Mercy Zidane: 2015

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Temos que falar mais sobre abuso sexual



Carol Almeida é uma grande amiga minha. A gente se conheceu em Bauru, cursando a faculdade de jornalismo. Há mais de dez anos conversamos quase que diariamente sobre variadíssimas coisas (de futebol a relacionamentos, de política a piadas, de trabalho a seriados). Eu comentei com ela sobre a ideia de postar textos de outras pessoas neste blog, complementando com desenhos meus, e ela, depois de alguns dias, escreveu esse relato extremamente corajoso e perguntou se eu gostaria de publicar. Para falar sobre um tema delicadíssimo como esse, que ocorre com tantas meninas diariamente no Brasil e no mundo, nada melhor que uma mulher. O que fiz foi tentar apenas introduzir o leitor ao texto com uma charge que condensa um pouco do argumento da autora (clique na imagem para ver em alta resolução) ~ Alberto Suzano.


Temos que falar mais sobre abuso sexual

Por Carol Almeida

Há algum tempo, diversos movimentos nas redes sociais têm me feito pensar bastante sobre ser mulher. Eu pensei muito antes de escrever e mais ainda antes de publicar esse texto, mas os relatos me fizeram conversar mais sobre o assunto. Descobri que falar abertamente sobre abusos sexuais, seja com o psicólogo, com amigos ou até com desconhecidos, faz uma diferença brutal na forma como eu enxergo e lido com o problema. E é por isso que decidi falar aqui sobre #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto, porque #chegadesilêncio.

O primeiro abuso que sofri foi de um primo, adolescente. Eu devia ter uns 6 ou 7 anos, ele me colocava no colo e me usava para se masturbar. Foram várias vezes, e em uma delas cheguei a sentir esperma na minha calcinha. Eu não entendia o que aquilo significava e não sabia o que estava acontecendo. Tinha uma vaga ideia de que era errado, já que era sempre escondido, mas era confuso, estranho. Não contei para ninguém e durante muito tempo eu não consegui explicar o porquê de não falar. Não conseguia explicitar se era vergonha, medo dos julgamentos ou simplesmente porque acreditava que não valia a pena ser falado. Simplesmente não contei.

Até que falei com uma prima, que também era abusada. E quando chegou aos ouvidos da família, o que eu ouvi foi: "se você não contou antes é porque você gostava". Essa é a única frase que me lembro da conversa. Eu posso ter ouvido uma explicação sobre o que era aquilo, posso ter sido alertada de que não estava certo, de que ele não deveria ter abusado... Mas eu só me lembro dessa frase: “se você não contou, é porque estava gostando”. E assim eu cresci, sempre com essa frase martelando na minha cabeça e mostrando que eu é que estava errada por ter “deixado” e “gostado”.

O abusador não teve uma frase martelando na cabeça dele. Eu tenho que vê-lo em todas as festas de família e responder pra todo mundo “porque é que eu tenho tanta implicância com ele”. A primeira vez que expliquei o real motivo foi para algumas primas e todas elas me disseram que isso é normal, que elas também sofreram abusos e que eu tinha que “deixar pra lá”, “não guardar mágoas”. E eu acreditei que eu tinha mesmo que esquecer. Se acontecia com todo mundo, por que só eu não superei? Por que é que elas conseguiam falar sobre (e fazer) sexo naturalmente e eu não? Alguma coisa estava errada comigo.

E foi assim que também “deixei pra lá” o segundo abuso, aos 12 anos, de um dentista. Ele passou as mãos nos meus seios enquanto eu estava imobilizada na cadeira do consultório dele. Não contei pra ninguém, porque o certo era deixar pra lá, esquecer e fingir que não aconteceu.

Acontece que esses abusos não me “deixaram pra lá”. Eu cresci aprendendo que sexo é errado. Que se eu não contei para ninguém é porque eu tinha gostado, e era errado eu gostar. Mas nunca aprendi que era errado o que eles fizeram, nunca aprendi que tinha sido uma vítima. O que era errado era eu não ter contado, eu ter deixado, eu ter gostado. Isso foi me acompanhando durante toda a vida, atrapalhando minha sexualidade, influenciando nos meus relacionamentos, me fazendo se sentir culpada por tudo. Eu só poderia fazer sexo com “um namorado”, alguém que me amasse e quisesse casar comigo, porque só assim eu estaria fazendo o certo, finalmente.

Depois de muito tempo carregando a culpa de ter “gostado” do abuso, o próprio abusador perguntou por que é que eu não gostava dele. E quando, reunindo muita coragem, eu disse que é porque ele abusava de mim, ele falou que “nunca faria isso”, que isso era “coisa da minha cabeça” e que ele achava que eu tinha ciúmes por ele “não ter ficado comigo” quando eu era adolescente.

E foi só aí, mais de uma década depois dos abusos, que eu vi que tem alguma coisa muito errada com o mundo, e não comigo. Enquanto eu me sentia culpada, com medo, com vergonha ou sei lá como definir o sentimento, o cara que abusou de mim não lembra, não tem nenhum peso na consciência e ainda acredita que eu tinha ficado “chateada” por ciúmes.

Eu aprendi a questionar e depois de algumas sessões de terapia e muitas conversas consegui entender que o que me calava era a culpa. Mesmo entendendo racionalmente que eu era uma criança e não tinha consciência do que acontecia, nós nos sentimos culpadas porque estão nos ensinando errado. Ao invés de ensinar a eles que eles não podem abusar, nos ensinam que não podemos estimular. Ao invés de ensinar a eles que eles nos devem respeito e nosso corpo é só nosso, nos ensinam a não sair de roupa curta, que não podemos gostar de sexo senão somos putas, que não podemos sair sozinhas à noite. No fim, eles não sabem o mal que fazem a nós, simplesmente porque nos calamos.

Quando eu li as hashtags #PrimeiroAssédio, #ChegadeSilêncio, #Primaveradasmulheres e #AgoraÉQueSãoElas eu descobri que não sou só eu. Que todas (ou quase todas) as mulheres do mundo passaram por situações parecidas, e a maioria por situações muito mais graves do que as que eu passei. É claro que cada mulher consegue lidar com isso de uma forma diferente. Algumas até esquecem, outras não entendem, muitas não pensam sobre isso. Mas todas elas se calam.

Verbalizar o que eu sinto me ajudou a entender muito mais o que foi o abuso e como isso influenciou minha vida até agora. As consequências não foram poucas e eu ainda sofro com elas diariamente. Cada atitude que tomo eu tento não ser influenciada por uma culpa que não é minha.  Estou aprendendo muito e a cada dia e a cada relato aprendo um pouco mais. Chorei quando a Jout Jout fez esse vídeo e falou todas as verdades que eu queria gritar para o mundo, me identifiquei com cada sentimento que a Flávia Tavares colocou no texto dela... Não é fácil escrever esse texto e é muito difícil publicá-lo, mas tenho certeza que isso não pode continuar acontecendo com outras pessoas.

Recentemente, falei sobre os abusos que sofri em algumas conversas. É uma experiência interessante ver a cara de susto dos homens e o olhar de entendimento das mulheres. A resposta padrão dos homens é “esses caras são bandidos e deveriam ser presos”, e o meu ponto é que se quase todas as mulheres que conheço sofreram abusos, muitos homens da minha convivência também abusaram. Faltariam cadeias para colocar todos os abusadores, e é um absurdo que as pessoas ainda não saibam disso.

É por isso que precisamos de mais relatos, mais textos, mais gritos. Todo o barulho que fizermos vai ser pouco para que os abusos não sejam encarados como algo “normal” pelas mulheres e para que as consequências deles sejam percebidas pelos homens. Hoje, eu me sinto inferior e desigual. Eu olho no espelho mil vezes e penso se é melhor sair de casa com um shorts curto ou evitar ouvir comentários sobre meu corpo na rua, mas o cara que abusou de mim não tem que fazer essa reflexão. Eu tenho medo de sair na rua sozinha de madrugada e fico pensando em mil formas de me livrar de um estupro caso aconteça, mas o dentista ainda sai normalmente, a hora que quiser, sem pensar nessa possibilidade.

Então, me junto ao coro da Jout Jout: VAMOS FAZER UM ESCÂNDALO. Vamos gritar, fazer um escarcéu e mostrar para todo mundo que assédios não são normais. De nenhum tipo. O corpo é nosso, a vida é nossa e nenhum homem tem o direito de invadir o nosso espaço e nos agredir. Homens, simplesmente parem de achar que assédio é “elogio”. Mães e pais, mostrem pras suas filhas que elas têm o poder sobre o corpo delas e não podem aceitar abusos, e ensinem aos seus filhos que eles não podem abusar. E mulheres, gritem mais.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Monstro Motivacional #1



Quebrando gelo de outubro, em que não postei quase nada, segue o primeiro desenho de uma série que eu nem sei se vou continuar.

Mais um desenho (como esse aqui) que foi adaptado de uma ideia de Lais.

Para ver em tamanho grande, clique no desenho. Para ver outras coisas do tipo, clique aqui.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Jogar videogame é só uma diversão alienada?



As horas gastas em frente a uma tela de TV, de computador ou de celular para jogar um game geralmente são tidas como "perdidas", por mais divertidas que tenham sido desde a infância. Mesmo alcançando relativa (e progressiva) popularidade desde os anos 80, os videogames ainda não detêm a nobreza dos filmes ou dos livros como forma de obtenção de entretenimento e conhecimento de modo impessoal (e geralmente, mas nem sempre, solitário). Faz sentido que os jogos eletrônicos sejam tidos como mera diversão alienada?

Diferentes exercícios

Se você abre um livro de literatura, por mais mal escrito que seja (a partir da subjetividade de cada um - lembremos que gosto é relativo), seu cérebro vai formar imagens mentais e extrair conceitos a partir da narrativa - é um exercício. Ao assistir a um filme, esse  tipo de exercício não ocorre, pois as imagens já são dadas - o que não exclui que haja absorção de informação por meio de símbolos visuais, o que pode provocar reações e emoções diferentes do que ocorre quando se tem o contato com a palavra escrita (lembrando que imagem e palavra não estão em oposição, como diria Giovanni Sartori em Homo Videns). E, claro, tanto no livro quanto no filme, o conteúdo que é expresso pelas narrativas pode ser apreendido para imediata ou posterior reflexão.

