Diálogo expositivo ou perda de tempo lendo um texto inútil

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Diálogo expositivo ou perda de tempo lendo um texto inútil



-Por que um diálogo?

-A ideia flui mais rápido. Há um confronto constante sobre o que é dito e é preciso achar brechas para superá-lo. De uma certa maneira, você é colocado à prova e isso faz com que o leitor tenha uma sensação de entendimento maior - não que isso ocorra em todos os diálogos, mas nesse tipo citado especificamente, é essa ideia.

-Mas pra ele de fato acontecer, não basta eu perguntar e você responder. Eu tenho que desenvolver argumentos e também refutar os seus. Ou pelo menos fingir que refuto.

-Sim. Veja, você pode conceber um texto entrevistando vinte pessoas e fazer com que ele seja, na verdade, um texto expositivo, que defende uma única ideia, vinda de diversas bocas.

-Não é tão simples. Há matizes de pensamentos, diferenças que podem ser desenvolvidas ou suplantadas quando se fala com mais gente, mas quem monta o resultado final, sem dúvida, defende uma ideia, mesmo que ela não seja tão bem definida.

-Isso.

-Refutei no início do parágrafo para concordar no final - mais uma parte da técnica de aceitação por parte do leitor, que agora está entendendo tudo e bem convencido de nosso maravilhoso argumento. Talvez só esteja com a dúvida a respeito do propósito.

-Do diálogo?

-Podemos chamar desse nome?

-Por que não?

-Sim, do diálogo. Qual o propósito?

-A ironia em si já não é um propósito? Fazer uma pessoa ler um texto inteiro em forma de diálogo entre duas pessoas que são uma só já não é um argumento válido?

-Eu acho insuficiente. A linguagem verbal permeia toda a existência da vida de uma pessoa. Destrinchar uma forma persuasiva pode, sei lá, ser didático para os leitores até.

-(Risos) Se essa fosse a intenção, eu teria escrito uma tese acadêmica. Minhas intenções, tenho certeza de que o leitor percebeu, são menos nobres. Mas para você não dizer que é apenas um texto inútil, saiba que a leitura estimula áreas da imaginação que ficam adormecidas quando você assiste a um vídeo ou vê televisão, por exemplo.

-Sim. Agora o leitor pode imaginar duas pessoas sentadas uma na frente da outra, vestidas de formas diferentes - um deles de bermuda e chinelo, com cabelo comprido e perna cruzada, apoiando a cabeça no braço direito e fumando um cigarro, e outro de terno e gravata, estilo que não se senta enquanto não é convidado a tal e que sua dentro do paletó para não perder a elegância, tendo essa conversa surreal, mesmo sabendo que ambos estão dentro numa cabeça só, como já foi dito umas duas vezes aí em cima.

-O leitor já entendeu, não só isso, como o argumento do texto. Mas preciso falar só mais uma coisa antes. Na verdade, pra fechar o assunto. A mágica da metalinguagem. Você já reparou como a metalinguagem tem um quê de espetacular? Ela está sempre um passo a frente, talvez de um jeito meio desleal (estou sendo desleal? Estamos sendo desleais?), pois desloca o eixo do assunto para um questionamento do próprio contexto que o envolve. Ao mesmo tempo, faz pensar: o que que eu tô fazendo lendo essa merda?