Por volta das 10 horas da manhã de um sábado ou domingo, voltando da casa de amigos, eu caminhava rumo ao metrô tentando me concentrar em algum dos pensamentos que se atropelavam em busca da prioridade em minha cabeça.
A reflexão interna sobre qualquer assunto (quais eram eles é uma questão totalmente irrelevante hoje em dia) não foi suficiente para que eu me distraísse e não lesse uma frase pixada no muro de um casarão antigo. As letras de forma bem legíveis passavam a seguinte mensagem:
"Fulana, sinto falta dos seus peidos debaixo do cobertor."
Puta que o pariu, ele sente falta dos seus peidos, Fulana. Ele sente falta de quando você peidava e esperava ele sentir o cheiro, dando risada. Aquela risada tão sua: os músculos faciais se esticando pouco a pouco até que a curvatura da boca e as covinhas laterais não aguentassem mais e ele arrebentasse numa gargalhada que mostrava todos os seus não tão belos dentes. Aquele sorriso que passava a sensação forte de carinho, mesmo sem haver o menor contato físico. Então ele te abraçava, mostrava uma careta e tampava as narinas com os dedos polegar e indicador da mão esquerda, que enlaçava seu pescoço. As risadas se repetiam, repetiam.
Ele sentia falta dos seus peidos porque sempre que você fazia isso, Fulana, ele tinha conseguido uma coisa que poucos mortais tiveram o privilégio: dormir com você por mais uma noite. Não importava se tinha havido sexo ou não. Você e ele dormiam abraçados anatomicamente. Era como se todo o corpo alheio fosse acolchoado. A sua cabeça se encaixava perfeitamente no pequeno buraco no centro do peito dele. As pernas se cruzavam e até os pelos dele te aqueciam um pouquinho mais. A mão esquerda (novamente ela), enganchava-se em seus cachos, por trás da nuca e, num movimento de vaivém, se configurava um carinho delicioso de ser feito e de ser recebido. No meio da noite, ele apalpava (agora com a mão direita) seu peito e lembrava de outras noites tão boas que teve com você. E, nesse momento, pensava, só para ficar feliz e dormir de novo, o quão boa era a sensação de estar ali.
Do seu peido, Fulana. Do seu peido e dos xingamentos, das picuinhas, das trairagens, das ligações que foram exaustivamente aguardadas e não ocorreram, das cartas, mensagens de texto, e-mails que ele te escreveu e você, Fulana, não deu importância.
De entregar o coração a alguém que não merece, Fulana. Do esperar tanto assim de alguém.
E sozinho numa cama de casal, debaixo de cobertas cheirosas, ou talvez com outra menina, ele se deu conta do que sempre soube: sentia falta dos seus peidos. Dos seus peidos, Fulana.
Dos seus peidos e de você, da forma mais plena possível.
Da sua presença.
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Metalinguagem: ler os dois primeiros parágrafos.