Num jogo de videogame qualquer, ao menos um jogador está "eletronicamente inserido" na tela. Você não pode simplesmente ficar inerte (até pode, mas não vai ter graça) - é preciso interagir, mesmo que seja para rebater a bolinha para o outro lado, como no clássico Pong. Para além das informações visuais que também ocorrem em filmes, há aí um exercício cognitivo - a sua ação cerebral faz mover os dedos das mãos de certa forma para que ocorra reação dentro da tela. Há, inclusive, alguns estudos que dizem que jogar videogame ativa certas áreas do cérebro.

Características do videogame

Com o avanço tecnológico e de programação dos jogos que se deu com o passar das décadas, começou a ser possível criar mais do que apenas operações simples e repetitivas a partir do controle de enormes amontoados de pixels em jogos curtos - abriu-se um caminho para armazenamento de mais arquivos e para que histórias pudessem ser contadas, dando mais características cinematográficas aos games. Exemplo famoso é um dos vários jogos da série Metal Gear, que tem uma cutscene (espécie de pequeno filme dentro do jogo, para dar liga à história) com nada menos que 40 minutos. Até os jogos de futebol atuais como Fifa e PES possuem modos de jogo com cutscenes sobre bastidores das partidas em modos como o "carreira".

Também foi possível o desenvolvimento de vários gêneros (luta, aventura, plataforma, esporte, simulação, RPG, tiro, exploração, educativo, etc.) e de inovações em jogabilidade (que é a experiência do jogador com o jogo), não apenas em roteiro. Tudo isso sem contar a interação local e virtual entre pessoas que os jogos eletrônicos proporcionam e os desdobramentos disso, como encontros, brigas, trabalho em equipe, etc.

Exemplos

Games de mundo aberto, como GTA, possibilitaram a exploração de um grande mapa com vários elementos interativos sem a necessidade de seguir as missões oficiais que os próprios criadores do game indicam - o jogador pode encarnar CJ em GTA San Andreas e ficar simplesmente comprando casas, adquirindo carrões e, claro, tacando o terror em Los Santos. Outro exemplo é Minecraft, o jogo em que se pode criar tudo a partir de blocos - desde reproduções de monumentos que existem na vida real até "jogos dentro do jogo", que podem variar em termos de complexidade. Mais um estilo, o point-and-click também mostra outra experiência: o jogador não precisa fazer movimentos rápidos com botões ou controlar o caminho do personagem, basta escolher as decisões a serem tomadas - é um meio de participar da história de forma bem mais interativa do que no antigo programa da Globo Você Decide.

Mesmo com os pontos citados logo acima, é bem provável que a maioria dos jogos já lançados em todo o mundo até hoje tenha histórias de "sequestro de princesas" em que "o escolhido" precisa enfrentar milhares de desafios sem sentido para restaurar a paz e a harmonia na sociedade - ou seja, nada mais que desculpas para a porradaria comer solta. Tirando o fato de que mesmo esses jogos podem ser divertidos e, como vimos, exercitarem a mente, do mesmo modo como a tecnologia evoluiu, as ferramentas de criação também estão se tornando mais democráticas. Disso resultam os jogos indies (ou independentes) que não são feitos necessariamente com preocupações de agradar ao "público geral" com fórmulas nada inovadoras para vender milhões; justamente por não terem essas amarras (alguns são até financiados coletivamente), eles podem levar a experiências reflexivas.

The Stanley Parable é um game que te põe na pele de um trabalhador de escritório que passa por um dia diferente no trabalho, já que os demais colegas não apareceram para a labuta. Parece bobo, não é? Mas o jogo consegue questionar o trabalho alienado, as vazias conquistas que uma vida "comum" proporcionam e até te desafia a não reproduzir essa lógica.

A questão não é a plataforma, é a criação

Ninguém, atualmente, vai jogar um game mainstream e aprender profundamente história ou geografia, mas já existem jogos que usam reconstruções históricas (claro, sempre a partir de certa visão de mundo) como pano de fundo para a narrativa principal, como Valiant Hearts, que retrata eventos da Primeira Guerra Mundial; há jogos como Kerball, que explicam noções de física a partir da construção de foguetes; e outros como The Wolf Among Us em que é possível refletir sobre a moralidade das ações e as noções de justiça.

"Então está tudo uma maravilha no mundo dos jogos"? Longe disso. Faltam visões e representações que não sejam europeias, estadounidenses e japonesas (até gamers brasileiros fazem jogos em inglês para facilitar a aceitação); faltam games "de esquerda", apesar de haver muitos jogos que criticam o modo como a sociedade funciona hoje; há enorme machismo contra gamers mulheres; existe ainda a hipersexualização das figuras femininas; e uma série de outros problemas, mas tudo isso está muito mais ligado a quem pensa os jogos, não às plataformas em si.

Videogames não são perda de tempo, assim como TV não é sinônimo de porcaria e livros não são iguais a conhecimento. As plataformas não têm vida própria, elas precisam de sentido e quem dá o sentido é quem cria o conteúdo. A grande indústria domina a produção (em que, apesar de tudo, há coisas bem boas), mas abre-se cada vez mais caminho para jogos independentes, que podem ousar mais e explorar esse ainda novo universo, mesmo que em pequenos passos.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Rubel e o "colocar a alma na música"

Num dia qualquer deste ano, depois de ouvir algum disco no YouTube, os algoritmos da plataforma me deram a sugestão da audição posterior: o álbum Pearl, do músico Rubel.

Alguns meses depois, enquanto eu saía do show do mesmo Rubel no Sesc Pompeia, numa terça-feira pós-feriado com muita chuva em São Paulo, fiquei pensando no que aquele disco que encarei de maneira tão desconfiada (pelo nome em inglês e pela indicação mais impessoal possível, pois foi feita por um algoritmo) tinha de diferente do que existe por aí.

Quem ouve as sete músicas de Pearl percebe a voz marcante do compositor; as melodias "aconchegantes" executadas por violões, banjo e acordeom; os coros que fazem lembrar músicas de Chico Buarque; os arranjos simples que exaltam a beleza das canções; a influência do folk; a preocupação com as letras (todas em português, diga-se) e a poesia cotidiana que elas contêm, versando sobre momentos "agridoces" da vida (a tristeza por trás da beleza, a melancolia do amor).

Apesar de muito bem executado pelo músico carioca e por seus parceiros, nada disso é realmente novo. Onde estaria então o tal diferencial que fez com que eu e outras tantas pessoas soubéssemos de cor as letras do show do Sesc Pompeia?

O pulo do gato de Rubel é um clichê tão grande quanto difícil de alcançar: é o tal "colocar a alma na música".

Desafio você, caro(a) leitor(a), a ouvir "Quando bate aquela saudade" e ficar indiferente, sem lembrar de um amor arrebatador que trazia saudades e prazeres; ou a ouvir "Ben" e não pensar nos conselhos que um pai dá para um filho enquanto a "vida corre demais"; ou a ouvir "Quadro verde" e não refletir sobre como queremos esquecer de nós mesmos quando finalmente encontramos um amor.

Rubel, com todas as qualidades citadas três parágrafos atrás, cria o clima perfeito para narrar, com uma devastadora sinceridade, a profundidade de momentos pequenos e bonitos que estão na vida de muita gente. E isso é extremamente difícil de ser feito - basta pensarmos na grande quantidade de músicas de amor que ouvimos a cada dia e que soam como mera encheção de linguiça para emplacar um novo hit radiofônico.

Para aceitar meu desafio, basta clicar aqui e ouvir online ou baixar gratuitamente o disco Pearl.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Contato humano

Ideia da charge e muitos toques sobre o desenho vieram da querida Lais. Para mais charges, clique aqui.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Valdivia, um retrato do Palmeiras no século XXI (até o momento)



A partir de hoje, dia 18 de agosto de 2015, o meio-campista chileno Jorge Valdivia não é mais funcionário do Palmeiras. O cara que mais vestiu a 10 do Verdão no século XXI (apesar de ter participado de apenas 44% dos jogos entre 2010 e 2015) está livre para ganhar uma fortuna nas Arábias, levando na bagagem muita grana, poucas recordações positivas, várias polêmicas e incontáveis horas usando o chinelinho no departamento médico.

Como o time está em boa fase (aliás, eu previ isso aqui rs), é fácil se despedir do Mago que já nos deu tantas esperanças frustradas sem qualquer tristeza no coração. Mas, apesar de tudo, Valdivia não foi só mais um jogador que passou pelo Palestra. Tento dar, abaixo, uma ponderada na trajetória do Mago pelo Brasil a partir de algumas constatações que tive após pensar um pouco sobre o assunto.

O auge do boêmio, no futebol moderno, é antes dos 25


Valdivia chegou desconhecido ao Palmeiras em 2006, em meio à péssima campanha no Brasileiro, e pouco jogou. No ano seguinte, com a reformulação no elenco, tornou-se o camisa 10 de Caio Junior e, após uma atuação impecável num 3x0 contra o Corinthians, caiu nas graças da torcida. Virou referência técnica e principal jogador do time, que por pouco não se classificou para a Libertadores. Foi campeão do Paulista de 2008, sendo a estrela de um elenco qualificado (apesar de o chileno ter demorado a engrenar), marcando um gol na semi contra o São Paulo e outro na final contra a Ponte Preta. Meses depois, o Mago foi vendido para um clube dos Emirados Árabes depois de marcar dois gols contra o Ipatinga, fora de casa, pelo Brasileiro. Valdivia contava 23 anos.

Se bem me lembro, Vanderlei Luxemburgo, técnico do Palmeiras na época, disse em uma entrevista após a venda que Valdivia iria "estourar", mas não no sentido técnico - o corpo do chileno não aguentaria a sequência de noites tão agitadas. Luxa achou que o melhor era vender logo o jogador antes que as contusões aparecessem.

A realidade com a segunda passagem do Mago, que se iniciou no meio de 2010, durou cinco anos e teve uma quantidade absurda de lesões, mostra que o "pofexô" estava certo. Ao passar dos 25, o metabolismo de Valdivia começou a ficar mais lento e sua musculatura se tornou mais propensa às contusões, principalmente por ser regada a álcool regularmente, como o próprio jogador confirmou em entrevistas recentes.

