O grande detalhe

quinta-feira, 22 de maio de 2014

O grande detalhe



Quando o horário de serviço da moça que trabalha comigo acabou, ela saiu, falou tchau para todo mundo, como em todos os dias, e meteu-se porta afora para a liberdade condicional (que duraria até a hora em que abrisse os olhos após uma noite mal dormida, no dia seguinte) - com dois empregos de meio período, não sobra muito tempo para fazer algo que não seja descansar.

Ela pensava em que série de tevê baixaria na internet quando colocou a mão dentro da bolsa e só tateou a caixa de lenços umedecidos e uma blusa fininha, que corta vento. Empalideceu. Mas logo pensamentos sobre furtos deixaram sua mente: ela havia esquecido o celular no trabalho, ao lado do computador, tinha certeza.

Estava embaixo da terra. Havia pago a passagem de metrô, pego fila e passava aperto quando percebeu a falta do aparelho. Primeiro, ela xingou o azar e a própria "burrice". Depois, percebeu que tinha uma decisão rápida a tomar, e a tomou: deu meia volta, enforcando preciosos minutos (ou até horas) de seu concorrido dia.

Mesmo um narrador onisciente, como eu, tem dificuldade para saber se a decisão foi tomada devido a uma questão de vida ou morte ou por causa de uma "futilidade". E se a opção fosse a segunda, quem a condenaria? Quem não é viciado em joguinhos? Quem não olha as atualizações em curtos períodos de tempo? Quem não manda mensagens, marca encontros, faz ligações, agenda tarefas? Ninguém atirou a pedra. E se atirassem, aposto, ela não se importaria.

Percorreu todo o caminho que havia recebido seus pés ligeiros (agora ainda mais rápidos) há pouco. Quando retornou ao escritório, fez uma careta constrangida e disse que o seu dia não era dos melhores. Pegou o celular e se foi novamente, sem deixar tempo para reprovações ou compreensões dos colegas e do chefe.

O tempo, implacável, riu-se e jogou algumas pás de terra sobre a cabeça da moça. Era uma terra comum, comprada diretamente com os patrões dela. Tinha bastante, o suficiente para enterrá-la, de pouquinho em pouquinho, e junto com o celular.