Não me chame pro churrasco

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Não me chame pro churrasco

Se você, caro leitor, for "futucar" no histórico deste blog, vai perceber que o primeiro post, escrito por J. Silva, foi elaborado após a final da Copa do Mundo de 2006, no mês de julho. O nome deste blog provavelmente seria outro se Zidane não acertasse a épica e suicida cabeçada em Materazzi, mas dificilmente deixaria de expressar alguma pitada de futebol.

Oito anos depois, o blog, com seus poucos altos e muitos baixos, sobreviveu e minha paixão pelo futebol (comprove com este texto aqui) e pelo torneio que reúne os melhores jogadores do planeta não mudou, mas impossível passar por cima de tudo o que aconteceu em terras tupiniquins desde que o país foi eleito como sede e simplesmente vibrar despreocupadamente com drible de Neymar ou com um gol de Fred.

Como bem disse o jornalista Juca Kfouri no último Roda Viva, a Copa foi pensada como a coroação de um país que estava "em desenvolvimento" vertiginoso, que tirava pobres da miséria (dizendo que colocava na classe média mesmo que tivessem renda mensal de R$ 300), que possuía uma das economias mais fortes do mundo (e um dos maiores índices de desigualdade social), que aparecia na capa da The Economist como o país que decolava, etc. Seria a cereja do bolo da conciliação de classes do governo Lula - enriquecendo empreiteiras e pedindo a aprovação para os gringos ao tentar mostrar que capitalismo brasileiro funciona a ponto de sediar um megaevento internacional sem problemas.

Em 1958, o técnico da seleção na Copa, Vicente Feola, disse que Garrincha entraria jogando na partida contra a URSS e deu diversas orientações ao rapaz. Depois de ouvir tudo, o jogador perguntou: Mas você combinou isso com os russos? Foi o que faltou aos governos Lula e Dilma: eles combinaram com a FIFA, com as empreiteiras, com grandes empresas, com a imprensa, mas esqueceram de avisar pro sistema que ele não poderia expressar suas contradições. Veio a crise de 2008 (cujos impactos são sentidos até hoje) e com ela uma mudança qualitativa na conjuntura internacional - hoje em dia, é comum ver pessoas nas ruas protestando em diversos países a ponto de governos caírem. No Brasil, existe um número crescente de greves há anos (2012 bateu um recorde de 16 anos e 2013 e 2014 devem seguir nessa linha) e o aumento das passagens explodiu a insatisfação de quem viu um país desigual esquecer de suas prioridades para gastar com estádios-elefantes-brancos (o Brasil fez questão de eleger 12 sedes, sendo que só oito seriam necessárias), dar dinheiro pra uma das instituições mais corruptas do mundo, enquanto mais de 150 mil pessoas foram desalojadas de suas casas e a "nova classe média" - que na verdade é constituída por trabalhadores precarizados -, apesar de ter grana para comprar celular, não tem educação, saúde ou moradia de qualidade.

A "Copa das Covas", que bateu o recorde de gastos e de operários mortos em obras de estádios (9), pelo menos num primeiro momento, não empolga como de costume o torcedor brasileiro. Apenas ontem comecei a sentir o "clima de Copa", com muita gente de verde e amarelo e bandeiras do Brasil colocadas nos carros, coisa que, nos mundiais passados, começava com semanas ou meses de antecedência. Há poucas ruas pintadas e a decoração costuma se dar em lojas - é inegável que há no ar uma sensação de que está estranho torcer depois de tudo o que aconteceu. Até quem não liga para tudo isso e está animadíssimo com o torneio precisa contrapor o bordão dos protestos e afirmar que "vai ter Copa sim".

E se Dilma sambou tanto para tentar encontrar e colocar em sua propaganda os legados do torneio, eu acho simples apontar qual foi o único importante: os trabalhadores e jovens terem voltado a acreditar nas próprias forças. Junho de 2013 mudou o país com milhões nas ruas exigindo demandas de esquerda e conquistando a vitória parcial da manutenção das tarifas. E se em 2014, até agora, os protestos não foram massivos como os do ano passado, uma diferença qualitativa ocorre, pois os trabalhadores estão participando ativamente com suas greves que tentam passar por cima de sindicatos burocratizados (como aconteceu com os garis do Rio de Janeiro e rodoviários de Porto Alegre e São Paulo) e lutar por melhorias para toda a população, vide a greve dos metroviários de São Paulo.

E, como disse meu camarada Thiago, ao final dessa histórica greve dos metroviários: se ganhamos, mostramos que temos força (como aconteceu em 2013) e se perdemos, mostramos que, quando levantamos a cabeça, pelo menos dá jogo.

Por tudo isso, peço que não me chame pro churrasco. Não digo que não vou assistir a um ou outro jogo pela televisão, mas certamente a prioridade nesta Copa é engrossar o coro dos insatisfeitos nas ruas.