Talvez se Valdivia tivesse nascido algumas décadas atrás, quando a intensidade das partidas era bem menor, seu corpo não seria tão exigido no campo de jogo - estaria então livre para desfilar seu talento sem restrições físicas. Como não foi o caso, o Mago, da mesma forma que Adriano Imperador e Walter (também com indiscutíveis habilidades), decaiu miseravelmente antes dos 30 anos. Como o desempenho do chileno na Copa América mostrou, com um pouco mais de comprometimento e muitos copos a menos de cerveja, ele teria sido muito, muito maior para o Palmeiras e para o futebol.

Sempre titular absoluto: qualidade e carência de jogadores


Valdivia é um jogador chato de marcar, provocador e polêmico, portanto, a imprensa sempre viu em sua figura um prato cheio para grande audiência. É discutível se o chileno é um craque, mas tem inegável técnica. Se no começo o Mago era firulento e tinha muita velocidade, podendo atuar como segundo atacante, o tempo foi lhe dando, além do aprimoramento dos dribles de corpo, que sempre executou tão bem, os lançamentos em profundidade.

Levando em conta o nível dos jogadores que atuaram no futebol brasileiro no período valdiviano, o Mago sempre figurou entre os melhores do país, muito por causa da massiva exportação de "pé-de-obra" para a Europa. Também conta a fragilidade dos elencos do Palmeiras, o que sempre fez de Valdivia um titular incontestável, mesmo com as constantes fisgadas na coxa. Nenhum dos meias contratados para fazer sombra a Valdivia conseguiu perturbar a tranquilidade do chileno - e foram vários, como Lincoln, Mendieta, Daniel Carvalho, Felipe Menezes, Bruno Cesar e até Cleiton Xavier.

Grandes jogos contra times pequenos e ausências em partidas importantes


Na primeira passagem, Valdivia brilhou contra Corinthians (fez o gol do chororô) e São Paulo (gol na semifinal do Paulista) e fez um ótimo Brasileiro de 2007. Depois que voltou ao clube, graças ao populista Luiz Gonzaga Belluzzo (que também trouxe Gladiador e Felipão sem qualificar o elenco), não me lembro de partidas incríveis do chileno quando o bicho realmente pegou. Teve alguns lampejos, como na semi da Copa do Brasil de 2012, contra o Grêmio, e até na primeira final contra o Coritiba, mas passou longe de "comer a bola". De ótimos jogos do Mago, tenho na lembrança um 4x2 contra o Avaí, em 2010; um 2x1 ante o Mirassol, em 2011; um 2x0 contra o Goiás, em 2014; e o derradeiro jogo do Brasileiro de 2014, contra o Atlético-PR.

Ele deixou os palmeirenses na mão na semi do Paulista de 2011, quando se contundiu ao dar o chute no vácuo, contra o Corinthians; não jogou a partida mais importante da Copa do Brasil de 2012, quando o Palmeiras venceu o Grêmio por 2x0 no Olímpico; ficou de fora da finalíssima do mesmo torneio por ter sido irresponsavelmente expulso - o que poderia ter custado o título ao time de Felipão; não participou da reta final que determinou o segundo rebaixamento, devido a uma lesão no joelho; na semi do Paulista de 2013, contra o Santos, também não esteve em campo.

Ele salvou o Palmeiras do rebaixamento


Não considero heroico o ato de Valdivia ter ficado para disputar a Série B de 2013 - com a bolinha que estava jogando ao fim de 2012, não conseguiria se transferir mantendo seu grande salário para nenhum outro clube. Mas os lampejos do camisa 10 foram decisivos para o Palmeiras escapar do rebaixamento no Brasileiro de 2014. Ele voltou da transferência frustrada para as Arábias e deu um respiro de criatividade ao meio campo do péssimo time, o que possibilitou vencer partidas contra adversários ruins - o que, até então, estava muito difícil de acontecer. O retrato da liderança técnica que Valdivia exerceu foi o jogo contra o Atlético-PR, no Allianz Parque, em que, totalmente sem condições de jogo devido a uma lesão na coxa, o Mago foi o melhor em campo e resgatou muito do respeito que havia jogado fora nos últimos anos.

Apesar de tudo, ele gostava do Palmeiras


Sim, ele bebia, contundia todas as partes do corpo, tomava muitos cartões... Mas gastou sete anos da vida no Palmeiras, praticamente metade da carreira de um jogador de futebol. Ganhava uma grana absurda e era irresponsável, mas duvido que algum palmeirense não se emocione ao ver o Mago correndo para os braços de Felipão após marcar o gol contra o Grêmio, pela Copa do Brasil 2012, em Barueri.... Ou ao ver Valdivia subindo na arquibancada do Entulhão para comemorar com a torcida após a eliminação do maior rival nos pênaltis. Foi um desgraçado, mas era o "nosso desgraçado" e, mesmo que nem sempre, ele honrou o manto.

Valdivia é o retrato dos 15 anos de Palmeiras no século


Tudo isso que eu escrevi acima mostra que Valdivia tinha um potencial enorme que só se mostrou em períodos bem curtos. Para um jogador que deixou sete anos no Palmeiras, somando as duas passagens, foi absurdamente pouco. Edmundo e Arce, só para citar dois exemplos não tão longínquos, jogaram muito menos tempo e têm lugar garantido no coração palestrino, coisa que Valdivia não deve conseguir.

O Palmeiras, um gigante do futebol brasileiro, esteve em baixa nos últimos anos, com péssimas administrações e dois rebaixamentos. Teve seus auges justamente com os lampejos de Valdivia, em 2008 e 2012. Se o clube estivesse estruturado e montasse elencos pelo menos medianos, provável que o chileno também rendesse mais - ou talvez proporcionasse uma boa grana com uma transferência para a Europa; se Valdivia fosse mais comprometido, quem sabe os palmeirenses poderiam ter comemorado mais títulos e evitado a dor do segundo rebaixamento.

Valdivia só é Valdivia por causa do Palmeiras, e o Palmeiras teve seus alentos nesses anos duros com a ajuda do Mago. A saída do chileno fecha uma era masoquista, de sofrimentos e expectativas frustradas, e coincide com a volta do protagonismo do Verdão, brigando por todos os campeonatos.

Apesar de tudo, obrigado, Valdivia. Boa sorte e não volte mais.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O que a disputa entre "petistas comunas" e "tucanos coxinhas" encobre no cenário político atual?



Imagine se alguém previsse, em setembro de 2014, a partir do preciso método da leitura de uma borra de café na caneca, que, em agosto do ano seguinte, algumas regiões nobres de grandes cidades do Brasil ouviriam estridentes panelaços antes da exibição do programa do partido do governo na rede aberta de televisão. E mais: imagine que, a essa altura, o(a) mandatário(a) brasileiro(a) já teria feito grandes esforços para flexibilizar direitos conquistados pelos trabalhadores há décadas. Por fim, imagine que, devido à baixa aprovação do governo em pesquisas populares e à crise na Câmara, a Rede Globo defenderia, no editorial d'O Globo e em pleno icônico Jornal Nacional, a estabilidade no Planalto para o Brasil superar a crise, esfriando boatos de impeachment.

Muita gente, ao ouvir a previsão, diria  que o vidente e a borra eram apenas petistas torcendo para que o país entrasse numa terrível espiral autodestrutiva com a vitória de Aécio Neves (PSDB) -  que só poderia se encerrar a partir da renúncia do sobrinho de Tancredo, atendendo ao clamor das ruas pela volta de Lula.

Pois bem, voltemos à realidade. Como se sabe, a vencedora do pleito foi Dilma Rousseff (PT)... E mesmo assim todos os fatos descritos no primeiro parágrafo aconteceram. Seria então a borra uma tucana enrustida? Não, a polarização ferrenha entre PT e PSDB, que costuma explodir nos períodos eleitorais é que está caduca. As diferenças entre tais partidos são bem menores do que muita gente pensa.

Programa tucano


Se Aécio tivesse vencido a eleição de 2014, é provável que os direitos trabalhistas também fossem futucados - e muitos eleitores petistas bradariam o absurdo. Agora, com Dilma fazendo o trabalho sujo para "o Brasil avançar", os mesmos se calam, condescendentes. Até a Rede Globo percebeu que não compensaria forçar o desgaste no Planalto, correndo o risco de uma acentuação da crise no país, ainda mais para um governo que está seguindo à risca um programa que poderia muito bem ser chamado de tucano (vide exemplo já citado das negociações da Agenda Brasil).

Só os panelaços de gente rica é que parecem esquisitos, já que, imagino eu, esse método seja mais comum em manifestações de quem não tem o que comer. Mesmo assim, não é possível dizer que apenas os abastados estejam insatisfeitos com o governo petista - as próprias pesquisas de popularidade do governo apontam índices de rejeição que abrangem 71% da população. O problema é esse pessoal trabalhador e precarizado pensar que propostas como a do PSDB vão representar alguma solução real para a situação de suas vidas.

O "fla-flu" eleitoral entre "petistas comunas" x "tucanos coxinhas" encobre o que PSDB e PT têm em comum (alianças fortíssimas com empresários, corrupção, agenda de flexibilização de direitos) e estigmatiza perfis políticos, como se todo esquerdista fosse petista e não pudesse criticar e até odiar o partido, e como se todo eleitor tucano fosse coxinha (o que não é verdade, pois só a classe média e os ricos não possuiriam votantes suficientes para vencer ou disputar acirradamente um pleito). Uma pena os partidos realmente de esquerda não terem grande relevância no cenário político, tempo de TV e influência significativa na base de trabalhadores para alardear essas questões e propor alternativas.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Trintão



Quando fiz 29 anos, já comecei a torcer para continuar com cabelo para fazer essa piada, hehe. Agora que sou trintão, tive a infame ideia de realizá-la numa tira tosca. Clique na imagem para ver em tamanho maior.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Rotina #2 - Hora do almoço



Clique na imagem para ver em alta resolução. Para ver o Rotina #1, clique aqui.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Eduardo Cunha, o Vingador



O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, depois de não conseguir aprovar a emenda que reduzia a maioridade penal de 18 para 16 anos, fez uma baita manobra e atingiu seu perverso objetivo. Homenageio o deputado com a charge acima.

