco maior (mesmo que ainda superficial) do que os vômitos sentimentais e futebolísticos que me habituei a postar por aqui ultimamente. A charge é de Latuff, durante a greve da USP de 2009.

domingo, 4 de julho de 2010

Jogo limpo para inglês ver

Copa da África do Sul, 2010. Inaugura-se um cerimonial "emocionante", copiado da Liga dos Campeões, em que meninos e meninas entram em campo antes dos jogadores, ao som de uma composição musical "forte", com a bandeiras das duas seleções adversárias. Antes, porém, outros garotos de bonés azuis carregam uma bandeira amarela. Ela abre o caminho estampando os dizeres "Fair Play".

As palavras em inglês significam "Jogo Limpo" e são um dos principais slogans da FIFA. Existe até um troféu "Fair Play" entregue ao fim de cada Copa ao time menos faltoso (como se apenas as faltas físicas e marcadas pelo juiz existissem - se a Costa do Marfim tiver poucos cartões amarelos, pode ganhar o troféu 2010, mesmo um de seus jogadores tendo tirado o brasileiro Elano da Copa. A Itália de Materazzi, em 2006, teria mais chances de levar o "Fair Play" do que a França do "descontrolado" Zidane).

Feche o parênteses e pense no jogo Gana x Uruguai, no exato momento em que Luis Suárez coloca as duas mãos na bola para evitar que seu time tomasse o gol aos 15' da segunda etapa da prorrogação, o que significaria a eliminação uruguaia.

Como todos sabem, o pênalti foi marcado para Gana e o uruguaio,expulso. Gyan desperdiçou a cobrança e seu time se desestabilizou emocionalmente. Nas penalidades posteriores, os ganeses foram eliminados em seu próprio continente.

Suárez, um ou dois dias após a partida, foi julgado por um tribunal da FIFA e pegou apenas um jogo de suspensão. Ou seja, se o Uruguai disputar a final da Copa, o "salvador" poderá participar.

Qual é o oposto do jogo limpo? A vitória a qualquer preço. Suárez ultrapassou o limite ético para fazer sua equipe vencedora. "Mas ele foi punido pela regra", uns podem dizer. É aí que se vê a fragilidade das legislações, mesmo no futebol. A bola iria entrar, todos sabiam, todos podiam ver. Gana se classificaria. Suárez salvou sua equipe deslealmente. O árbitro seguiu a regra. Quem foi beneficiado? Qual foi a vantagem de Gana ao ter um jogador do Uruguai expulso ao 15' da segunda etapa da prorrogação e trocar certeza do gol da classificação por uma possibilidade de gol em pênalti? A regra é clara. Claramente injusta.

E se o Uruguai estiver na final, o "herói" uruguaio entrará em campo após o cerimonal "emocionante", acompanhará a bandeira amarela do "Fair Play" despontar na saída do túnel, levada por criancinhas bonitinhas de bonés azuis e uniformes amarelos, mesmo após ter cuspido moralmente no jogo limpo, com o consentimento da FIFA.
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Metalinguagem: fiz uma pequena referência ao lance entre Zidane e Materazzi, em 2006, mas posso dizer que foi a grande inspiração para escrever este texto.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Um poema fodido de Pessoa

Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, esse licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo

Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

Na primeira página do livro "Ficções do Interlúdio/4 - Poemas de Álvaro de Campos". Não há título.
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Metalinguagem: tenho pensado bastante sobre isso.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sobre os últimos posts

Relendo alguns posts desse blog, fiquei pensando o quanto ele é mentiroso.

Não que as coisas que eu escrevo aqui não reflitam o que penso, mas, quase sempre, não expressam o que eu tenho sentido.

O caráter do MZ não é de diário pessoal. É uma boa desculpa, eu sei.

Mas é engraçado quando as divagações aqui escritas são tão secundárias que não chegam a tomar cinco minutos das minhas elucubrações diárias.
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Metalinguagem: altamente influenciado pela leitura de "Diário de um fescenino", de Rubem Fonseca.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Resolver o jogo e ser expulso

De cara, já me lembro do Palmeiras 2x0 Corinthians, válido pela final do extinto torneio Rio São Paulo. O ano era 1993.

Edmundo, vestindo a 7 do Palmeiras, fez dois gols de cabeça (algo pouco comum em sua carreira) no primeiro tempo. Na volta do intervalo, chutou o meio da canela de um adversário.
A recordação subsequente é de Evair, na final da Libertadores de 1999. Segundo jogo entre Palmeiras e Deportivo Cali, no Palestra. Ele estava muito nervoso. Creio que era o capitão. Gesticulava, esbravejada, gritava com todos. Marcou o importantíssimo gol de empate, de pênalti, ainda no primeiro tempo, com toda a tranquilidade que lhe era peculiar nesse tipo de cobrança. Foi expulso no segundo.

