Valdivia, um retrato do Palmeiras no século XXI (até o momento)

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Valdivia, um retrato do Palmeiras no século XXI (até o momento)



A partir de hoje, dia 18 de agosto de 2015, o meio-campista chileno Jorge Valdivia não é mais funcionário do Palmeiras. O cara que mais vestiu a 10 do Verdão no século XXI (apesar de ter participado de apenas 44% dos jogos entre 2010 e 2015) está livre para ganhar uma fortuna nas Arábias, levando na bagagem muita grana, poucas recordações positivas, várias polêmicas e incontáveis horas usando o chinelinho no departamento médico.

Como o time está em boa fase (aliás, eu previ isso aqui rs), é fácil se despedir do Mago que já nos deu tantas esperanças frustradas sem qualquer tristeza no coração. Mas, apesar de tudo, Valdivia não foi só mais um jogador que passou pelo Palestra. Tento dar, abaixo, uma ponderada na trajetória do Mago pelo Brasil a partir de algumas constatações que tive após pensar um pouco sobre o assunto.

O auge do boêmio, no futebol moderno, é antes dos 25


Valdivia chegou desconhecido ao Palmeiras em 2006, em meio à péssima campanha no Brasileiro, e pouco jogou. No ano seguinte, com a reformulação no elenco, tornou-se o camisa 10 de Caio Junior e, após uma atuação impecável num 3x0 contra o Corinthians, caiu nas graças da torcida. Virou referência técnica e principal jogador do time, que por pouco não se classificou para a Libertadores. Foi campeão do Paulista de 2008, sendo a estrela de um elenco qualificado (apesar de o chileno ter demorado a engrenar), marcando um gol na semi contra o São Paulo e outro na final contra a Ponte Preta. Meses depois, o Mago foi vendido para um clube dos Emirados Árabes depois de marcar dois gols contra o Ipatinga, fora de casa, pelo Brasileiro. Valdivia contava 23 anos.

Se bem me lembro, Vanderlei Luxemburgo, técnico do Palmeiras na época, disse em uma entrevista após a venda que Valdivia iria "estourar", mas não no sentido técnico - o corpo do chileno não aguentaria a sequência de noites tão agitadas. Luxa achou que o melhor era vender logo o jogador antes que as contusões aparecessem.

A realidade com a segunda passagem do Mago, que se iniciou no meio de 2010, durou cinco anos e teve uma quantidade absurda de lesões, mostra que o "pofexô" estava certo. Ao passar dos 25, o metabolismo de Valdivia começou a ficar mais lento e sua musculatura se tornou mais propensa às contusões, principalmente por ser regada a álcool regularmente, como o próprio jogador confirmou em entrevistas recentes.

Talvez se Valdivia tivesse nascido algumas décadas atrás, quando a intensidade das partidas era bem menor, seu corpo não seria tão exigido no campo de jogo - estaria então livre para desfilar seu talento sem restrições físicas. Como não foi o caso, o Mago, da mesma forma que Adriano Imperador e Walter (também com indiscutíveis habilidades), decaiu miseravelmente antes dos 30 anos. Como o desempenho do chileno na Copa América mostrou, com um pouco mais de comprometimento e muitos copos a menos de cerveja, ele teria sido muito, muito maior para o Palmeiras e para o futebol.

Sempre titular absoluto: qualidade e carência de jogadores


Valdivia é um jogador chato de marcar, provocador e polêmico, portanto, a imprensa sempre viu em sua figura um prato cheio para grande audiência. É discutível se o chileno é um craque, mas tem inegável técnica. Se no começo o Mago era firulento e tinha muita velocidade, podendo atuar como segundo atacante, o tempo foi lhe dando, além do aprimoramento dos dribles de corpo, que sempre executou tão bem, os lançamentos em profundidade.

Levando em conta o nível dos jogadores que atuaram no futebol brasileiro no período valdiviano, o Mago sempre figurou entre os melhores do país, muito por causa da massiva exportação de "pé-de-obra" para a Europa. Também conta a fragilidade dos elencos do Palmeiras, o que sempre fez de Valdivia um titular incontestável, mesmo com as constantes fisgadas na coxa. Nenhum dos meias contratados para fazer sombra a Valdivia conseguiu perturbar a tranquilidade do chileno - e foram vários, como Lincoln, Mendieta, Daniel Carvalho, Felipe Menezes, Bruno Cesar e até Cleiton Xavier.