Para ver em alta resolução, basta clicar na imagem.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Verde, amarelo, preto e branco: documentário sobre o ato pró-impeachment e a participação dos negros



Eu e mais três amigos (todos de esquerda) produzimos um documentário curta metragem para a disciplina de Antropologia e Cinema, do curso de Ciências Sociais da FFLCH-USP.

Fomos à manifestação do dia 12 de abril, na av. Paulista, que pedia o impeachment da presidente Dilma Rousseff, para realizar as filmagens. O roteiro era simples: a partir de uma informação "senso comum" de que não havia negros nesse tipo de manifestação, tida como "de direita", caracterizaríamos o ato, transformando-o num personagem e, a partir disso, questionaríamos alguns presentes sobre a participação ou ausência de negros.

Posteriormente, no processo de edição, incorporamos dados da pesquisa de campo coordenada pelos professores Pablo Ortellado (USP) e Esther Solano (Unifesp). O resultado você pode conferir abaixo:



quinta-feira, 25 de junho de 2015

São Paulo e os pernilongos


Gregório Duvivier, o ator de Porta dos Fundos, atentou contra uma norma paulistana ao elogiar a cidade, em sua coluna na Folha de S. Paulo. Na semana seguinte, recebeu uma chuva de emails indignados e captou perfeitamente o que chamou de acordo telepático entre os que habitam a metrópole, sintetizada na seguinte frase: "Elogiar a cidade é trair o espírito paulistano".

Certamente que existem pessoas que não gostam de São Paulo e podem reclamar de um milhão de coisas (chuva que alaga vias, distâncias enormes, quantidade de pessoas que os vagões de metrô expelem às 18h, etc.). Mas os que não pensam muito sobre isso, quando entram numa rodinha de conversa com algum ferrenho paulistano anti-São Paulo, vêem-se obrigados acenar a cabeça com condescendência e prolongar aquele "éééééé" que só quem não quer estragar o clima amistoso enveredado pelo sentido geral da conversa sabe pronunciar. Chega a ser constrangedor dizer que São Paulo é uma cidade legal em alguns (e por que não muitos?) aspectos.

E aí você já supõe que eu sou defensor máximo da grande metrópole da América Latina e que vou babar aquele ovo para a diversidade de shows, as opções de lazer, a proximidade dos amigos (já que muita gente mora aqui), etc. Pois se enganou.

Gosto mesmo de várias coisas - de cabeça, pra além das já citadas, consigo pensar no fato de ser o olho do furacão brasileiro, de tudo acontecer por aqui (de manifestações a exposições); e de poder fazer uma das coisas que eu mais gosto na vida (ir aos jogos do Palmeiras) com certa facilidade -, mas quero falar de algo que essa cidade tem e que me deixa extremamente puto.

No fim do dia, depois de trabalhar, estudar, comer um pão de forma com queijo e tentar fazer algo para me divertir (pornografia, videogames ou até este texto que você está lendo), deito na cama e tento relaxar os músculos ao máximo, como qualquer um que vai dormir. No momento em que os pensamentos já estão mais lentos e os sonhos começam a dar lambidas no cérebro, surge aquele terrível "zzzzzzzzzzzZZZZZzzzzzzzzzZZZZZZZZZZ" soando como as trombetas do inferno e transformando todo relaxamento em tensão. Os tapas de desespero que dou acertam o vácuo ou a minha própria cara e me levanto, cabreiro, acendendo a luz à caça do meu algoz. Grito um "aparece desgraçado!" na esperança de que o inseto se materialize em um Schwarzenegger com asas, porque mesmo se ele tivesse dois metros de altura, nesses momentos de adrenalina, o verme, digo, inseto, levaria uma surra.

"Ah, isso é passageiro, coisa do tempo quente". Cara, já estamos em julho e lá em casa os malditos não somem. Chego até a duvidar quando ouço o zumbido ao longe. "Será coisa da minha cabeça"? "Tô virando um pernilongo-neurótico"? Enquanto a relativização parece fazer sentido, um deles atordoa tudo com o barulhinho do capeta e o processo de tapas no vácuo e toalhadas na parede recomeça.

Uns dias atrás, presenciei uma cena traumática. Após dormir, acordar com o zumbido e não conseguir regressar ao sono por causa do barulho, levantei, acendi a luz e observei cerca de dez pernilongos dispostos na parede em que a cabeceira da cama se encosta, digerindo meu sangue recém-chupado enquanto outros membros da tropa preparavam o ataque. Foi assustador enquanto durou - pois logo a toalha retorcida entrou em ação.

Não uso os venenosos plugs de parede, mas ouvi dizer que eles não funcionam tão bem (será que a poluição paulistana acelera a seleção natural dos bichinhos?). Já tentei hidrolato de citronela e a própria citronela, além de repelente aplicado direto na orelha... Mas o que funciona mesmo é o ventilador - só que, convenhamos, é um saco ouvir o barulho das hélices de madrugada e acordar resfriado por uma queda acidental da coberta.

O alento é que meus algozes podem me proporcionar a saída do sedentarismo, pois a solução mais indicada parece ser a muito bem recomendada raquete elétrica - o "tênis de pernilongos" será uma atividade física noturna muito prazerosa. Já até sonho com os voleios e backhands.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Autodesconhecimento


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quarta-feira, 10 de junho de 2015

Seis motivos para que Oswaldo de Oliveira não fosse demitido do Palmeiras



O técnico Vanderlei Luxemburgo, o Luxa, pivô de tantas polêmicas e trambiques (apesar de vitorioso no passado), é muito conhecido por valorizar o "projeto" futebolístico de um clube. Trata-se de uma coisa aparentemente racional: iniciar um trabalho no começo da temporada, pinçar as contratações necessárias, estabelecer previamente as possibilidades do time nos certames a serem disputados e, acima de tudo, não demitir o técnico depois de duas ou três derrotas seguidas - o que é sempre o mais fácil a se fazer por parte da diretoria para dar uma resposta à torcida e "arejar" o ambiente. Os três primeiros atos costumam ser, sem dúvidas, mais cumpridos que o último.

Por dois motivos o "projeto" de Luxa virou piada: o primeiro é o linguajar peculiar do treinador, que transformou a palavra em "pojétu"; o segundo é o fato de que, de 2005 pra cá, Luxa passou exatamente por dez clubes - ou seja, em nenhum deles os "pojetinhus" foram levados adiante.

Oswaldo de Oliveira, o popular OO, ex-auxiliar de Luxa, foi a última vítima da mal falada "cultura do futebol brasileiro" que seu mestre, com razão, amaldiçoa. O agora ex-técnico do Palmeiras tinha 1000% de confiança do diretor de futebol Alexandre Mattos quatro dias antes da demissão - um empate com o Inter, em casa, e uma derrota para o Figueirense, fora, fizeram o "extrapolante" saldo ficar negativo.

Considero que a demissão foi um erro e vou elencar os motivos nos tópicos abaixo, mas antes, algumas ponderações: com cinco meses de trabalho, o time já deveria sim estar mais equilibrado - a defesa apresentou enormes buracos nas partidas contra Atlético-MG e Joinville, e o ataque foi ridículo contra Goiás, ASA e Figueirense, trocando bolas de forma inócua, sem nenhuma vontade de fazer gol; e, apesar de ser uma medida simples e populista, às vezes a troca de treinador funciona quando o clube dá sorte. Agora sim, vamos à lista:

1. Oswaldo fez o time jogar o melhor futebol desde 2009

Muricy, Antônio Carlos Zago, Felipão, Kleina e Dorival. De 2009 pra cá, com a exceção de Gareca (que tinha um time terrível), o Palmeiras só teve técnicos retranqueiros, que fechavam a casinha, esperavam por um escanteio ou por uma falta lateral para meterem bola na área. Oswaldo decidiu que o time proporia o jogo, manteria a posse de bola e tentaria triangulações, tabelas, viradas de jogo. Ele fez o Palmeiras jogar para frente, resgatando, mesmo que só um pouco, o DNA da Academia. "Ah, mas ele tinha jogadores para isso" alguns podem dizer. Sim, o elenco é bem melhor do que nos anos anteriores, mas muitos técnicos disponíveis no mercado não teriam o mesmo ímpeto de OO para se lançarem ao ataque.

2. Oswaldo venceu os três clássicos regionais em apenas cinco meses

No início do ano, o Palmeiras estava com o estigma de time que não ganha clássicos - em toda a temporada de 2014, o time venceu apenas um clássico regional (contra o São Paulo, no Paulista) e o jejum contra o Corinthians datava de 2011. Apesar da derrota no Allianz Parque ante o maior rival no primeiro clássico de 2015, o Palmeiras fez uma excelente partida contra o São Paulo, venceu com propriedade o Santos no primeiro jogo da final e eliminou o Corinthians do Paulista em Itaquera, além de vencer no Entulhão novamente pelo Brasileiro. Essas vitórias foram muito importantes para resgatar o respeito frente aos adversários e o orgulho da torcida. Para se ter uma ideia, o Palmeiras, até Oswaldo assumir, era a equipe grande com pior desempenho em clássicos regionais na década: sete vitórias em 35 jogos.

3. Em pouco mais de um ano, Palmeiras terá contratado cinco técnicos

A média de tempo de trabalho de um técnico no Palmeiras é de 2,6 meses no último 1 ano e 1 mês. Claro, há de se ponderar que, na luta contra o rebaixamento na temporada passada, as demissões de Kleina e Gareca foram necessárias e que Dorival foi só um tapa-buraco. Mas qual treinador consegue conhecer o elenco, ver suas qualidades e defeitos, implementar esquemas de jogo e ganhar a confiança dos jogadores em períodos tão curtos? A diretoria pode contratar os melhores técnicos do Brasil que não vai adiantar nada. Fulano começa o trabalho, indica jogadores para o elenco de acordo com seu esquema tático preferido e, após uma sequência de tropeços e oscilações na qualidade do futebol, é demitido. O segundo já chega para apagar incêndio e precisa transformar tudo da água para o vinho tendo como base o trabalho do sucessor, já que é impossível alterar radicalmente as estruturas no meio da temporada. Isso vira uma muleta da diretoria, que mesmo esfacelando o projeto inicial, afirma que "tentou mudar".