Inevitável pensar em Ronaldinho Gaúcho, na Copa de 2002, contra a Inglaterra. Uma finta em velocidade que matou toda a defesa inglesa e a assistência para Rivaldo. Depois, um gol antológico (sem querer ou não) quase do meio do campo. Disputa de bola e ele entra com a sola. Foi para o chuveiro.
Hoje Kaká fez isso contra a Costa do Marfim, pela segunda rodada da Copa do Mundo. Ele pode não ter sido o homem do jogo (prêmio concedido merecidamente a Luís Fabiano), mas foi fundamental ao dar um ótimo passe para o primeiro gol e fazer a jogada do segundo.

Os marfineses começaram a chegar pesado e Kaká foi se irritando. Quando Galvão Bueno alertou o que era evidente (a necessidade de substituir o camisa 10), tive uma reação impulsiva: "Não, não tira! Deixa ele ser expulso!"

Pensei na consagração, no ato "zidânico" de tacar um foda-se. Dois passes para gol, finalmente uma atuação convincente após tantas incertezas geradas pela eterna pubalgia. Tensão. O juiz sequer apitando falta para lances que mereciam cartão vermelho. Quer saber? 3x0, Foda-se.

Depois de decidir a partida, o melhor jeito de sair de campo é tomando o vermelho.
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Metalinguagem: Kaká pode ter sido expulso injustamente, mas ele procurou confusão e conseguiu sair por cima, e ainda como o coitado.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sobre o "pensar", no trânsito paulistano

As necessariamente grandes distâncias percorridas via transporte público, na cidade de São Paulo, fazem com que eu tenha "tempo para pensar à vontade, contra a minha vontade", como diz uma letra de música do Mauricio Pereira.

Tem gente que faz de tudo para não pensar na vida. Enterra o fone nos ouvidos e só volta ao mundo real quando chega ao destino desejado. Talvez por medo, necessidade ou acomodação.

Claro, também ouço músicas nas viagens, mas há dias em que tenho preguiça de postergar as divagações. Deixo canções, livros e textos super prioritários para depois e fico só pensando, pensando.

Sim, o movimento é para dentro. Só se presta atenção em algo externo quando este realmente é bem inusitado (algo difícil de acontecer na megalópole) ou quando o "diferente" se esconde no banal, vendo a reação das pessoas à entrada de alguém que ouve música gospel em volume alto, no ônibus. Ou quando se olha para a irracionalidade do mar de carros no momento em que passo sobre a ponte Cidade Universitária, no horário de pico. Ou quando atento sobre a reação de um "iniciante em trens" ao ver a "expremeção sem fim" que faz todos sentirem calor num frio de 12 graus, às 18h30.

São Paulo tem o transporte tão complicado que eu ousaria dizer que ele praticamente força a reflexão, caso não estivéssemos numa sociedade que não a prioriza e onde as condições (viajar de pé, absurdamente apertado) não ajudam em nada.

Se tais poréns não existissem, já teriam inventado uma frase do tipo: só é possível filosofar em alemão, mas a reflexão não será completa se não ocorrer no trânsito paulistano.

Para encerrar a viagem (perdoe-me o trocadilho), o clipe genial da música citada no primeiro parágrafo:


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Metalinguagem: na verdade, eu queria falar sobre uma das coisas que pensei durante o tempo de condução (o fato de eu estar pensando muito sobre política, mas falando bem pouco sobre isso no blog).

terça-feira, 1 de junho de 2010

O ronco

O ronco geralmente é algo cômico.

Em mesas de bar, quando as pessoas se enganam achando que encontraram um jeito de se divertir, é comum as amigas contarem que os caras terminam o sexo e já começam a roncar em seus ouvidos. Na sequência da competição por atenção da roda, os amigos lembram de colegas que roncaram em apresentações de seminários ou em uma sala de aula silenciosa.

A minha história de ronco é mais normal, nada cômica.

Passei o sábado em casa. A televisão ligada desde às 9 da manhã, influenciando os assuntos sobre os quais meu pai e minha avó conversavam, enquanto eu permanecia quieto, quase sempre. Falta de privacidade. Eles sempre me chamando para ver a novidade quente e vazia da televisão. Não me mexia. Hora do almoço. Meu pai compra um litro de cachaça, bebe em casa. Assassina não apenas alguns neurônios que resistiram ao vômito dos raios catódicos, mas boa parte do longo sábado, pois após o almoço, puxa o sono, jogando uma pá de tempo em cima de umas três ou quatro horas, essas do fim da tarde. Sem beber, minha vó segue o mesmo rumo. A fome, brevemente, acordaria os estômagos de todos, fazendo com que o império televisivo voltasse a reinar.

Então, após mais algumas horas, o vagoroso dia se aproximava do final. Minha vó foi dormir no quarto e meu pai, na sala. Abaixei o volume da televisão, aproveitei o silêncio. Fiz coisas tão úteis que não me lembro de nenhuma delas agora.

