Mercy Zidane: maio 2017

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Fim da cracolândia?



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quinta-feira, 11 de maio de 2017

Reflexões sobre o lateral na área


 Zagueiro na área adversária para tentar cabeçada, atacante recuando para ajudar na defesa, goleiro preocupado com o posicionamento, juiz atento ao empurra-empurra, jogadores mais baixos esperando na intermediária para puxar ou brecar contra-ataque. Se você acha que essa descrição se refere a uma cobrança futebolística de escanteio... Acertou! Só que ela está ficando cada vez mais comum também em jogadas de arremesso lateral próximas à meta adversária.

Repetida por centenas de times de vários campeonatos do mundo, a febre do lateral na área não é exatamente uma novidade. Lembro de meu pai dizendo que o lendário Djalma Santos (campeão mundial com o Brasil em 58 e 62 e craque da Primeira Academia palmeirense) era tão forte que conseguia jogar a bola na área adversária com as mãos, criando jogadas perigosas - foi até tema de crônicas de Nelson Rodrigues.

Paulo Sérgio Gralak, zagueiro do Paraná Clube e do Corinthians nos anos 90, também se destacou por arremessar a bola na área adversária com as mãos. Ele chegou até a fazer um gol de lateral devido à falha do goleiro do Umuarama.



Não sei o que diziam os comentaristas brazucas dessas épocas a respeito da prática, mas atualmente o lateral na área virou sinônimo de pragmatismo, futebol feio, jogada típica do antifutebol. Ele atestaria a preferência do técnico por tentar a sorte num lançamento fortuito em vez de trabalhar a bola no chão.

Não vejo problemas no arremesso para a área em si e acho muito simplista dizer que ele é antifutebol. Evidente que a análise não seria a mesma se a equipe a repetisse dezenas de vezes por jogo, mas convenhamos que isso é difícil de acontecer. Ponha seus preconceitos futebolísticos de molho por alguns minutos e abra sua mente aos surpreendentes pontos positivos do lateral na área, em sete argumentos:

1. E o escanteio?


Se estatísticas inúteis fossem compiladas, haveria o dado de que uns 99,9% dos times cruzam a bola para a área adversária numa cobrança de escanteio. A jogada é treinada, surgem alguns gols, mas é evidente que a maior parte delas termina em defesa do goleiro ou em cabeçada do zagueiro. Mesmo assim os jogadores e treinadores preferem insistir nela em vez de tocarem a bola para trás e seguirem tentando a construção de uma plástica jogada de toque de bola e infiltração com a pelota no chão. Por que isso acontece? Num esporte como o futebol, com tentos tão raros, é preferível jogar a bola perto da baliza mesmo correndo o risco de perder sua posse do que voltar às tentativas que se mantêm ao longo de toda uma partida (e que geralmente também não dão em nada - como quase todas as jogadas). Em outras palavras, um time pode dominar o jogo inteiro e só conseguir a chance de fazer o gol num escanteio... Portanto, essa chance pode ser decisiva. Os puristas deveriam defender que todo escanteio fosse batido rasteiro para que se construíssem novas jogadas em vez da loteria da bola na área, já que a lógica da perda da posse é a mesma.

O lateral na área não é exatamente igual ao escanteio. Há semelhanças (como o bololô de gente na área) e diferenças (como a menor velocidade da bola), que podem tornar a jogada igualmente decisiva, como veremos adiante.

2. Não há impedimento


O escanteio também não possui impedimento, mas a bola é, em geral, chutada para trás (exceção feita aos gols olímpicos). No lateral, é possível jogar a bola adiante sem se preocupar com o bandeirinha. O time que lança a bola na área pode então "empurrar defensores" para a linha de fundo apenas com o posicionamento dos atacantes (ou zagueiros que se mandaram pro ataque), caso contrário eles ficariam livres; isso cria mais espaço na entrada da área (guarde essa informação). Uma casquinha para a marca do pênalti e o gol pode acontecer.

3. A velocidade do arremesso pode dificultar a marcação


A bola vem com uma carinha de inofensiva, descrevendo sua parábola em estonteantes cinco quilômetros por hora e... Como num saque jornada nas estrelas de Bernard, o defensor se embanana em sua autoconfiança e ela sobra limpinha para o camisa nove empurrar para as redes. A pelota chega tão devagar que pode dificultar o tempo de bola da zaga, que não está acostumada a rebatê-la nessa velocidade... É tudo o que querem os oportunistas atacantes. Esses dois últimos itens levam ao quarto.

4. A segunda bola (rebote)


Se você pode empurrar a zaga adversária para a linha de fundo e a bola vem vagarosa, há a chance de que, assim que os defensores rebaterem a pelota, ela sobre nas proximidades da área. O time que treina o posicionamento para a jogada pode aproveitá-la para receber a bola em uma posição privilegiada.

5. A pressão física do futebol moderno


Dependendo de onde a cobrança de lateral for marcada, o jogador tem dificuldade de se livrar da marcação. Em casos de cobrança ofensiva, não se trata, muitas vezes, de escolher tentar a sorte lançando a bola na área; trata-se de não perdê-la mesmo lançando-a perto da linha lateral porque há vários adversários próximos que provavelmente a roubariam. Esse tipo de situação ocorre também em laterais defensivos, em que os adversários levam seus jogadores ao campo de ataque para evitar que a outra equipe saia jogando a partir da defesa.

Essa marcação implacável se intensificou nas últimas décadas com o futebol mais físico e ocasionou espaços diminutos mesmo para simples cobranças de laterais. Uma condição que provavelmente favoreceu muito o estabelecimento do lateral na área.

6. Chance de gol "direto"


Mesmo não sendo tão comum, o gol direto também pode sair devido a alguns dos motivos listados acima, como ocorreu recentemente com o Corinthians no primeiro jogo da final do Paulistão 2017.


7. É algo (cada vez menos) inesperado


O elemento surpresa é importante no futebol. Se um time treina jogadas ofensivas de lateral, levando um zagueiro à área adversária para dar uma casquinha e desestabilizar o posicionamento defensivo, a chance de dar certo aumenta. Mas mesmo se ela já estiver manjada, o cobrador pode fingir que vai cruzar na área e, na verdade, lançar a pelota para seu companheiro mais próximo que ficou desmarcado (o Palmeiras de 2016 fez isso após a polêmica do "Cucabol").

Demonização de uma tática


Dar chutão, fazer "chuveirinho", retrancar o time. Levadas ao extremo, essas táticas costumam tornar o jogo mais feio para quem gosta de futebol (por mais subjetivo que isso seja), mas, dependendo da situação de jogo, mesmo a mais técnica das equipes pode usá-las. O mesmo ocorre em situações inversas. Imagine um time em que todos os jogadores precisam dar dribles da vaca sempre que pegarem na bola... Seria uma lástima. O lateral na área é só mais uma tática que, sozinha, não é sinônimo de nada. No futebol atual ela tem aflorado por ser uma oportunidade ofensiva causada pela pressão e intensidade atuais do esporte bretão. Que seja usada com moderação e sem demonização.