4. Destaques do elenco foram indicados por Oswaldo

Gareca indicou vários jogadores argentinos em 2014 e quatro foram contratados: Mouche, Cristaldo, Allione e Tobio. No time atual, nenhum deles é titular (e mesmo se Mouche e Allione estivessem com 100% das condições físicas, provavelmente não estariam nos 11 iniciais). Já com Oswaldo, a história é diferente: das 22 contratações do Palmeiras para a temporada, cinco foram indicações do ex-treinador: Lucas, Gabriel, Rafael Marques, Arouca e Fellype Gabriel. Os três primeiros têm se destacado, enquanto Arouca ainda não chegou ao auge de sua performance e Fellype ainda recupera a forma física. Ou seja, mesmo querendo montar uma filial do Botafogo de 2013, OO acertou nas indicações até o momento.

5. Oswaldo mexia no time quando alguém ia mal

Leandro Pereira começou o ano como titular, mas Churry Cristaldo entrava no segundo tempo e marcava gols sempre. Oswaldo então colocou o argentino nos 11 iniciais até ele se machucar e deixar Banana pegar a vaga no final do Paulista. Quando Churry recuperou a vaga, mas deixou de ser efetivo (partidas contra ASA e Goiás), OO o sacou do time e lançou mão do esquema de três atacantes sem referência (jogos contra Corinthians e Inter). Zé Roberto foi péssimo na parte defensiva contra Atlético-MG e Joinville - Oswaldo promoveu Egídio e botou o veterano no meio. Eu tocaria minha corneta caso Zé fosse titular contra o Fluminense, mas ele já tinha colocado o jogador no banco em outras oportunidades e acho que percebeu a falta de efetividade do jogador como meia nas últimas partidas.

6. Se o time está em formação, por que exigir resultados imediatos?

O time de 2014, para muitos, foi o pior da história. Em 2015, tudo parecia ser diferente até que o Brasileirão começou e a equipe, tida como uma das favoritas, apresentou falhas. Elas se davam principalmente no setor criativo quando Valdivia não estava inspirado ou não podia jogar e quando o adversário armava um ferrolho. De qualquer modo, o mantra do "time em formação" vinha sendo entoado por comissão técnica e diretoria desde o começo do ano, afinal, 22 jogadores haviam sido contratados. Como pode o cara responsável por efetivar essas mudanças simplesmente ser demitido se o time ainda está se moldando e sendo testado contra adversários mais difíceis no início do Brasileirão? A diretoria realmente acha que o time está em formação? Porque não é possível afirmar isso e exigir uma campanha de título nacional após seis rodadas do maior certame do país com tantas alterações em tão pouco tempo. Se o próximo técnico não conseguir um título ou tropeçar na disputa pela Libertadores recomeçamos do zero novamente?

Sei que a percepção de uma partida de futebol é algo bem subjetivo e muitos podem contrapor todos os meus argumentos tendo assistido aos mesmos jogos que eu. Há outros fatores que não levei muito em conta, como a experiência de OO (não dá pra se referenciar só no passado), a chegada à final do Paulista (nível muito baixo) e os títulos por ele conquistados (a maioria foi no Japão). Fiquei chateado com a demissão, mas sei que, com um pouco de sorte, é sim possível que o novo comandante dê certo, seja ele Marcelo Oliveira ou Cuca. O próprio Luxa, citado no início do texto, teve seu primeiro "pojétu" em time grande após entrar no lugar de Otacílio Gonçalves, no meio da campanha do Palmeiras que culminou no título Paulista de 1993 (e que depois abriria caminho para mais um Paulista e dois Brasileiros). O problema é a diretoria, que se diz diferente, continuar mandando embora um técnico atrás do outro.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

O futebol não é da Fifa



Não se sabe o motivo, mas quando o pé de uma criança ataca uma bola (de couro, sintética, de meia ou de qualquer outro material) pela primeira vez, em muitíssimos casos, tem início uma paixão que se estende até o fim da vida. Ela se desenvolve com o bate-bola na rua com os amigos, com o amor incondicional a um clube e com a aflição nos domingos em frente à televisão. A coisa é forte no Brasil, mas o mesmo ocorre na Itália, na Argentina, na África do Sul e em muitos outros países: são 270 milhões de praticantes em todo o mundo, segundo dados estimados por uma certa Fédération Internationale de Football Association (Fifa – Federação Internacional de Futebol, em tradução livre), que será citada adiante.

Mas quem inventou esse esporte tão simples e apaixonante? Há quem diga que foram os ingleses, em meados do século XIX, mas existem teorias de que o “foot-ball” é derivado de práticas chinesas bem mais antigas, datadas de 3000 aC. Convenhamos, é pouco provável que, em aproximadamente 200 mil anos de existência da raça humana, a brincadeira de chutar um objeto esférico tenha se dado pela primeira vez há cerca de cem primaveras. As regras como as conhecemos hoje podem ter sido criadas pelos britânicos, mas a coisa difícil de explicar, a compulsão em chutar uma bola, essa já estava aí no mundão faz tempo. É um patrimônio da humanidade.

As regras inglesas fizeram o “futebol formal” explodir e superar o críquete e a corrida de cavalos no gosto popular, no início do século XX. Em 1904, na França, alguns cartolas perceberam o potencial do futebol como negócio e fundaram a tal Fifa. Os objetivos seriam organizar competições e expandir o esporte; na prática, a criação da entidade foi a tentativa mais bem sucedida de sequestrar um bem popular. Se a bola não era de ninguém, a Fifa a colocaria debaixo do braço para se proclamar a dona do esporte.

Surgiram então as melhores cartadas da Fifa: os campeonatos mundiais. A corrupção comeu solta desde o primeiro deles, no Uruguai, em 1930 – isso nem o ridículo filme oficial da Fifa, que retrata dirigentes da entidade como heróis do futebol  (produzido com US$ 27 milhões da própria entidade) consegue esconder. A popularidade do esporte impulsionou a federação que, principalmente depois da eleição do brasileiro João Havelange como presidente, em 1974, cresceu na mesma medida em que seus esquemas de lavagem de dinheiro, de manipulação de resultados e de venda de votos para escolha de localidades de campeonatos.

Hoje a Fifa é sinônimo de um dos eventos mais rentáveis do mundo (Copa do Mundo Fifa); de um dos jogos de vídeo game mais populares do planeta (Fifa Soccer); e de muita, muita corrupção. Com milhões de dólares na conta, patrocinadores mais poderosos do mundo e o controle de eventos com os melhores jogadores do planeta, quem poderia ir contra a autointitulada dona da bola? O jornalista inglês Andrew Jennings foi ...  E ao longo de praticamente quatro décadas ele tentou desmascarar as falcatruas da Fifa com investigações profundas, publicadas na imprensa e em livros. Tudo o que o britânico tanto alardeou finalmente veio à tona na última semana.

Pelo menos sete dirigentes da organização foram presos em Zurique, na Suíça, antes do início do congresso da Fifa, acusados de participação em um gigantesco esquema de corrupção no futebol. Os valores desviados chegam a US$ 150 milhões, mas tudo leva a crer que essa é apenas a ponta do iceberg. Bilhões de dólares e terríveis consequências (como as mortes por trabalho escravo no Catar, sede do mundial de 2022) estão na base dessa estrutura.

Entre os presos está José Maria Marin, um típico “filhote da ditadura”, (filiado à Arena na ditadura militar e acusado de perseguir o jornalista Vladimir Herzog, posteriormente assassinado). Ele era o presidente da Confederação Brasileira de Futebol no ano passado, quando ocorreu a superfaturada Copa do Mundo no Brasil, que também está sendo investigada. Entre as proezas de Marin estão o roubo descarado de uma medalha durante uma premiação de futebol júnior e o batismo da nova sede milionária da CBF com o próprio nome – prontamente removido quando a prisão do cartola ocorreu.

A Fifa e seus dirigentes, depois de décadas com a bola debaixo do braço e enriquecendo com o futebol moderno (transformado cada vez mais em produto televisivo absurdamente lucrativo), começaram a perceber que não podem tudo. A bola não é deles, muito menos o futebol. Ninguém precisa de organizações corruptas cheias de executivos que nunca chutaram uma bola na vida para realizar campeonatos. Precisamos é de crianças que joguem futebol com um objetivo simples: a diversão. Enquanto essa paixão existir, o futebol resistirá, apesar da Fifa.
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Metalinguagem: texto escrito na semana da prisão de dirigentes da Fifa para o Esquerda Diário.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Encarando clichês como uma mamma italiana



No meio dos anos 90, a internet nascia de verdade aqui no Brasil e, antes que a década acabasse, algumas empresas lançaram serviços gratuitos de postagem de conteúdo para pessoas "comuns", que ainda aprendiam a navegar em sites e mandar emails (basicamente, as duas fantásticas coisas que a rede mundial de computadores proporcionava - e com internet discada). Surgiam o blog e, posteriormente, o fotolog (um blog com mais ênfase em fotos).

E como nessa época o cara que inventou a primeira rede social ainda estava jogando despreocupadamente o seu Fifa 95, as pessoas usavam essas duas ferramentas para fazer o que é hábito hoje em dia no Facebook, no Instagram e em outras redes do tipo: chorar as pitangas, comemoras as alegrias, expressar os pensamentos mais recônditos, tirar uma selfie (que não se chamava selfie) com a nova câmera de pouquíssimos megapixels... Brotava da rede não só o blog pessoal, mas um inconsciente conceito de uso da internet que focava justamente na falta de foco.

Este humilde blog que você está lendo agora foi concebido mais ou menos uma década depois (2006). Já existia o hoje descontinuado Orkut, mas o espírito "blog pessoal" ainda não tinha sido varrido da internet brasileira pelas facilidades das redes sociais vindouras. O Mercy Zidane ainda sofria um pouco dessa pressão e, apesar de ter sido criado por duas cabeças, não tinha foco algum; só que também não apresentava um conteúdo tão pessoal a ponto de ser desinteressante para o leitor que não conhecesse os autores (com exceções de alguns posts, claro, e de alguns usuários que podem ter odiado os textos ao longo dos anos).

O blog seguiu com idas e vindas, altos e baixos, mas a falta de foco, esse princípio basilar do Mercy, manteve-se firme e forte, enquanto amigos blogueiros esqueciam a senha de suas contas no Blogger e no Wordpress e outros criavam páginas especializadas em determinados assuntos, deixando as aleatoriedades para Orkut e Facebook. Após o maior hiato da página (entre 2012 e 2013), percebi como escrever e criar neste espaço me fazia bem e resolvi retomá-lo com certa regularidade. Só que algo me incomodava.