Meu pai acordou e, quase sonâmbulo, foi para o nosso quarto dormir. Depois de alguns minutos também fui. Deitei a cabeça no travesseiro. Quando eu quase pegava no sono... o ronco.

O ronco da cachaça, do sábado inútil, do domingo igual, da segunda massante.

O ronco da falta de perspectiva

Que mata meus parentes

E não me deixa dormir.

sábado, 29 de maio de 2010

Simples, como fazer um gol de pênalti

Meu primeiro e único ídolo se tornou meu primeiro e único ídolo por causa de um pênalti.

Final do Paulista de 93. Uma torcida esparava 16 anos para soltar o grito de campeão. Palmeiras e Corinthians, os dois maiores rivais, se enfrantavam no Morumbi. Bastava um empate na prorrogação para o sonho se concretizar.

Pênalti.

Ele pega a bola, conversa com C. Sampaio, coloca-a na cal.

Toma distância ultrapassando o meio círculo. Passa a mão no rosto. Corre para a bola "trotando", de seu jeito característico. Bate, de chapa, rasteiro, entre a trave e o meio do gol, sereno, tranquilo, como se já soubesse que, independentemente do canto que escolhesse, o goleiro (Wilson, que substituía o expulso Ronaldo) pularia para o outro lado. Gol. Obviamente gol.

E aí foi um dia inesquecível. Meu pai comprou uma bandeira do Palmeiras, desfilamos orgulhosos pela cidade, gritando o tão esperado (não para mim, porque eu tinha apenas sete anos) "é campeão". Tudo aquilo graças a Evair, o matador, camisa 9.

Hoje em dia, o Palmeiras provavelmente tem o pior desempenho em cobranças de pênalti de um time de futebol profissional. Os jornais esportivos da semana alardeavam as sete cobranças desperdiçadas em nove possíveis.

Perguntado pela reportagem do Lance! sobre isso, o matador deu a letra:

"Pênalti é confiança. O cobrador tem que ter bastante confiança".

Simples. Às vezes é difícil ser simples.
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Metalinguagem: a charge genial é de Fernando Henrique da Silva Sanches.

sábado, 24 de abril de 2010

Duas concepções sobre a velhice

No início dos anos 80, oito jovens se juntaram numa banda chamada "Titãs do Iê Iê Iê", que se propunha a fazer uma releitura do rock'n'roll anos 60, mas de um jeito brasileiro e, obviamente, oitentista.

Com o sucesso inicial e o passar dos anos, novas propostas tomaram corpo. Flertaram com o eletrônico, caíram de cabeça no punk um tanto anarquista, entraram na onda de acústicos e, por fim, na mesmice.

Arnaldo Antunes, o mais brilhante integrante, deixou o grupo no início dos 90. No documentário de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves, "Titãs: a vida até parece uma festa", de 2008, Antunes afirma que a sua saída não se deveu a discordâncias estéticas. Pode ser verdade, mas não há dúvidas de que o poeta queria muito mais do que o que os Titãs estavam oferecendo a sua capacidade artística.

Quem ouve o primeiro disco solo arnaldiano, "Nome" (de 93), tem uma clara amostra do experimentalismo liberto com a carreira solo.

Fiz toda essa introdução para dizer que os membros originais dos Titãs já têm quase 50 anos e uma questão salta aos olhos de cada um deles quando acordam de manhã: estão ficando velhos.

Uma boa maneira de perceber as diferenças de rumo (estético e de conteúdo) que as carreiras de Antunes e dos Titãs tomaram é ouvir o que eles têm a dizer, em letras de música de discos recentes, sobre a velhice.

Em "Quanto Tempo", composta por Tony Bellotto e presente no último disco dos Titãs (Sacos Plásticos), a melodia nada original casa com uma letra igualmente comum. Aquele carcomido sentimento de que o tempo passou e não foi tão aproveitado. Uma música bem feita para o mercado pop em que os Titãs estão inseridos. Mais do mesmo.

"Eu não, não apaguei a luz
Não corri atrás
Não saí quando chegou a hora

Mas a hora chegou
E ninguém me avisou

O tempo passa tão depressa
Logo acaba, mal começa
Eu tenho pressa
Não vou olhar pra trás"

Já em "Envelhecer", Arnaldo usa o gênero Iê Iê Iê (presente em todo o disco, que tem o mesmo nome) para confrontar a velhice. É praticamente um desafio a ela. Em vez de chorar que o tempo passou e ninguém avisou, ele bate no peito e diz "Não quero morrer pois quero ver como será que deve ser envelhecer".

"Pois ser eternamente adolescente nada é mais demodé
Com uns ralos fios de cabelo sobre a testa que não para de crescer
Não sei por que essa gente vira a cara pro presente e esquece de aprender
Que felizmente ou infelizmente sempre o tempo vai correr"

Enquanto os Titãs (que agora têm apenas quatro integrantes) choram o marasmo dos últimos anos e temem a velhice, Arnaldo exalta o experimentalismo que o libertou do rock quadrado e desafia o futuro.
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Metalinguagem: já faz algum tempo que eu ouvi os dois álbuns, mas apenas recentemente percebi o que tem em comum e fiz a comparação.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A falta dos seus peidos

Por volta das 10 horas da manhã de um sábado ou domingo, voltando da casa de amigos, eu caminhava rumo ao metrô tentando me concentrar em algum dos pensamentos que se atropelavam em busca da prioridade em minha cabeça.

