André Abujamra, Karnak, Os Mulheres Negras e Mauricio Pereira

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

André Abujamra, Karnak, Os Mulheres Negras e Mauricio Pereira

Não me lembro o motivo, mas baixei um disco do André Abujamra em meados 2005. Chamava-se "Infinito de Pé" e descobri que se tratava do primeiro trabalho solo do filho do conhecido ator e dramaturgo Antônio Abujamra, aquele do Provocações.

Gostei muito do álbum, de cabo a rabo. As bases continham um ritmo característico de rock/pop, mas Abujamra usou muitos sons "estranhos" que apreciei, como vocalizações e percussões "tribais" nas músicas Inifinito de Pé, O Dah Ho e Olho Azul. Senti um teor melódico muito forte em quase todas as faixas, como quando você ouve a canção e acha o som "bonito" a ponto de ficar emocionado. As letras eram um caso à parte. Sempre com constatações afirmativas (muitas vezes religiosas e até conformistas), simples e engraçadas, André versou sobre assuntos como:

Racismo, em Olho Azul - "Meu olho azul é um negro diluído. Racismo é um rio poluído";
Guerra, em O Dah Ho - "Olho por olho, dente por dente: balela. Porque o homem vai ficar cego e banguela";
Amor, em Essa Música Não Existe - "Não existe nada. Não existe tudo. A única coisa real: amor";
Deus, em Nóis Eh Sampli - "Nóis é sampli do mundo. Nóis é sampli de Deus";
Infinito, em Infinito de Pé - "O infinito de pé são dois biscoitos. O infinito de pé é o número oito".

Gostei da mistura de influências e da beleza das músicas, concordei com a maioria das letras (minha cabeça mudou muito de 2005 pra cá, principalmente sobre as questões acima - que isso fique bem claro) e com o modo bem-humorado e direto de passar as mensagens. Fiquei completamente viciado em "Inifinito de Pé". Mostrei as músicas para minha mãe, minha irmã e até para minha avó materna (que gostou das faixas calminhas). Era o disco titular do meu aposentado discman e teve grande influência sobre mim.



Pesquisando, vi que André já tinha participado de duas bandas: Os Mulheres Negras e Karnak. Baixei um disco do primeiro grupo, mas o som demasiado "anos 80", com bateria eletrônica marcada, não me agradou de cara. No entanto, os álbuns "Universo Umbigo" e "Estamos Adorando Tókio", do segundo conjunto, conquistaram-me rapidamente.

Eu me lembrava de uns dois clipes do Karnak que passavam na MTV quando eu era criança e da participação da trupe no programa de humor do João Kleber, bem no início da Rede TV!, quando as famosas pegadinhas e testes de fidelidade ainda nem eram cogitados no programa semanal. Com dez músicos, dois atores e um cachorro(!), a mistura era o que melhor poderia definir o Karnak. Canções em português, russo inglês, italiano, espanhol, ritmos rápidos, lentos, rock, baião, repentes, modas de viola, ska, dança do ventre, metais, percussão, complexas harmonizações vocais, bom humor e sensibilidade. Era mais ou menos o que eu havia encontrado no trabalho solo de André Abujamra, mas com uma intensidade bem maior (não poderia ser diferente com tantos universos de carne e osso pensantes num só grupo). Baixei todos os quatro álbuns e os ouvi intensamente. Dos três discos de estúdio, não sei dizer qual é o melhor. Novamente viciado.



Passei a caçar shows do Abu ou do Karnak em quaisquer cidades acessíveis. Foi aí que o SESC Bauru apresentou "Mauricio Pereira e Turbilhão de Ritmos", em 2006. Lembrei-me dos Mulheres Negras (que se alcunhavam ironicamente como a terceira menor big band do mundo, composta por André e Pereira) e da trilha sonora do filme Durval Discos, de Anna Muyalert (feita pela dupla), e fui. Porém, não gostei muito. O show foi bom, a voz dele era muito bonita, a presença de palco também excelente, mas o espetáculo era composto apenas por versões de músicas bregas. Minha vontade de aprofundar os conhecimentos sobre o trabalho de Mauricio ficou adormecida.