Minha vó Rosa, quando prepara o almoço que só uma mamma italiana como ela sabe fazer, pergunta insistentemente à visita se o gosto lhe apetece. É um misto de orgulho e desejo de melhorar (com uma pitada de carência).

No Mercy, por mais que os posts sempre tenham sido feitos com muita dedicação e carinho, faltava dar aquela ajeitada na toalha, juntar os garfos e as facas da mesma marca, esconder o copo de requeijão, trazer a cadeira confortável para a visita e, sem dúvida, explicar para ela quais eram as variedades dentro das panelas. Deixando de lado por poucos caracteres as metáforas toscas, faltava um design legal e funcional e um jeito de explicar quais eram os assuntos e tipos de postagens predominantes no meio desse mar de falta de foco (olha outra metáfora aí hehe).

O centro desse novo layout seria um desenho feito por mim e que tentasse mostrar os diversos assuntos e tipos de abordagens da página. Quem veio à mente? Sim, Dona Rosa, a mamma italiana. Uma caricatura de minha vó gritando com a camisa do Palmeiras estamparia a capa do blog. Mas quando o esboço já estava feito, lembrei de uma entrevista do Mauricio Pereira em que ele dizia que "é preciso se livrar da piada para fazer poesia" ou algo do tipo. Certamente que isso depende da pessoa, mas percebi que mesmo que o desenho ficasse legal, ele não expressaria o que é a página - ela pode ter algumas coisas engraçadas, mas não é de comédia.

Finalmente, os clichês

Então pensei um pouco sobre todas essas coisas que já falei aí em cima e meti um desenho de mim mesmo nessa pose meio pensador, meio Marjane Satrapi; com a chuva que aparece em anime japonês quando a coisa não vai bem para o protagonista, uma bola de futebol debaixo do pé, um violão sombreado na mão, um rádio palestrino e uma câmera comunista mais escondidos. Eu reconheci essas coisas, as emoções que elas me proporcionam e que eu tento passar por aqui. Mesmo que sejam deliberadamente ou resvalem em clichês, encarei-as e tentei expressá-las, de peito aberto, nesses desenhos que acabaram formando o novo layout. Véio, é de coração.

Depois, fiquei meses para aprender a fazer as coisas que eu queria no html da página e, com muito esforço, consegui. Agora o usuário pode seguir as redes sociais, compartilhar os posts, assinar newsletter, ler e comentar as postagens mais facilmente e ter muitas informações sobre a página que antes eram inacessíveis.

Por fim e relembrando o espírito de quando não havia redes sociais, obrigado à minha amiga Carol que me ouviu tanto falar dessa bendita página nos últimos meses e deu ótimas dicas, à Vanessa, que captou a mensagem do desenho e me fez acreditar mais nele e à Lais, que deu toques fantásticos para que tudo saísse mais ou menos do jeito que eu estava pensando.

Feito o discurso de vitória de Oscar, espero que este post abra caminho para uma nova fase do Mercy Zidane: a da velha falta de foco, mas com a cozinha arrumada.

Boa leitura.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Dilma fez a vaca tossir

Na campanha eleitoral do ano passado, Dilma Roussef, do Partido dos Trabalhadores (PT) prometeu em campanha que não mexeria nos direitos trabalhistas. "Isso (direitos) eu não mudo nem que a vaca tussa". Sua equipe de marketing inclusive usou uma vaquinha como ícone de propaganda depois que a frase foi proferida pela presidenta.

Mas apenas alguns meses após a reeleição, Dilma já fez a vaca tossir. Trecho de artigo do site Palavra Operária explica rapidamente a profundidade dos cortes trabalhistas implementados pelo governo por meio de medidas provisórias:

"Com as medidas provisórias, direitos básicos como auxílio-doença, pensão por morte, abono salarial, seguro-desemprego (o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, inclusive está dizendo que “seguro-desemprego está fora de moda”) e seguro pescador ficam praticamente excluídos para os trabalhadores mais jovens e mais precários, que ocupam a parcela de empregados que mais cresceu na década petista, o trabalho rotativo. E mais, no caso de acidente de trabalho (que no Brasil estão em torno de 750 mil por ano, apenas os registrados em Comunicado de Acidente de Trabalho [CAT]) ou doença por decorrência do trabalho, entregam a avaliação médica para o algoz. Ou seja, tiram do INSS a avaliação médica que permitiria afastamento segurado e coloca na mão da própria empresa a decisão. A empresa te mutila e depois te fará pagar".

A charge que fiz é para "homenagear" esse absurdo. Veja a íntegra do artigo citado, que mostra como formar um contraponto a esses ataques, aqui.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Um emocionante centenada e as perspectivas para 2015

Quando falamos que algo foi "emocionante", na maioria das vezes, queremos dizer que a situação mexeu com a gente, mas teve um final feliz (Aquele filme foi emocionante). Já quando a coisa não é lá muito positiva, costumamos ser mais diretos (É, foi um negócio triste).

Tá, pode ser que eu esteja exagerando, mas intenção dessa analogia é afirmar: 2014, o ano do centenário do Palmeiras, foi emocionante. E isso não aconteceu "apesar dos pesares"; na verdade, foi "por causa" deles.

Começamos 2014 com um time estruturado, que ganhou a série B do ano anterior facilmente, mantivemos o treinador (Gilson Kleina) e os principais jogadores (Prass, Henrique, Wesley, Valdivia, Leandro e Kardec). A diretoria contratou alguns reforços (que vinham em baixa) para compor elenco e apostou em dois nomes mais famosos (Bruno César e Lúcio), apesar de estarem longe do auge de suas carreiras. Tudo levava a crer que o time seguiria a cartilha dos gigantes que caíram para a segundona e voltaram disputando títulos mais modestos e beliscando vaga para a Libertadores.

O zagueiro Henrique (posteriormente convocado para a seleção nacional na Copa do Mundo) foi vendido ao Napoli devido a um entrevero com o presidente Paulo Nobre por causa de salários atrasados. Os adversários da primeira fase do Paulistinha não fizeram com o que o palmeirense sentisse falta do cabeludo. Aos 36 anos, Lúcio enganava a todos com maestria contra os frágeis ataques interioranos.

No campeonato regional, íamos bem. Alan Kardec continuava metendo um gol atrás do outro. O Palmeiras venceu o São Paulo com propriedade, empatou com o Corinthians e perdeu do Santos em jogos equilibrados. Credenciava-se ao título do regional, disputando o favoritismo com a equipe da baixada.

Eis que a zica dos anos anteriores começou a mostrar sua cara. Na semifinal, contra o modesto Ituano, em um Pacaembu lotado, Fernando Prass se machucou no intervalo do jogo (que era difícil, trucando e estava empatado sem gols). Como se não bastasse, Alan Kardec e Valdivia também se lesionaram e precisaram ser substituídos. O time perdeu a segurança na defesa e as principais armas de ataque. Lançou-se à frente de forma desorganizada e tomou os previstos contra-ataques; num deles: gol do Ituano. O título mais palpável se esvaía em uma noite que terminou com bisonha cabeçada de cocuruto (e de olhos fechados) de Vinícius, com o gol aberto - um realista resumo do jogo, para corvo nenhum botar defeito.

Alan Kardec e o início do Brasileiro

Mas tudo bem, afinal, um azar gigantesco às vezes acontece e não se pode fazer nada, certo? Foi o que pensou Paulo Nobre e boa parte da torcida. E podia realmente ter sido só isso se não acontecesse o maior erro da gestão do corredor de rali até então: a perda de Alan Kardec para o rival São Paulo.

Eu escrevi sobre isso numa postagem da época porque o episódio doeu muito. Não apenas perdemos o nosso centroavante artilheiro e melhor jogador do time, mas ele saiu para o São Paulo, no ano do centenário e, dizem, por uma diferença de R$ 5 mil de salário (na elite profissional do futebol, isso é considerado pouco, mas não podemos naturalizar). A autoestima do palmeirense, que deveria estar alta num ano tão especial, foi pisoteada. Sem contar que o time desmoronou após a saída de uma das principais referências técnicas.

No Brasileiro, Kardec deu ao time a vitória no primeiro jogo (contra o Criciúma, fora de casa), mas nos confrontos seguintes, já sem o centroavante, duas derrotas (Fluminense e Flamengo) deixaram a torcida cabreira. E então veio uma sofrível apresentação contra o Sampaio Corrêa, no Maranhão, pela Copa do Brasil. Em dois ataques, a defesa do Palmeiras (que mais parecia a de algum time de várzea) tomou dois gols em cinco minutos. E podia ter tomado mais se não fosse ótima atuação do goleiro Fábio.

Quando acabou o jogo e desliguei a televisão pensei: "Kleina está perdidinho". Como haveria a pausa para a Copa do Mundo em algumas rodadas, Nobre raciocinou como eu e decidiu demiti-lo para tentar o início de um novo projeto enquanto as seleções se enfrentavam em terras brasileiras. Julgo a demissão de Kleina acertada, apesar de ele ter motivos para reclamar da perda de peças importantes sem reposição necessária. Mesmo com o planejamento esfacelado, ele não conseguiu convencer que era um técnico dos grandes nem na Série B. Como não havia muitas opções baratas no mercado no início do ano, acabamos ficando com Kleina, pois daria continuidade ao trabalho. Não deu certo.

Alberto Valentim assumiu interinamente e mostrou serviço ante adversários frágeis (o que aliviou os que já temiam o rebaixamento): triunfos contra Vitória, Goiás (com ótima atuação de Valdivia) e Figueirense. O nome do auxiliar foi até ventilado para ganhar o cargo, mas um gringo já estava pintando no pedaço: Ricardo Gareca.

A era Gareca

O "empolgou" original: Nobre pensou que o time do Brasileiro era bom

Após a saída de Kardec, parecia que o Palmeiras repetiria mais um ano fazendo um campeonato mediano. Se o time do início do Paulista dava mostras de que poderia disputar vaga na Liberta, o que sobrou dele na pausa para a Copa não dava essa esperança. Até que "El Tigre" Ricardo Gareca foi anunciado como novo comandante técnico alviverde. Treinador vitorioso na Argentina, o cabeludo levou o Vélez Sarsfield a conquistas importantes e chegou mostrando toda a sua simpatia para imprensa e torcida.