A reflexão interna sobre qualquer assunto (quais eram eles é uma questão totalmente irrelevante hoje em dia) não foi suficiente para que eu me distraísse e não lesse uma frase pixada no muro de um casarão antigo. As letras de forma bem legíveis passavam a seguinte mensagem:

"Fulana, sinto falta dos seus peidos debaixo do cobertor."

Puta que o pariu, ele sente falta dos seus peidos, Fulana. Ele sente falta de quando você peidava e esperava ele sentir o cheiro, dando risada. Aquela risada tão sua: os músculos faciais se esticando pouco a pouco até que a curvatura da boca e as covinhas laterais não aguentassem mais e ele arrebentasse numa gargalhada que mostrava todos os seus não tão belos dentes. Aquele sorriso que passava a sensação forte de carinho, mesmo sem haver o menor contato físico. Então ele te abraçava, mostrava uma careta e tampava as narinas com os dedos polegar e indicador da mão esquerda, que enlaçava seu pescoço. As risadas se repetiam, repetiam.

Ele sentia falta dos seus peidos porque sempre que você fazia isso, Fulana, ele tinha conseguido uma coisa que poucos mortais tiveram o privilégio: dormir com você por mais uma noite. Não importava se tinha havido sexo ou não. Você e ele dormiam abraçados anatomicamente. Era como se todo o corpo alheio fosse acolchoado. A sua cabeça se encaixava perfeitamente no pequeno buraco no centro do peito dele. As pernas se cruzavam e até os pelos dele te aqueciam um pouquinho mais. A mão esquerda (novamente ela), enganchava-se em seus cachos, por trás da nuca e, num movimento de vaivém, se configurava um carinho delicioso de ser feito e de ser recebido. No meio da noite, ele apalpava (agora com a mão direita) seu peito e lembrava de outras noites tão boas que teve com você. E, nesse momento, pensava, só para ficar feliz e dormir de novo, o quão boa era a sensação de estar ali.

Do seu peido, Fulana. Do seu peido e dos xingamentos, das picuinhas, das trairagens, das ligações que foram exaustivamente aguardadas e não ocorreram, das cartas, mensagens de texto, e-mails que ele te escreveu e você, Fulana, não deu importância.

De entregar o coração a alguém que não merece, Fulana. Do esperar tanto assim de alguém.

E sozinho numa cama de casal, debaixo de cobertas cheirosas, ou talvez com outra menina, ele se deu conta do que sempre soube: sentia falta dos seus peidos. Dos seus peidos, Fulana.

Dos seus peidos e de você, da forma mais plena possível.

Da sua presença.
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Metalinguagem: ler os dois primeiros parágrafos.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A "amiga" televisão

Fazia tempo que eu não convivia com a televisão como membro da família.

Ela se senta na sala e abraça nossos olhos e ouvidos, reverberando dentro de nós, apresenta-nos, todo dia, a sua velha novidade: a notícia vazia.
Para minha avó e meu pai, trata-se realmente de uma amiga. Talvez algo como uma vizinha fofoqueira, mas um tanto autoritária. Ela tem a prioridade da fala e do olhar, além de dizer novidades quentes. Não há como comparar com as coisas que são pensadas na cachola, caso a matraca televisiva desse um tempo. São curiosidades tão apelativas e vazias que exigem uma reação (novamente o autoritarismo não explícito), forçam a extração de uma opinião igualmente vazia.

Assim, o que resta a meus parentes? Inicialmente a reprodução. A amiga eletrônica cochica no ouvido um segredo tão novo que é preciso alardeá-lo. "Vem ver! O barraco caiu no Rio de Janeiro", grita a minha avó. Em seguida, a ideia estabelecida de que precisamos ter uma opinião escolhe aleatoriamente o "isso é uma bosta" ou "adoro esse programa". Por último, o sensacionalismo se torna mais evidente com as reações (gritos, expressões faciais) de minha avó.

Jornal não se lê, internet não se sabe usar, rádio não funciona. Resta a tevê, essa amiga que traz a novidade incrível e vazia para formar opiniões (baseadas em questões sem sentido informativo relevante) aqui em casa. E, muito provavelmente, em muitas, muitas outras casas.

Meu pai dorme, minha avó dorme, mas ela continua cochichando no ouvido deles e no meu, neste momento, mesmo eu estando em outro cômodo.

