André Abujamra lançou um novo álbum, no último final de semana, denominado "Mafaro" (significa "alegria" no idioma do Zimbábue).
Como fã de Os Mulheres Negras, Karnak e da própria carreira solo de André, publico aqui minhas considerações.
Mistura de ritmos, de instrumentos, de influências e participações especiais ecléticas (Luis Caldas, Zeca Baleiro e Xis). Tudo isso consta no álbum e, mesmo assim, é possível questionarmos qual é a novidade de Mafaro.
Desde o início da carreira, a marca principal de Abu é a mistura. Ele pode ter novas influências (viagem ao Zimbábue, contato com música dos balcãs e conhecimento mais profundo acerca da cultura maranhense), mas as antigas continuam, como o excesso de arranjos com metais, os coros com várias tonalidades vocais (muito comuns no Karnak) nos refrões, partes iniciais e finais das músicas, as rimas propositadamente tolas e bem humoradas, os maniqueísmos das letras (difícil/fácil, verdade/mentira, entre outros).
Quer dizer que o disco é ruim? Não, definitivamente. Pelo contrário.
Mesmo que Abujamra apenas repetisse a fórmula das misturebas, as diferentes variáveis já tornariam o álbum minimamente interessante. Em algumas músicas ele faz o de sempre, mudando alguma coisa. No entanto, não se limita a isso.
A faixa Origem, a primeira do novo trabalho, é essencialmente instrumental e mistura (desculpe a repetição da palavra) arranjos complexos em percussão e metais com riffs simples de guitarra. A letra aparece ao final da música, salpicando apenas as palavras necessárias. Em Logum Edé, o coro de vozes femininas e a delicadeza com que toca a questão da tristeza são de uma sensibilidade pouco comum.
O ponto alto de Mafaro é Duvião, em que o autor relata como enxerga as coisas quando viaja de avião. Muda o ritmo da música três vezes (moda de viola, aboio, baião) ao mesmo tempo em que reflete, de forma bem simples e ingênua, sobre questões como amor e relatividade. Chega a emocionar.
Imaginação, O amor é difícil e a faixa-título também são destaques.
A regiliosidade de Abu se faz presente em diversas canções. Não as considero em termos de conteúdo. Para mim, é como se estivesse ouvindo as recomendações religiosas em Tim Maia Racional. Entra por um ouvido e sai por outro.
Mas o que torna Mafaro diferente é a valorização instrumental de arranjos complexos misturados com melodias simples (algo que não se via desde os tempos de Karnak) e a sensibilidade ingênua de Abujamra. O olhar virgem que relata o óbvio apalpando com o coração.
Ouça o disco clicando aqui.
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Metalinguagem: pensei em falar sobre as letras de Abu politicamente, mas creio que isso não é necessário. Religioso, acredita na bondade do ser humano e em certos castigos divinos. Não compactuo em nada com sua visão, mas o admiro muito musicalmente e, de uma certa forma, poeticamente (existe essa palavra?).