Diferenças geográficas entre favelas

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Diferenças geográficas entre favelas

(Ferradura, a maior favela de Bauru: o bairro existe há 15 anos e não tem asfalto. Em Ferraz, no Alto Tietê, a Vila Ayda tem pavimentação, mas os moradores correm o risco de despejo por ocuparem uma área da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos)

Uma das experiências mais ricas que tenho como jornalista, aqui no Alto Titê, é visitar as ocupações urbanas ilegais que existem na periferia dessas cidades.

As visitas são muito rápidas, portanto, superficiais. Não me envolvo com a comunidade em questão e sequer sinto na pele seus problemas. Apenas ouço relatos e vejo manifestações. Mas com isso, é possível fazer certas comparações.

Apesar de ser garantido na constituição brasileira, o direito à moradia não existe no Brasil. Pelo contrário, é um modo de se comprovar que a nossa democracia não passa de uma grande piada. O fator econômico e a divisão extremamente desigual das propriedades empurra os pobres para reservas de mananciais ou terrenos de encostas, que também pertencem às elites locais. Sem escolha, as áreas são ocupadas. Alguns conseguem a escritura com muito sacrifício para continuarem morando em locais totalmente esquecidos pelo poder público, sem o mínimo aceitável de infraestrutura. Outros, são despejados como "invasores".

De forma empírica e com um pingo de teoria (o livro de Milton Santos, chamado Manual de Geografia Urbana), encontrei algumas diferenças entre as ocupações urbanas no interior e na região da grande São Paulo. O meu conhecimento interiorano é baseado nas visitas que eu fazia ao Ferradura, maior favela de Bauru, quando eu participava da construção de um jornal comunitário em tal bairro, além de certa noção superficial sobre outros bairros periféricos da cidade. Portanto, quando eu disser interior, entenda-se por Bauru. No Alto Tietê, como eu já disse, as visitas a regiões periféricas, como repórter, são minha base . Assim, faço três constatações, com respectivos exemplos:

-O poder público concede mais benefícios na Grande São Paulo: de maneira reformista e eleitoreira, os governos asfaltam e colocam galerias em terrenos onde há ocupações irregulares, coisa que nunca vi (nem ouvi falar) que tivesse ocorrido em Bauru. O maior acesso a recursos financeiros e menor extensão territorial das cidades do Alto Tietê podem facilitar tal trabalho. Ex: o negócio é tão interesseiro, que os políticos chegam a asfaltar ruas que sabem que serão desapropriadas, como acontece na Vila Ayda, em Ferraz;

-As associações de moradores são mais organizadas: poucos bairros de Bauru, que eu me lembre, tinham associação de moradores ativa. Aqui, poucos não têm. Talvez isso tenha ligação com o tópico acima. Como é mais fácil receber certas migalhas por estas bandas, a organização das pessoas dá mais resultados, mesmo que eles sejam ilusórios. Ex: no bairro de Palmeiras, em Suzano, a associação pediu asfalto ao prefeito, que cumpriu o prometido, pavimentando as ruas com material de péssima qualidade. Porém, como não havia nada antes, os moradores se contentaram;

-O número de "barracos" no interior é muito maior: grande parte das habitações que visitei no Alto Tietê é de alvenaria, fato pouco comum em Bauru. O subemprego na região de São Paulo é mais bem remunerado, o que permite a qualidade um pouco melhor das construções. Ex: conversando com um dos motoristas do jornal em que trabalho, quando estávamos num bairro periférico de Ferraz, ele constatou que a cor que predominava na paisagem era a laranja dos tijolos das casas recém construídas, mas sem acabamento.

A "coisa tá braba" para os dois lados, mas diferenças existem. As reivindicações da população pobre da periferia da grande São Paulo são muito específicas. As associações de moradores reivindicam direitos pontuais e as vinculações que possuem são geralmente com partidos como o PT, que dimiuíram muito a capacidade de mobilização popular nos últimos anos (como explica este belo artigo). No interior, por sua vez, o contato das pessoas pobres com partidos, sindicatos e associações é bem menor. Apesar da condição de vida ruim, algumas migalhas do governo federal (estilo Bolsa Família) fazem o papel de amansar o povo.
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Metalinguagem: não costumo escrever textos longos para não cansar o raro visitante deste blog, mas dessa vez não teve jeito.