"A televisão me deixou burro, muito burro demais. Agora todas coisas que eu penso me parecem iguais".
Marcelo Fromer / Tony Belotto / Arnaldo Antunes
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Metalinguagem: post nada original, apenas um certo desabafo ao constatar cotidianamente o convívio da televisão em casa. Ressaltando: o problema não é o meio em si, mas quem o fez e com que intenção.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Considerações sobre "Mafaro"

André Abujamra lançou um novo álbum, no último final de semana, denominado "Mafaro" (significa "alegria" no idioma do Zimbábue).

Como fã de Os Mulheres Negras, Karnak e da própria carreira solo de André, publico aqui minhas considerações.

Mistura de ritmos, de instrumentos, de influências e participações especiais ecléticas (Luis Caldas, Zeca Baleiro e Xis). Tudo isso consta no álbum e, mesmo assim, é possível questionarmos qual é a novidade de Mafaro.

Desde o início da carreira, a marca principal de Abu é a mistura. Ele pode ter novas influências (viagem ao Zimbábue, contato com música dos balcãs e conhecimento mais profundo acerca da cultura maranhense), mas as antigas continuam, como o excesso de arranjos com metais, os coros com várias tonalidades vocais (muito comuns no Karnak) nos refrões, partes iniciais e finais das músicas, as rimas propositadamente tolas e bem humoradas, os maniqueísmos das letras (difícil/fácil, verdade/mentira, entre outros).

Quer dizer que o disco é ruim? Não, definitivamente. Pelo contrário.

Mesmo que Abujamra apenas repetisse a fórmula das misturebas, as diferentes variáveis já tornariam o álbum minimamente interessante. Em algumas músicas ele faz o de sempre, mudando alguma coisa. No entanto, não se limita a isso.

A faixa Origem, a primeira do novo trabalho, é essencialmente instrumental e mistura (desculpe a repetição da palavra) arranjos complexos em percussão e metais com riffs simples de guitarra. A letra aparece ao final da música, salpicando apenas as palavras necessárias. Em Logum Edé, o coro de vozes femininas e a delicadeza com que toca a questão da tristeza são de uma sensibilidade pouco comum.

O ponto alto de Mafaro é Duvião, em que o autor relata como enxerga as coisas quando viaja de avião. Muda o ritmo da música três vezes (moda de viola, aboio, baião) ao mesmo tempo em que reflete, de forma bem simples e ingênua, sobre questões como amor e relatividade. Chega a emocionar.
Imaginação, O amor é difícil e a faixa-título também são destaques.

A regiliosidade de Abu se faz presente em diversas canções. Não as considero em termos de conteúdo. Para mim, é como se estivesse ouvindo as recomendações religiosas em Tim Maia Racional. Entra por um ouvido e sai por outro.

Mas o que torna Mafaro diferente é a valorização instrumental de arranjos complexos misturados com melodias simples (algo que não se via desde os tempos de Karnak) e a sensibilidade ingênua de Abujamra. O olhar virgem que relata o óbvio apalpando com o coração.

Ouça o disco clicando aqui.
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Metalinguagem: pensei em falar sobre as letras de Abu politicamente, mas creio que isso não é necessário. Religioso, acredita na bondade do ser humano e em certos castigos divinos. Não compactuo em nada com sua visão, mas o admiro muito musicalmente e, de uma certa forma, poeticamente (existe essa palavra?).

domingo, 4 de abril de 2010

São Paulo

Morar em São Paulo é estranho.

Lido com memórias que tenho sobre essa cidade desde que me entendo por gente.

Nas noites de domingo, voltávamos para Suzano pela rodovia dos trabalhadores e eu aguardava ansioso para ver o outdoor móvel do Guaraná, por poucos segundos.

Desenhos com caneta em papel de impressora matricial. Chocolates de côco que meu avô odiava e jogava pra cima (ainda dentro da caixa de bombons) para darmos risada.

O Palmeiras, o Palestra. A final da Mercosul 99. Perdemos. Outros apartamentos. O não saber divertir-se. Brinde? Cantoria? Cigarro?

A "música" nos fins de semana do fim dos 90, em visitas obrigatórias. Beatles, Beatles, Beatles.
O caminho para Bauru. Olido, o Parque Antactica. Encontros e desencontros, apartamento aconhegante. Aperto no peito.

Fins de semana de alento não alienante na volta à cidade das flores. Novas escolhas guiadas pela política.

Coisas recentes, doces, de pessoas antigas.

Namoradas paulistanas. Tudo isso são minhas namoradas, que me dão tapas quando menos espero. Há algo de excitante.

