Encarando clichês como uma mamma italiana

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Encarando clichês como uma mamma italiana



No meio dos anos 90, a internet nascia de verdade aqui no Brasil e, antes que a década acabasse, algumas empresas lançaram serviços gratuitos de postagem de conteúdo para pessoas "comuns", que ainda aprendiam a navegar em sites e mandar emails (basicamente, as duas fantásticas coisas que a rede mundial de computadores proporcionava - e com internet discada). Surgiam o blog e, posteriormente, o fotolog (um blog com mais ênfase em fotos).

E como nessa época o cara que inventou a primeira rede social ainda estava jogando despreocupadamente o seu Fifa 95, as pessoas usavam essas duas ferramentas para fazer o que é hábito hoje em dia no Facebook, no Instagram e em outras redes do tipo: chorar as pitangas, comemoras as alegrias, expressar os pensamentos mais recônditos, tirar uma selfie (que não se chamava selfie) com a nova câmera de pouquíssimos megapixels... Brotava da rede não só o blog pessoal, mas um inconsciente conceito de uso da internet que focava justamente na falta de foco.

Este humilde blog que você está lendo agora foi concebido mais ou menos uma década depois (2006). Já existia o hoje descontinuado Orkut, mas o espírito "blog pessoal" ainda não tinha sido varrido da internet brasileira pelas facilidades das redes sociais vindouras. O Mercy Zidane ainda sofria um pouco dessa pressão e, apesar de ter sido criado por duas cabeças, não tinha foco algum; só que também não apresentava um conteúdo tão pessoal a ponto de ser desinteressante para o leitor que não conhecesse os autores (com exceções de alguns posts, claro, e de alguns usuários que podem ter odiado os textos ao longo dos anos).

O blog seguiu com idas e vindas, altos e baixos, mas a falta de foco, esse princípio basilar do Mercy, manteve-se firme e forte, enquanto amigos blogueiros esqueciam a senha de suas contas no Blogger e no Wordpress e outros criavam páginas especializadas em determinados assuntos, deixando as aleatoriedades para Orkut e Facebook. Após o maior hiato da página (entre 2012 e 2013), percebi como escrever e criar neste espaço me fazia bem e resolvi retomá-lo com certa regularidade. Só que algo me incomodava.

Minha vó Rosa, quando prepara o almoço que só uma mamma italiana como ela sabe fazer, pergunta insistentemente à visita se o gosto lhe apetece. É um misto de orgulho e desejo de melhorar (com uma pitada de carência).

No Mercy, por mais que os posts sempre tenham sido feitos com muita dedicação e carinho, faltava dar aquela ajeitada na toalha, juntar os garfos e as facas da mesma marca, esconder o copo de requeijão, trazer a cadeira confortável para a visita e, sem dúvida, explicar para ela quais eram as variedades dentro das panelas. Deixando de lado por poucos caracteres as metáforas toscas, faltava um design legal e funcional e um jeito de explicar quais eram os assuntos e tipos de postagens predominantes no meio desse mar de falta de foco (olha outra metáfora aí hehe).

O centro desse novo layout seria um desenho feito por mim e que tentasse mostrar os diversos assuntos e tipos de abordagens da página. Quem veio à mente? Sim, Dona Rosa, a mamma italiana. Uma caricatura de minha vó gritando com a camisa do Palmeiras estamparia a capa do blog. Mas quando o esboço já estava feito, lembrei de uma entrevista do Mauricio Pereira em que ele dizia que "é preciso se livrar da piada para fazer poesia" ou algo do tipo. Certamente que isso depende da pessoa, mas percebi que mesmo que o desenho ficasse legal, ele não expressaria o que é a página - ela pode ter algumas coisas engraçadas, mas não é de comédia.

Finalmente, os clichês

Então pensei um pouco sobre todas essas coisas que já falei aí em cima e meti um desenho de mim mesmo nessa pose meio pensador, meio Marjane Satrapi; com a chuva que aparece em anime japonês quando a coisa não vai bem para o protagonista, uma bola de futebol debaixo do pé, um violão sombreado na mão, um rádio palestrino e uma câmera comunista mais escondidos. Eu reconheci essas coisas, as emoções que elas me proporcionam e que eu tento passar por aqui. Mesmo que sejam deliberadamente ou resvalem em clichês, encarei-as e tentei expressá-las, de peito aberto, nesses desenhos que acabaram formando o novo layout. Véio, é de coração.

Depois, fiquei meses para aprender a fazer as coisas que eu queria no html da página e, com muito esforço, consegui. Agora o usuário pode seguir as redes sociais, compartilhar os posts, assinar newsletter, ler e comentar as postagens mais facilmente e ter muitas informações sobre a página que antes eram inacessíveis.

Por fim e relembrando o espírito de quando não havia redes sociais, obrigado à minha amiga Carol que me ouviu tanto falar dessa bendita página nos últimos meses e deu ótimas dicas, à Vanessa, que captou a mensagem do desenho e me fez acreditar mais nele e à Lais, que deu toques fantásticos para que tudo saísse mais ou menos do jeito que eu estava pensando.

Feito o discurso de vitória de Oscar, espero que este post abra caminho para uma nova fase do Mercy Zidane: a da velha falta de foco, mas com a cozinha arrumada.

Boa leitura.