O ronco geralmente é algo cômico.
Em mesas de bar, quando as pessoas se enganam achando que encontraram um jeito de se divertir, é comum as amigas contarem que os caras terminam o sexo e já começam a roncar em seus ouvidos. Na sequência da competição por atenção da roda, os amigos lembram de colegas que roncaram em apresentações de seminários ou em uma sala de aula silenciosa.
A minha história de ronco é mais normal, nada cômica.
Passei o sábado em casa. A televisão ligada desde às 9 da manhã, influenciando os assuntos sobre os quais meu pai e minha avó conversavam, enquanto eu permanecia quieto, quase sempre. Falta de privacidade. Eles sempre me chamando para ver a novidade quente e vazia da televisão. Não me mexia. Hora do almoço. Meu pai compra um litro de cachaça, bebe em casa. Assassina não apenas alguns neurônios que resistiram ao vômito dos raios catódicos, mas boa parte do longo sábado, pois após o almoço, puxa o sono, jogando uma pá de tempo em cima de umas três ou quatro horas, essas do fim da tarde. Sem beber, minha vó segue o mesmo rumo. A fome, brevemente, acordaria os estômagos de todos, fazendo com que o império televisivo voltasse a reinar.
Então, após mais algumas horas, o vagoroso dia se aproximava do final. Minha vó foi dormir no quarto e meu pai, na sala. Abaixei o volume da televisão, aproveitei o silêncio. Fiz coisas tão úteis que não me lembro de nenhuma delas agora.
Meu pai acordou e, quase sonâmbulo, foi para o nosso quarto dormir. Depois de alguns minutos também fui. Deitei a cabeça no travesseiro. Quando eu quase pegava no sono... o ronco.
O ronco da cachaça, do sábado inútil, do domingo igual, da segunda massante.
O ronco da falta de perspectiva
Que mata meus parentes
E não me deixa dormir.