Reconheço as velhas conversas nos mesmos lugares (quase sempre são os mesmos lugares). Novas conversas geralmente também nos mesmos lugares.
Fantasmas vão me perturbar ou me alegrar a cada instante. É um tanto perturbador e desafiador.
As lembranças vão se sobrepor. Umas ficando mais fracas, não necessariamente as de baixo.
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Metalinguagem: percebo agora que ter um blog e fazer reflexões é algo extremamente solitário. Necessito estar sozinho para postar. É algo íntimo, apesar de ser "divulgado" na internet. A falta de privacidade que tenho agora fez a frequencia de posts cair muito desde que mudei para cá. Postagem claramente influenciada por esse livro aí ao lado.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Morando com uma velha louca

Dona Rosa Cerri (foto) foi, no dia de ontem, fazer exames que qualquer pessoa precisa fazer aos 81 anos. Voltou. Ficou sabendo que necessitava comprar um remédio e ligou para a farmácia:

-Alô??? Alô???? Alô??? É da farmácia? Essa farmácia é na Domingos de Moraes? Eu conheço tudo aí. É do lado do Pastorinho? Viu, vc tem um remédio que chama Agritone? Não?!? Mas eu fui no médico e me mandaram ligar aí! Ahhhhh, é Actonel? É que o médico escreve com uma letra horrível e eu não entendo bosta nenhuma. É comprimido ou injeção? Sabe o que é? Eu fui fazer um exame das pupas* e falaram que aí tem desconto... quase metade do preço?! Que beleza! Amanhã eu passo aí de manhã depois que eu fizer outro exame.

Hoje minha avó voltou da Domingos de Moraes dizendo que eles não tinham o remédio.
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Metalinguagem: *pupas - seios.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Muricy, a paixão e Antônio Carlos

Inicialmente, eu faria esta postagem para criticar duramente a demissão de Muricy Ramalho, ex-técnico do Palmeiras.

Não o faço unicamente porque, às vezes, as relações técnico/equipe são parecidas com as que ocorrem em relacionamentos amorosos (perdoe-me o clichê).

Muricy e Palmeiras pareciam se completar. O clube paulistano fazia uma boa campanha no Brasileirão de 2009 e estava sedento por títulos de expressão. O rabugento comandante, tricampeão brasileiro, tinha o interesse de se manter na cidade de São Paulo e treinar o time pelo qual torcia quando era criança. O salário oferecido era ótimo, as condições eram muito boas (mesmo com o elenco não tão forte). O sucesso no campeonato em questão parecia inevitável.

Mas após atração inicial, olhares, beijos e contato carnal íntimo, o casal não quis conversar. Um acendeu o cigarro e foi fumar na janela. O outro virou pro lado e dormiu. Algo estava ausente. Paixão? Química? Não se sabe, mas a relação arrefeceu.
O técnico ficou ainda mais pragmático, dando apenas orientações técnicas e esquecendo a motivação pessoal. Os jogadores não aprovavam o esquema tático com mil volantes e o time (praticamente o mesmo que foi líder do Brasileirão 2009 por 19 rodadas) sofreu uma derrota humilhante para o São Caetano.

Muricy demitido no dia seguinte. E o planejamento? É fundamental. Demitindo um técnico por ano ninguém terá um resultado satisfatório a longo prazo. Mas o esporte bretão lida com motivação, acaso, química e esses não são fatores que se encaixam na matemática precisa do planejamento.

E, pelo jeito, o racista Antônio Carlos (que a torcida do Palmeiras xingou, apesar de alguns indivíduos dizerem que as organizadas palestrinas são fascistas - veja foto clicando aqui) tem boas chances de preencher a porção de acaso que Muricy não conseguiu dar conta.
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Metalinguagem: leia o primeiro parágrafo.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O sorriso bobo do Loki (2)

Recentemente, o filme "Loki" (sobre Arnaldo Baptista, foto), de Paulo Henrique Fontenelle, foi disponibilizado para download.

Quando o assisti pela primeira vez, no cinema, emocionei-me ao ver o drama de um artista que conseguiu colocar para fora toda a ânsia por criatividade estética e, posteriormente, transformar a grande tristeza/loucura acumulada que levava consigo em canções extremamente tocantes, sinceras. Não reparei em elementos técnicos do filme.

Após assisti-lo por mais três vezes nos últimos dias (sempre com amigos), tenho certeza de que se trata de um grande filme. Consegui enxergar a linha narrativa um pouco melhor, reparar em alguns recursos de estilo, mas a sensibilidade transborda, e te desconcentra, por mais que olhar já esteja viciado.

Há falhas, como a sobrevalorização do papel político que Os Mutantes teriam na época da ditadura. O pensamento crítico do grupo se baseou quase exclusivamente na estética. Com os grandes ícones da MPB exilados, a banda de rock alternativo estava livre para falar de sexualidade, drogas e fazer inovações estéticas para "meia dúzia" de jovens da classe média. No entanto, o diretor usa relatos que não explicam por que os militares deixavam o grupo "na boa".

Mesmo assim, conduzir o documentário por meio da confecção de um quadro autobiográfico feito pelo próprio Arnaldo foi uma ótima ideia, além de ser mais um entre vários elementos emotivos.

