Abaixo reproduzo texto sobre Laranja Mecânica, que escrevi pra disciplina de Ética. Se você ainda não viu o filme, não leia e vá à locadora mais próxima.
Marketing Social
Quando disse que havia alugado Laranja Mecânica, sem ter a menor idéia de que teria que escrever um texto sobre o filme duas semanas mais tarde, ouvi de meu irmão um “esse filme me dá aflição” e logo em seguida um “somehow I dont like to watch it” de meu padrasto dinamarquês. Mas ao fim de duas horas em frente à TV, pensei: “quanta frescura daqueles dois”.
Toda a violência do filme de Kubrick é bastante explícita, mas um explícito de 1971, bastante chinfrin se comparado com as dores na espinha de quem assiste Paixão de Cristo e Apocalypto, ambos de Mel Gibson. Faço o devido reconhecimento, no entanto: 36 anos atrás, Laranja Mecânica deve ter estremecido até os mais durões.
Se Alex começa o filme por cima da carne seca, gozando dos mimos da mãe, da sua vida de classe média, e, principalmente, da impunidade de seus crimes, que variam entre roubo de casas, espancamento de mendigos e estupros - tudo feito sob a segurança da ação em bando -, sua sorte muda logo após cometer um homicídio. Ele então é traído pelos amigos, preso, e submetido a experimentos com drogas (sob sua vontade, é bom lembrar) realizados pelo governo, que visam eliminar a maldade do criminoso. A finalidade dos experimentos era fazer Alex sentir terríveis náuseas quando deparado com desejos que poderiam levá-lo a praticar um crime. Bingo!
Daí pra frente, poderíamos dizer que a vida de Alex passa a ser puro sofrimento. Ele sofre rejeição da sua família, é espancado, torturado, física e psicologicamente, tudo em belas doses cavalares. Depois de chegar ao fundo do poço, quando tenta dar cabo de si próprio no intuito de pôr fim a intenso sofrimento psicológico, sua vida toma outra vez novo rumo, mas com um fim menos trágico. Um ministro do governo reconhece os erros da experiência ao qual Alex fora submetido, e lhe oferece uma parceria aparentemente vantajosa.
Se a palavra moral é definida pelo conjunto de costumes de uma sociedade, poderíamos dizer então que Alex, durante sua frase negra, fora o supra-sumo do ser amoral. Fazia apenas o básico para garantir sua sobrevivência dentro da sociedade, apresentando um comportamento minimamente aceitável apenas quando estava com a família ou com sua gang. Não reprimia quase nenhum de seus instintos, mesmo que isso significasse sofrimento a terceiros.
Talvez todos nós sejamos assim, mas em menor escala. Se entre nossos valores morais estão a honestidade e o altruísmo, valor este último bastante veiculado em projetos sociais de grandes dimensões como o Criança Esperança, seríamos então seres apenas aparentemente morais. Se nos defrontamos com um problema cuja solução não nos traga benefícios de imediato, passamos reto, olhando pra cima. Nos fazemos de bonzinhos apenas para garantir a nossa sobrevivência e bem-estar. Alguém já deu até nome para isso: Marketing Social.