A escolha, novamente, soava como certa, assim como  a manutenção de Kleina no início do ano e sua demissão após péssimos resultados. Apesar de não estar ambientado ao futebol brasileiro, Gareca teria tempo para conhecer o elenco e contaria com peças de sua confiança (Paulo Nobre prometeu contratar gringos, que realmente vieram). O fundamental, no fim das contas, é que ele conhecia muito de futebol.

Infelizmente, as coisas não eram tão simples. Sim, ele sabia treinar um time e queria fazer o Palmeiras jogar para frente, mas sequer conhecia o próprio elenco (que era bem fraco) e, pior do que isso, não fazia ideia de como os times adversários jogavam. Os reforços (Tobio, Mouche, Allione e Cristaldo), que chegaram após o período de treinos da inter-temporada, também precisavam se adaptar ao futebol brasileiro. Resultado: o que começou com a euforia do "Empolgou", acabou com o sofrimento de sete jogos sem vitória no Brasileiro e o flerte com a zona de rebaixamento. Em todos os confrontos contra times grandes até o fim do primeiro turno, o Palmeiras havia tido apenas um resultado que não o de derrota: empate contra o Grêmio na nona rodada, ainda com Valentim. Após vitória suada contra o Coritiba, veio novo revés ante o Internacional, no Pacaembu. Eu esperaria mais uma rodada para ver se o argentino se daria bem contra o fraco Criciúma em casa. Nobre não teve essa paciência. Gareca demitido, Palmeiras perto do rebaixamento e quatro jogadores argentinos que não sabiam nem onde fica a avenida Paulista.

Calvário com apoio da torcida 

O ataque era inoperante: Leandro vivia péssima fase; Diogo só foi fazer seu primeiro e único gol no segundo turno do Brasileiro; Henrique, que balançava as redes com frequência, também perdia muitos tentos e era péssimo tecnicamente; Mouche só ciscava para a esquerda e tentava arremate ruim; Cristaldo era apenas garra - muito pouco para uma camisa nove que já foi de Evair. E o pior: Valdivia, o cérebro ofensivo do time, tinha ficado fora devido a uma negociação frustrada com equipe dos Emirados Árabes. Dependíamos de Felipe Menezes, de Bernardo, do gordinho Bruno César ou até mesmo de Wesley (que errava passes de dois metros) para armar jogadas ofensivas. Resultado: a frágil defesa não aguentava um time que só perdia bolas na frente e nunca fazia gols. Uma hora tomava um, aí se desorganizava e tomava outros - ainda mais com as péssimas atuações de Fábio, que substituía o lesionado Fernando Prass.

Com a chegada de Dorival Jr e o retorno do Mago, a realidade já era a de escapar do rebaixamento. Dorival fez o certo e botou o time atrás. Tentou jogar por uma bola fora de casa e deu confiança a Valdivia, honrando-lhe a braçadeira de capitão. Paramos de perder tanto e voltamos a triunfar contra times piores que o nosso.

Quando as coisas pareciam melhorar, veio o desastre de Goiânia. Acachapantes 6x0 sofridos ante o Goiás, com falhas por todos os lados e uma nova humilhação histórica. A fragilidade do time ficou ainda mais evidente. Mas foi justamente aí que alguns detalhes fizeram diferença. A torcida organizada, que depredou o Pacaembu e fez com que perdêssemos mandos importantes em 2012 (ou seja, jogou mais água dentro da canoa furada que era aquele time) apoiou muito a equipe, apesar de fazer críticas ao presidente e ao gerente de futebol Brunoro. O mesmo se deu com o restante dos palmeirenses, que não abandonou o time e lotou o municipal em todas as partidas. E foi daí que surgiu a força para o Palmeiras conquistar resultados que, no fim das contas, nos livraram do rebaixamento: triunfos contra Vitória, Chapecoense, Botafogo e Grêmio (talvez um dos poucos momentos de êxtase no ano); e empates contra Cruzeiro e Corinthians.

Restavam seis rodadas. Palmeiras já estava eliminado da Copa do Brasil (duas derrotas frente ao Atlético-MG) e, com o triunfo contra o Bahia, em Salvador, os jogadores já davam entrevistas falando que era um alívio ter livrado o gigante de nova queda. Assim como mostramos quem é o Palmeiras quando nos levamos de vencidos, somos péssimos quando achamos que já conquistamos algo (mesmo que isso seja a fuga da queda). Dos seis jogos, a equipe conseguiu perder cinco. Conquistou o único pontinho na última rodada, no novo Palestra lotado, contra um remendado Atlético-PR, que não queria mais nada no campeonato. E ainda tivemos que esperar o resultado do jogo entre Vitória e Santos para enfim respirarmos aliviados. Para nossa sorte, havia times piores que o nosso e que também não conseguiram fazer suas partes. Foi por pouco, mas nos livramos do pior.

Não caímos. Agora, segura nóis

Quando alguns amigos vinham tirar sarro dizendo que seríamos tricampeões da Série B, eu dizia: torça pra isso acontecer, porque se a gente escapar, quero ver segurar em 2015. E é isso que já está acontecendo. Paulo Nobre foi péssimo em 2014, apesar de ter feito escolhas "aceitáveis". Melhor manter o Kleina (mesmo sem ter confiança nele) após a negativa do Bielsa, ou procurar um técnico "de Série A"? Nobre preferiu a primeira opção. Até poderia dar certo, mas não deu. A negociação de Kardec foi o erro crasso que desmontou qualquer planejamento iniciado no começo do ano. Gareca foi uma aposta, mas muito arriscada para o meio do campeonato. Na situação de risco alto de rebaixamento, a diretoria, diga-se, fez muito mais que Arnaldo Tirone e Roberto Frizzo em 2012: abaixou preço dos ingressos, contratou psicólogo, fisioterapeuta para cuidar do Valdivia e não teve medo de usar o Allianz Parque na rodada final. Mesmo assim, pela grandeza do Palmeiras, foi totalmente insatisfatório, ainda mais no centenário.

Porém, é inegável que Nobre melhorou as finanças alviverdes que andavam muito capengas por causa das administrações de Belluzo e Tirone. E isso, no futebol moderno é a base para conseguir formar um time forte. Só que além de equacionar as dívidas e não atrasar salários, houve o surgimento de novas e importantes receitas: a abertura do novo Palestra e a explosão do programa de sócio-torcedor (que já é o segundo do Brasil e deve render cerca de R$ 20 milhões ao clube anualmente).

Com maior poder de fogo, O Palmeiras contratou como novo diretor de futebol o Alexandre Mattos, que montou o elenco do bicampeão nacional Cruzeiro. O perfil das contratações é distinto com relação ao ano passado: há sim muitos jogadores para compor elenco, mas que vêm de boas temporadas, como Victor Hugo, Andrei Girotto, Lucas, Leandro Pereira, entre outros. Zé Roberto, mesmo com 40 anos foi o melhor lateral-esquerdo do último Brasileiro, Gabriel foi o maior ladrão de bolas, João Paulo foi um dos líderes de assistências no Flamengo. E também teve contratações de jogadores mais famosos, como Alan Patrick, Arouca (que deve fechar até o fim de janeiro) e Dudu, que não é um Edmundo, mas seria titular em qualquer time do Brasil hoje - sem contar a questão do chapéu nos rivais, que resgatou um pouco do orgulho alviverde. Com um técnico experiente como Oswaldo de Oliveira, a saída de vários perebas e mais referências técnicas para dividir a responsabilidade com Valdivia, o Palmeiras já é, no papel, muito melhor que o time do ano passado, e mostrou nos amistosos que terá um ataque rápido e envolvente. Sim, tem chance de brigar por título - ainda mais no Paulista, com São Paulo e Corinthians na Libertadores.

Isso tudo gerou um "ciclo virtuoso": boas contratações trouxeram repercussão positiva, empolgaram o torcedor (que tem enchido o estádio mesmo em amistosos e virado sócio-torcedor) e chamaram patrocínios (Crefisa e Prevent Senior), que aumentam a possibilidade  de investimentos na equipe para voltar a ser vitoriosa.

A expectativa depois de um ano tão "emocionante", com perda de centroavante para rival, mais um 6x0 para conta, estreia no novo estádio com derrota e briga para não cair, é de que nosso coração verde continue batendo forte, mas, desse vez, por causa de alegrias.

Para fechar, monto o meu time base para a temporada 2015 (com reservas entre aspas): Fernando Prass (Aranha); Lucas (João Pedro), Tobio (Nathan), Victor Hugo (Victor Ramos) e Zé Roberto (Victor Luís); Arouca (Amaral), Gabriel (Renato) Allione (Ryder) e Valdivia (Alan Patrick); Dudu (Maikon Leite) e Cristaldo (Leandro Pereira).

VAMOS PALMEIRAS!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O Terno: muito mais que uma banda de rock qualquer

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Uns anos atrás, eu contei uma historinha sobre música: por gostar de um disco de André Abujamra, acabei conhecendo mais a fundo o Karnak; depois garimpei até achar os dois álbuns d'Os Mulheres Negras (da dupla Abu e Mauricio Pereira); e finalmente cheguei aos discos solo do Mauricio, dos quais gosto muito (ganha dos demais, inclusive). Eis que descubro mais um personagem nessa roda de compositores de canções pop com referências vanguardistas e poucos refrões: Martim Bernardes.

Conhecido como Tim, o rapaz esguio e de óculos redondos é filho de Pereira. Tem impressionante habilidade com a guitarra e, mesmo com apenas 20 e poucos anos, demonstra desenvoltura em suas composições (nas letras e nos arranjos), além de ter um timbre vocal que me agrada muito - parecido com o do pai em vários momentos, diga-se. Bem, mas vamos ao que interessa.