Mais do que nunca, mantenho e defendo o relato que escrevi em julho de 2009 sobre "Loki", o filme.
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Metalinguagem: inicialmente, a ideia era apenas transcrever o post de 2009. Comecei a escrever a introdução, ficou grande, mas e resolvi mantê-la, pois o relato antigo fala exclusivamente da sensibilidade presente na obra.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Texto sobre as palavras

Viajei para as moradas de grandes amigos meus, em cidades interioranas, ao longo da última semana. Levei um livro chamado "Ensaio Sobre a Cegueira", de José Saramago. Gostei muito. Poderia até falar sobre isso, mas a preguiça me impede.

Deixo ao leitor uma frase solta que demonstra um poder de síntese privilegiado e muito sensível, típico de grandes escritores:

"As palavras são assim, disfarçam muito, vão-se juntando umas com as outras, parece que não sabem aonde querem ir, e de repente, por causa de duas ou três, ou quatro que de repente saem, simples em si mesmas, um pronome pessoal, um advérbio, um verbo, um adjectivo, e aí temos a comoção a subir irresistível à superfície da pele e dos olhos, a estalar a compostura dos sentimentos, às vezes são os nervos que não podem aguentar mais, suportaram muito, suportaram tudo, era como se levassem uma armadura, diz-se".
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Metalinguagem: o primeiro parágrafo foi uma metalinguagem.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Sobre os monstros que habitam dentro de nós

Gosto das obras feitas para crianças. Não de todas, é verdade. Aprecio as que não as subestimam.

Sou grande fã de "O Pequeno Príncipe", de Saint-Exupéry, por mais que as misses de todo o mundo o reivindiquem, sem o entenderem. Emocionei-me com "Os Meninos da Rua Paulo", de Férenc Molnar. Recentemente, fiquei viciado nas músicas do grupo "Pequeno Cidadão", com sua psicodelia para crianças.

Mas foi sem pretensões do tipo que entrei na sala de cinema para assistir "Onde Vivem os Monstros", de Spike Jonze (adaptação do livro homônimo, de Maurice Sendak), no último final de semana. Logo percebi que a escolha foi acertada e que o filme não subestimaria crianças. Portanto, não era feito apenas para crianças.

O enredo conta o drama de um menino de seis ou sete anos que tem pouca atenção da mãe e da irmã mais velha.

Não é a falta de amor que o torna solitário, mas as imposições da rotina sobre seus parentes, como a necessidade da mãe de manter o emprego e as atitudes adolescentes de sua irmã.

Convenhamos, mesmo com tais ressalvas, é difícil entender a indiferença, por mais sentido que ela tenha. Sentindo-se só e com ódio (lembremos que tal sentimento está muito próximo do amor), o garoto Max comete atitudes de uma radicalidade emocional pouco comum em crianças. Libera seus monstros, envergonha-se, foge.

A fuga é para dentro de si, onde materializa seus monstros. É como se cada um deles fosse uma pessoa com personalidade distinta, com as quais temos de lidar ao longo da vida. Ao mesmo tempo, os monstros são nossos sentimentos. Calmos, fortes, felizes, loucos, depressivos, sãos.

Os sentimentos gostam do garoto. Ele os domina, mas não sem se ferir e sem machucar os monstros-sentimentos. E as chagas são irreversíveis.

Trata-se de um filme sobretudo humano. Paradoxalmente, ao lidar com monstros e fantasias, mostra um humano verdadeiro. É um embate tão forte do homem com seus sentimentos mais irracionais, que parece não ser humano... mas é exatamente por isso que o é. O garoto e os monstros se descontrolam, ferem, se machucam, esquecem a racionalidade que nos torna "diferentes".

Durante a vida inteira fazemos isso.
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Metalinguagem: fiz este post por ter sentido certa culpa após assistir ao filme. Peço desculpas sinceras aos amigos que já precisaram de mim e eu não os compreendi. Peço desculpas sinceras aos amigos que tentei monopolizar de forma egoísta, sem os compreender.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Mudança no visual

Há algum tempo eu estava insatisfeito com o layout do blog. Hoje, resolvi mudar. Explico:

-Queria algo mais simples. O visual antigo estava me dando a impressão de que havia muita frescura.

-Queria algo mais impactante. O vermelho forte e a camisa do Zizou conseguiram fazer isso.

Mantive o fundo branco com texto preto em cima (a melhor maneira de ler) e a estrutura, bem reformulada ao longo do ano passado.

Espero que o leitor tenha gostado.
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Metalinguagem: tenho costume de fazer um post para anunciar mudanças estéticas. Ainda nesta semana farei uma postagem com conteúdo de verdade.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

As desculpas inócuas de Boris

No segundo post do ano, pensei em falar sobre mil coisas, mas escolhi algo relativamente velho, se levarmos em conta a velocidade fútil das informações jornalísticas.

Na semana passada, Boris Casoy, âncora televisivo renomado na grande mídia, cometeu a gafe mais preconceituosa de 2009 ao humilhar em rede nacional os garis participantes do vídeo promocional de ano novo da TV Bandeirantes, antes do intervalo do Jornal da Band.