Eu soube do lançamento do segundo disco solo de Abu, "Retransformafrikando", em 2007, mas não consegui baixá-lo na net.

Continuei ouvindo Karnak e André ao longo dos anos, mas com uma intensidade cada vez menor. Eis que chega 2009 e eu finalmente consigo fazer o download de todas as músicas do segundo disco de Abujamra. O caráter religioso estava mais forte e mais conformista ainda, mas as melodias e a mistureba, dessa vez mais voltadas para o eletrônico, me conquistam de novo. Viciado pelos mesmos motivos, entrei despretensiosamente na comunidade do orkut sobre o compositor. Suponhamos que isso tenha ocorrido no dia 10. Havia um tópico na comunidade: Show de André Abujamra em Mogi das Cruzes (cidade vizinha a Suzano) no dia 11. Fui e curti muito! Foram apresentadas as músicas mais famosas da carreira de André em todas as bandas que ele teve.

Como eu estava ouvindo "Retransformafrikando" sem parar, resolvi dar mais atenção a'Os Mulheres Negras. Fiquei com raiva de mim mesmo por não ter gasto meu tempo com eles antes. A banda é uma espécie de embrião do Karnak. Como eu já disse, tem um jeitão bem anos 80 por causa da bateria eltrônica, mas já misturava músicas caipiras com rock e carregava no humor. Eles também não tinham vergonha de assumir que lidavam com música pop e tentavam reconstruir o lixo da indústria cultural, muitas vezes ironizando-a.



Daí pro Mauricio Pereira foi um pulo. Baixei os discos e me encantei com "Pra Marte", o seu trabalho mais recente, de 2007. Mauricio parace ser mais duro que Abu. Apesar da comicidade de canções como A Loira da Caravan, há faixas de extrema sensibilidade como Trovoa, Truques com Facas e Queito um Pouco. As músicas são simples: arranjos típicos de uma banda de rock com o adendo de instrumentos de sopro (tocados pelo próprio Pereira) e letras que transbordam sentimento.
Os versos são mais complexos e metafóricos do que os de Abu e Karnak. Veja alguns trechos das letras:

"Beijar-te e fazer sentido. Querer-te e me sentir feito um foguete que prosseguiu subindo pra marte", em Pra Marte; "O simples ato de cheirar-te me cheira à arte, me leva a Marte, a qualquer parte...", em Trovoa; "Difícil conter tanta coisa que eu tenho quando eu tô vazio", em Quieto um Pouco.

Considero "Pra Marte" o melhor disco que ouvi em 2009. E seguindo a mesma lógica, cavoquei os demais álbuns de Pereira, apreciando muito "Mergulhar na Surpresa", feito predominantemente com voz e piano.

E o engraçado é que, assim como na época em que eu estava vidrado em "Retransformafrikando", descobri um show de Mauricio Pereira, desta vez no Casa de Francisca, em São Paulo. Foi sensacional! Abaixo, um vídeo da apresentação que acompanhei:



Quando eu pensava que já tinha tido sorte suficiente por um ano, fiquei sabendo do show anual do Karnak no SESC Pompeia. O melhor show da minha vida:



E foi assim, procurando uma coisa, descobrindo outra e ficando supreendido positivamente ao longo desses 5 anos, que encontrei os discos incríveis desses artistas que sintetizam bem a "música urbana" de São Paulo. Espero que você, caro leitor, se deixe influenciar pelo meu bom gosto e faça o favor de ouvir as músicas dos vídeos acima.
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Metalinguagem: tive vontade de escrever este post após o show do Karnak, no sábado passado. Parece que estou me acostumando com posts longos, apesar de nunca ser a intenção inicial.