O óbvio ululante

domingo, 23 de julho de 2006

O óbvio ululante

Confesso que eu não conhecia o significado da expressão que dá título a este texto. Conhecia apenas o "óbio lulante", expressão usada por José Simão para ensinar, em sua coluna na Folha de S. Paulo, o idioma "lulês". Pois bem, aprendi o significado original ao ler o livro de crônicas de Nelson Rodriguês sobre futebol chamado "A Pátria em chuteiras". Nelson usa o "óbvio ululante" diversas vezes para construiir suas narrativas.

Segundo o Novo Dicionário Aurélio, "óbvio" é o que salta à vista, que está diante dos olhos, manifesto, claro, patente. "Ululante" é o que grita produzindo um som plangente; o que está a ganir, uivar. Em outras palavras, o óbio ululante é o mais óbvio dos óbvios, o mais claro dos claros, algo que é impossível de não ser percebido.

Fiz todo esse rodeio para dizer que às vezes, ou melhor, muitas das vezes nós não vemos o óbvio ululante. Cheguei a esta conclusão após saber que o candidato ao governo do Estado de São Paulo, o senador Aloizio Mercadante (PT) viria fazer campanha na minha cidade natal: Suzano.

Como sou estudante de jornalismo fui acompanhar o evento para tentar entrevistar o senador. Cheguei à rua principal da cidade e Mercadante seguia pelas ruas cumprimentando, sorrindo e abraçando as pessoas na rua. Vários políticos de relevância nacional e local pegaram carona e vieram fazer campanha junto com Mercadante. Até aí tudo normal. Promessas, pessoas reclamando, pessoas felizes, palmas, etc.

Mas no meio de toda aquela gente que acompanhava a caminhada havia duas crianças que deveriam ter entre 10 e 15 anos. Enquanto uma cheirava cola, a outra fumava. E a poucos centímetros deles estavam políticos fazendo promessas.

O óbvio ululava! Olhem que discrepância! Mas ninguém fez nada! ninguém perguntou ao senador o que poderia ser feito com aquelas crianças, nenhum jornal escreveu uma linha sequer sobre esta discrepância, nenhum fotógrafo teve a idéia de tirar uma foto de Mercadante com as crianças ao fundo.

O óbvio até doía de tanto ulular, mas talvez por esse motivo, por ser uma coisa tão clara, as pessoas acabam não enxergando. As crianças estavam invisíveis no meio da multidão. A pobreza e a desigualdade social estavam dando exemplos concretos de suas existências, mas ninguém percebia.

Gostaria de terminar este texto com uma frase da música "Palmeira do Deserto" de André Abujamra: é complicado ser simples.