Erro cometido, Boris veio a público se retratar no dia seguinte, no mesmo programa. Como um jornalista "ético", limitou-se a pedir desculpas aos garis e aos telespectadores pelo vazamento de som e por sua frase infeliz.

Agora imagine a cena análoga: você tem um amigo negro e você não é negro. Ao se despedirem, você cumprimenta seu amigo, mas faz um grave xingamento racista a ele. O rapaz ouve sua frase, vai embora e tira satisfação com você no dia seguinte. Como resposta, você se desculpa e diz que não era para ele ter ouvido.

Boris não se dignou a "cutucar a merda" porque sabia que, mesmo se apresentasse argumentos, ele não teria defesa. Afinal, como o âncora se salvaria de uma fala tão preconceituosa, incrustada em seu pensamento aos 68 anos de idade? Mesmo assim, a frase e o pedido de desculpas ridículo mostraram a cabeça racista da elite brasileira que, na frente das câmeras, prega o discurso da igualdade, mas nas conversas de boteco, na informalidade, na vida privada, trama e executa a manutenção ou o aumento das disparidades.
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Metalinguagem: post relâmpago também inspirado pela postagem do Byron & Shelley.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Subúrbio para morrer, vou dizer, é mole

Ouvi a música "O Trem", do RZO, em dezembro último. Fiquei pensando sobre como falaria dela num post.

Cheguei à conclusão de que o melhor a fazer seria disponibilizar a letra e o clipe aqui e dizer que, nos trens da CPTM da minha região (linhas 11 e 12), as coisas continuam bem parecidas, apesar de a canção ter sido composta em meados dos anos 90.

Bom ano a todos.



O trem

Realidade é muito triste
Mas é no subúrbio sujismundo
O submundo que persiste o crime
Pegar o trem é arriscado
Trabalhador não tem escolha
Então enfrenta aquele trem lotado
Não se sabe quem é quem, é assim
Pode ser ladrão, ou não,
Tudo bem se for pra mim
Se for polícia fique esperto Zé
Pois a lei da cobertura pra ele
Te socar se quiser
O cheiro é mal de ponta a ponta
Mas assim mesmo normalmente
O que predomina é a maconha
E aos milhares de todos os tipos
De manhã, na neurose, como
Pode ter um dia lindo
Portas abertas mesmo correndo
Lotado até o teto sempre está
Meu irmão vai vendo
Não dá pra agüentar, sim
É o trem que é assim, já estive, eu sei, já estive
Muita atenção, essa é a verdade
Subúrbio pra morrer, vou dizer é mole

Subúrbio pra morrer, vou dizer (é mole)
E agora se liga, você pode crer (é pra gravar, tá ?)
Todo cuidado não basta, porque (é só um toque)
Subúrbio pra morrer, vou dizer (é mole)
Confira de perto, é bom conhecer (é mole)
E agora se liga, você pode crer (é pra gravar, tá ?)
Todo cuidado não basta, porque (é só um toque)
Subúrbio pra morrer, vou dizer ...

Todos os dias mesma gente
É sempre andando, viajando,
Surfando, mais à mais não teme
Vários malucos, movimento quente
Vários moleques pra vender,
Vem comprar, é aqui que vende
Quem diz que é surfista, é
Então fica de pé, boto mó fé, assim que é
Se cair vai pro saco
Me lembro de um irmão, troço chato
Subia, descia por sobre o trem, sorria
Vinha da Barra Funda há 2 anos todo dia
Em cima do trem com os manos
Surfistas, assim chamados são popularmente
Se levantou e encostou naquele fio,
Tomou um choque
Mas tão forte que nem sentiu, foi as nuvens
Tá um Deus, mano Biro sabe
Subúrbio pra morrer, vou dizer é mole

... E eu peço a Oxalá e então,
sempre vai nos guardar
Dai-nos forças pra lutar, sei que vai precisar
No trem, meu bom, é assim, é o que é
Então centenas vão sentados e
Milhares vão em pé
E em todas as estações, ali preste
Atenção nos PF's
O trem para o povo entra e sai
Depois disso, o trem já se vai
Mas o que é isto ? Esquisito
E várias vezes assisti
Trabalhador na porta tomando borrachadas
Marmitas amassadas, fardas, isso é lei ?
Vejam são cães, só querem humilhar toda vez
Aconteceu o ano passado em Perus
Um maluco estava na paz, sem dever
Caminhava na linha sim, à uns 100 m
Dessa estação, preste atenção, repressão
Segundo testemunhas dali, ouvi
Foi na cara dura assassinado, mas não foi divulgado
E ninguém está, não está, ninguém viu
As mortes na estrada de ferro Santos - Jundiaí
E ninguém tá nem aí, Osasco - Itapevi,
do Brás a Mogi ou Tamanduatei
É o trem que é assim, já estive, eu sei, já estive
Muita atenção, essa é a verdade
Subúrbio pra morrer, vou dizer é mole
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Metalinguagem: um post relativamente mais curto para abrir o ano.