Grandes jogos contra times pequenos e ausências em partidas importantes


Na primeira passagem, Valdivia brilhou contra Corinthians (fez o gol do chororô) e São Paulo (gol na semifinal do Paulista) e fez um ótimo Brasileiro de 2007. Depois que voltou ao clube, graças ao populista Luiz Gonzaga Belluzzo (que também trouxe Gladiador e Felipão sem qualificar o elenco), não me lembro de partidas incríveis do chileno quando o bicho realmente pegou. Teve alguns lampejos, como na semi da Copa do Brasil de 2012, contra o Grêmio, e até na primeira final contra o Coritiba, mas passou longe de "comer a bola". De ótimos jogos do Mago, tenho na lembrança um 4x2 contra o Avaí, em 2010; um 2x1 ante o Mirassol, em 2011; um 2x0 contra o Goiás, em 2014; e o derradeiro jogo do Brasileiro de 2014, contra o Atlético-PR.

Ele deixou os palmeirenses na mão na semi do Paulista de 2011, quando se contundiu ao dar o chute no vácuo, contra o Corinthians; não jogou a partida mais importante da Copa do Brasil de 2012, quando o Palmeiras venceu o Grêmio por 2x0 no Olímpico; ficou de fora da finalíssima do mesmo torneio por ter sido irresponsavelmente expulso - o que poderia ter custado o título ao time de Felipão; não participou da reta final que determinou o segundo rebaixamento, devido a uma lesão no joelho; na semi do Paulista de 2013, contra o Santos, também não esteve em campo.

Ele salvou o Palmeiras do rebaixamento


Não considero heroico o ato de Valdivia ter ficado para disputar a Série B de 2013 - com a bolinha que estava jogando ao fim de 2012, não conseguiria se transferir mantendo seu grande salário para nenhum outro clube. Mas os lampejos do camisa 10 foram decisivos para o Palmeiras escapar do rebaixamento no Brasileiro de 2014. Ele voltou da transferência frustrada para as Arábias e deu um respiro de criatividade ao meio campo do péssimo time, o que possibilitou vencer partidas contra adversários ruins - o que, até então, estava muito difícil de acontecer. O retrato da liderança técnica que Valdivia exerceu foi o jogo contra o Atlético-PR, no Allianz Parque, em que, totalmente sem condições de jogo devido a uma lesão na coxa, o Mago foi o melhor em campo e resgatou muito do respeito que havia jogado fora nos últimos anos.

Apesar de tudo, ele gostava do Palmeiras


Sim, ele bebia, contundia todas as partes do corpo, tomava muitos cartões... Mas gastou sete anos da vida no Palmeiras, praticamente metade da carreira de um jogador de futebol. Ganhava uma grana absurda e era irresponsável, mas duvido que algum palmeirense não se emocione ao ver o Mago correndo para os braços de Felipão após marcar o gol contra o Grêmio, pela Copa do Brasil 2012, em Barueri.... Ou ao ver Valdivia subindo na arquibancada do Entulhão para comemorar com a torcida após a eliminação do maior rival nos pênaltis. Foi um desgraçado, mas era o "nosso desgraçado" e, mesmo que nem sempre, ele honrou o manto.

Valdivia é o retrato dos 15 anos de Palmeiras no século


Tudo isso que eu escrevi acima mostra que Valdivia tinha um potencial enorme que só se mostrou em períodos bem curtos. Para um jogador que deixou sete anos no Palmeiras, somando as duas passagens, foi absurdamente pouco. Edmundo e Arce, só para citar dois exemplos não tão longínquos, jogaram muito menos tempo e têm lugar garantido no coração palestrino, coisa que Valdivia não deve conseguir.

O Palmeiras, um gigante do futebol brasileiro, esteve em baixa nos últimos anos, com péssimas administrações e dois rebaixamentos. Teve seus auges justamente com os lampejos de Valdivia, em 2008 e 2012. Se o clube estivesse estruturado e montasse elencos pelo menos medianos, provável que o chileno também rendesse mais - ou talvez proporcionasse uma boa grana com uma transferência para a Europa; se Valdivia fosse mais comprometido, quem sabe os palmeirenses poderiam ter comemorado mais títulos e evitado a dor do segundo rebaixamento.

Valdivia só é Valdivia por causa do Palmeiras, e o Palmeiras teve seus alentos nesses anos duros com a ajuda do Mago. A saída do chileno fecha uma era masoquista, de sofrimentos e expectativas frustradas, e coincide com a volta do protagonismo do Verdão, brigando por todos os campeonatos.

Apesar de tudo, obrigado, Valdivia. Boa sorte e não volte mais.