A velha, a cana e a bola

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A velha, a cana e a bola

 Em 2014, o futebol me fez muito triste por alguns dias simplesmente devido à transferência de um jogador do Palmeiras para o rival São Paulo. Como escrevi num texto, o sentimento era o de que algo grave havia acontecido, como demissão de um emprego ou briga com grandes amigos, mesmo eu jamais tendo conhecido o centroavante que hoje está ganhando rios de dinheiro na China.

Duas semanas e meia atrás, minha avó chegou ao hospital. A família se mobilizou e a situação parecia não ser grave. Eu tinha ingresso para o jogo Palmeiras x Botafogo, muito importante para o iminente título alviverde. Fui, com um sentimento estranho, como se a festa, a tensão e a empolgação não importassem tanto. A velha, antes de ir pro hospital, tentou me ligar para falar da partida. O celular não deu sinal no sábado à noite.

Ganhamos. Pensei na parmerense na cama de hospital e em seu falecido marido, meu avô, que me fez seguir essa paixão. Percebi que ele realmente estava mal de saúde em 97, quando não sabia que o Palmeiras havia disputado a final do Brasileirão contra o Vasco de Edmundo, perdendo o título com dois empates por 0x0.

Na terça seguinte, meu pai preocupado. Sentamos no bar e a cana veio. Passava um jogo da Champions League - Sporting x Real Madrid. Eu me lembro como se fosse hoje de quando vimos o fim do jejum do Palmeiras, em 93, também à tarde, noutro boteco.

"Tanta coisa ruim acontecendo... Agora o momento mais feliz do dia", disse ele, tomando a pinga com limão. Olhos marejados. "Que bom que você veio ficar um pouquinho aqui comigo."

A velha foi para a UTI. Os corações se apertavam e conselhos ruins se multiplicavam, mas ela melhorou.

Palmeiras x Chapecoense, o jogo do título. Minha mãe e minha irmã ajudando meu pai. A prima no hospital. Fui ao jogo. Tomei a cerveja que deveria pra esquecer as pancadas e abrir espaço pro alento. O gol veio cedo e confirmou o que todos sabíamos: seríamos campeões depois de 22 anos. Muita gente chorava. Eu respirava fundo. Estava acontecendo.

Começou a festa. Cerveja. Fui com Pedro até a Henrique Schaumann, atrás do trio elétrico dos jogadores chapados. Pulamos, bebemos, cantamos, vibramos até às duas da manhã de um domingo.

Os jogadores adversários daquela partida inesquecível, de repente, estão mortos, vítimas de um acidente de avião, e o título tão sonhado não tem mais graça de ser comemorado. É como se algo grave tivesse acontecido com alguém da família.

A pinga curtida no limão desceu rápido e deu sono e amnésia. Ligo e ninguém atende... Zapeio os canais de esporte enquanto a velha sofre, pensando em tudo, amarrada na cama.