66: a música e o disco

Não me lembro como, chegou à tela do meu PC, em meados de 2013, o clipe abaixo, da banda O Terno, composta pelo já citado Tim (guitarras e vocal) com a companhia de Guilherme D'Almeida (baixo) e de Victor Chaves (bateria):



Mantendo o foco apenas na questão musical (deixemos a estética do clipe de lado), a canção chamou muito minha atenção. Em três minutos de um rockzinho estilo retrô, com o baixo comendo solto e uma letra cantada de um jeito apressado (com certa ansiedade), Tim expõe o dilema de todo jovem compositor de música pop: como fazer algo novo sem causar uma estranheza que afaste o público, mas que ao mesmo tempo não seja apenas uma cópia do que já existe? A criativa resposta, um "plágio diferente" nas palavras do vocalista, foi a própria metalinguagem da música, que alonga versos, traz pausas, alterações de velocidade, dispensa refrão e apresenta até uma brincadeira com a música dodecafônica no final - tudo isso mesclado com os diversos questionamentos da letra (exemplo: Então não sei o que eu devo fazer / Pois se eu não posso inovar / Eu vou cantar o que já foi e vão dizer que é nostalgia / E que esse tempo já passou e eu tô por fora do que é novo / Mas se é novo falam mal). O Terno mostrou logo de cara que não era apenas mais uma bandinha de rock com letras vazias que enchem linguiça para um som pouco inovador. Ótimo cartão de visitas.

Fiz o caminho natural e ouvi o disco de estreia dos moleques, também chamado "66", lançado em 2012. O  álbum tem mais quatro composições de Bernardes: "Morto" (que chegou a ser cantada de forma emocionante por Juçara Marçal), "Eu não preciso de ninguém" (em parceria com D'Almeida), "Enterrei vivo" e "Zé, assassino compulsivo". Pra completar o disco, há cinco músicas icônicas da carreira de Mauricio Pereira. Como o "mulher negra" precisava de uma banda para se apresentar quando "seus amigos músicos" estavam impossibilitados de o acompanhar, resolveu chamar o grupo do filho. Deu muito certo, já que os rapazes são excelentes instrumentistas, apesar da pouca idade, e fizeram ótimos arranjos mais "pegados" para os clássicos mauricianos. Dessa forma, instintivamente incorporaram tais músicas ao álbum que os mostrava ao mundo. Nada mais justo, pois a influência de Mauricio na banda vai muito além de algumas poucas músicas, como veremos adiante.

Nas canções próprias, o estilo cru e sessentista do power trio permanece. Há a alternância de riffs que ditam o tom das músicas (como em "Zé..." e "Eu não preciso de ninguém") com canções mais melódicas ("Enterrei vivo"). O grupo não apresenta muitos efeitos e instrumentos adicionais na produção, apesar de eles estarem presentes (distorções de guitarra, alguns teclados e efeitos vocais). Três das cinco canções próprias têm uma temática específica: a morte - e duas delas possuem um estilo um tanto "Maxwell's Silver Hammer" de ser: melodias bonitas e "fofinhas" com letras macabras - tal disparidade com pitada de ironia provoca risos a quem presta atenção nas histórias contadas pelo vocalista - outra característica que irá se repetir no trabalho do grupo.

Em resumo, a expectativa foi confirmada. O Terno se mostrou uma banda que foge do comum nos temas das letras (seja construindo narrativas, falando de morte com pesar e ironia ou usando metalinguagem), dá importância a elas e não tem medo de se assumir como uma banda de rock-pop em termos musicais, mas não sem brincar com isso, flertando com referências vanguardistas.

A transição "Tic Tac - Harmonium"

Com a bola cheia pelos elogios do primeiro lançamento, shows pintaram e eles apareceram mais na mídia. Logo veio o trabalho posterior, o single "Tic Tac - Harmonium", que saiu no fim de 2013, com três músicas. A primeira canção, "Tic tac", versa sobre a luta contra o tempo e tem uma pegada rock bem forte e com alguns metais marcando presença - mais uma continuação do álbum anterior do que uma ruptura. Já a faixa seguinte, "Harmonium" é uma das minhas favoritas. Trata-se de uma balada de melodia muito bonita com um baixo marcado e uma letra reflexiva sobre a morte, mas de um jeito diverso do que foi apresentado anteriormente: há questionamentos singelos, que focam na experiência única de vida de cada um e na angústia do desaparecimento disso com a morte. Essa canção já antecipava um pouco do que seria visto com mais força no segundo álbum da banda. Para fechar, uma música em inglês, sombria e com letra macabra, "Blood stains" (algo como "Manchas de sangue").

Segundo disco e o início da maturidade

Quando se pensa em uma banda brasileira (e paulistana) de rock que faz misturebas, difícil não citar Os Mutantes. E é claro que comparações vieram pra cima dos moleques d'O Terno. Sim, há sons "malucos", há melodia, há rock feito por jovens habilidosos, mas, pelo menos para mim, para por aí. Sem me alongar, digo que Os Mutantes eram mais debochados e escrachados (musicalmente e visualmente) e tinham a presença de Rita Lee, que aguçava tais características. As letras eram mais psicodélicas e "felizes" no grupo dos 60. Talvez as variações bruscas, o baixo com alterações constantes e já citadas canções melódicas (seria isso o "sessentismo"?) sejam pontos de contato em algumas das produções, mas O Terno não soa, nem de longe, como uma cópia d'Os Mutantes. O que me fez estabelecer uma comparação entre as bandas foi um aspecto do segundo disco do grupo contemporâneo, chamado apenas de "O Terno" e lançado em 2014: o início da maturidade.

Não digo maturidade sonora ou como banda. Isso Os Mutantes tinham desde cedo e O Terno também já mostra. Falo da maturidade na vida... Essa coisa de sofrer, ficar velho, perder a inocência. Nos cinco primeiros discos, sem considerar as exceções em algumas canções (como "Dia 36"), pulsava uma alegria juvenil n'Os Mutantes. Quando ela passou, foi de forma arrebatadora e banda não aguentou. N'O Terno, o segundo disco já mostra as marcas da vida no seu compositor principal. O primeiro disco não era alegre, mas tinha algo de "moleque" em tentar simplesmente meter letras macabras em canções bonitas. No segundo álbum, há canções sinceras de amor e de dor, um clichê que a banda decidiu encarar de cabeça erguida - e o fez de forma competente (como em "Eu vou ter saudades" ou "Pela metade"); há um clima mais denso em todo o álbum, algo mais introspectivo e triste, sem esquecer de belas melodias; os sons estão mais cheios (órgãos com presença muito maior e vários jogos de voz) e Tim se dedicou mais à poesia (com destaque para "O Cinza" e "Quando eu me aposentar"), deixando as brincadeiras irônicas mais de lado (apesar de estarem presentes em "Eu confesso" e "Vanguarda?"). Uma continuidade aprimorada é a das historinhas (com "Quando estamos todos dormindo" e "Desaparecido"). Enfim, é um baita disco, e é mais "velho" e mais paulistano, mesmo os meninos ainda tendo pouca intimidade com pelos na cara.

Concepção de música e o não ter medo do fracasso: as heranças d'Os Mulheres Negras

O fato de Tim ser filho de quem é fez uma diferença absurda para O Terno não ser apenas mais uma banda qualquer. Quando adolescentes montam um grupo de garagem, costumam ser meio radicais: só ouvem rock, odeiam bandas rivais dos seus ídolos, repugnam axé, pagode e tudo o que fuja do seu círculo de conhecidos ou que seja desprezado por seus iguais. Se derem sorte, vão abrir a cabeça mais tarde e perceberão o que perderam.

Para ilustrar o contrário disso, dou a palavra a Mauricio Pereira: "Profissão de fé d'Os Mulheres Negras: tudo é música boa e tudo é influência. Ponto final".

Tendo essa base em casa, Tim já pulou uma etapa que muitos nem chegam a ultrapassar ao ver por entre os frágeis gêneros que, muitas vezes de forma ilusória, dividem a música popular (sendo que há muito mais em comum do que diferenças). Só um exemplo: o moleque aprendeu a tocar música caipira com o pai (na dupla Pereirinha & Pereirão), ao mesmo tempo em que pirava nos sons de Beatles e Mutantes, imagino eu.

Outro aspecto importante que certamente veio de berço foi a aversão ao sucesso a qualquer preço. Os Mulheres Negras queriam fazer sucesso? Sim, afinal, quem não quer ser ouvido por muita gente? Mas estavam dispostos a deixar de ser o que eram (e eram uma coisa muito inovadora) para chegar a esse fim? Não. E se tivessem feito isso, seria uma perda terrível para a música pop dos 80 no Brasil - não é à toa que tanta gente boa cita Os Mulheres como influência. Os músicos independentes d'O Terno, dá pra sentir, não deixariam de fazer as brincadeiras que estão criando em nome de um sucesso sem alma.

E não há críticas?

Sim, existem críticas. Considero algumas músicas meio bobas (como "Eu tomei coca e você encheu a cara" - que não entrou em nenhum álbum), vejo-os um tanto inibidos e envergonhados no palco e não gostei do conteúdo da canção "Tribunal do Facebook" que fizeram em conjunto com o Tom Zé - a música é ótima, mas o velho compositor quis ridicularizar quem o criticou por fazer uma propaganda da Coca-Cola para a Copa do Mundo, como se o problema fosse apenas o anúncio para a marca de refrigerantes (não era - era o fato de apoiar um evento excludente e cheio de remoções, violências e etc).

Mas de forma geral, vejo O Terno como umas das melhores coisas que apareceram na música brasileira nos últimos anos. Uma banda de rock sem preconceitos musicais, com ótimos instrumentistas, que não tem medo de inovar ou de se assumir como grupo pop, além de apresentar letras reflexivas (essa, imagino, uma herança só do Mauricio) de temáticas variadas (não é só de amor) e que exigem que o ouvinte preste atenção (o que, na minha visão, valoriza a canção). Tudo isso junto, ultimamente, tem sido bem difícil de encontrar por aí, ainda mais com a qualidade que o trio paulistano oferece. Se eu fosse você, ouviria o trabalho dos guris e ficaria de olho nesses moleques.

Para quem quiser conhecer o trabalho dos caras, basta entrar no site oficial, ou nos perfis do Soundcloud ou do Youtube. Nesses lugares, você consegue ouvir todas as músicas citadas (em alguns dá até para baixá-las gratuitamente).

A charge ali de cima fui eu que fiz e foi inspirada na arte do último disco da banda, mas com uma pitada a mais de estranheza. Longa vida a'O Terno!