Suzano Nordeste

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Suzano Nordeste

O texto abaixo foi escrito há cerca de três meses:

Acabo de assistir ao filme "Viva São João" (foto), de Andrucha Waddington, no qual o cantor e ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, apresenta (de forma bem superficial, diga-se de passagem) as raízes culturais da comemoração mais tradicional do Nordeste brasileiro: a Festa de São João. Neste texto, não irei me ater a detalhes da produção cinematográfica ou da festa em si; falarei sobre as sensações que o filme me causou.

Eu sou paulista, nascido na pouco conhecida Suzano, a 40 km da capital. Por tal proximidade com a megalópole, minha terra fica no limbo entre capital e interior, a chamada região metropolitana. Portanto, em Suzano, há carcterísticas geográficas comuns a bairros periféricos de São Paulo ao mesmo tempo em que certos hábitos comuns a cidades pequenas são praticados.

Dentre as características de cidade grande, Suzano tem um punhado de fábricas, que além de ter deixado a cidade famosa pelo mau cheiro, trouxe muita mão de obra barata. Assim como na capital, a grande maioria da massa de trabalhadores é oriunda do Nordeste.

O meu contato com os nordestinos se deu a partir da forma mais conservadora de distribuir a renda, como diria Milton Santos: a empregada doméstica que trabalha em casa há muitíssimos anos, a Josefa da Silva, conhecida como Zezé (foto), é nascida em Caruaru-PE. Ela começou a prestar serviços em minha residência após minha mãe ter cometido um ato de certa forma interiorano: Zezé tocou a campainha e ofereceu sua mão de obra. Mesmo sem conhecê-la, minha mãe aceitou. Assim, sempre de modo descontraído e detalhista, Zezé trouxe incontáveis histórias do Nordeste brasileiro para a mesa de casa. Exemplos de que me recordo agora: vezes em que foi obrigada a lavar as panelas da casa de seu pai com areia, a fuga da residência para poder se casar e o susto que tomou em sua "primeira vez" (ela não sabia o que fazer, pois não teve a mínima educação sexual).

Mas as histórias não são apenas de Caruaru. Zezé mora em Suzano há mais de 20 anos e conta muitos causos da vizinhança de uma humilde família da periferia, habitante de uma cidade que fica no limbo entre capital e interior e cujos membros trabalham em fábricas transnacionais. Com os demais habitantes da localidade, eles reivindicam asfalto, legalização das terras, participam da associação de moradores, dançam forró, jogam bola na várzea, compram móveis nas Casas Bahia e conhecem os assassinados e os assassinos das páginas policiais dos jornais locais.

Talvez por tudo isso que eu tenha sentido vontade de chorar quando assisti a uma apresentação da Banda de Pífanos de Caruaru (foto), há alguns anos, em Suzano (escrevi sobre isso - leia aqui). A cantora paulistana (mas de raízes nordestinas) Cris Aflalo também fez um show na mesma ocasião. Isso misturou meus sentimentos paulista, nordestino, suburbano, suzanense, brasileiro e até mundial (principalmente após ter apreendido alguns conceitos de classe).

"Não sou brasileiro, não sou estrangeiro. Não sou de nenhum lugar, sou de lugar nenhum", escreveu Arnaldo Antunes, na letra da música "Lugar Nenhum". Sabiamente, ele disse só ter tido capacidade de escrever tais versos por ter nascido em São Paulo, uma cidade cheia de contrastes.

É assim que sinto o Nordeste em mim. Contraditoriamente, o Nordeste que conheço tão pouco é parte fundamental da minha constuituição como pessoa. Só sou como sou por ter nascido em Suzano, na nordestina Suzano.

Esse Nordeste é meu. Esse Nordeste é Suzano também.
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Metalinguagem: assim como o anterior, esse post foi bem ruminado.