Mercy Zidane: setembro 2009

domingo, 27 de setembro de 2009

Análise de uma propaganda partidária - parte 1

Esta postagem é uma análise técnica da propaganda abaixo, do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), veiculada no mês de julho, em todo o país. Vou me ater à parte técnica para demonstrar como ela precisa estar casada com o conteúdo que pretende defender para não cair em contradição. Pretendo falar sobre o teor das matérias num próximo post.



O programa tem início. De cara, já vemos uma bancada jornalística no estilo mais padronizado possível. Um casal de apresentadores. Ele de camisa e paletó e ela de tailler. Ambos indivíduos são brancos. O homem usa uma voz empostada, lembrando locuções radiofônicas.

Pausa. Aí já é possível determinar uma enorme contradição da técnica com o conteúdo. Numa propaganda de um partido que se diz socialista, a reprodução do estilo "Jornal Nacional" de apresentação é até aceitável por se tratar de uma plataforma amplamente conhecida do público (mesmo eu achando que uma simulação de conversa, algo mais "humanizado" teria mais a ver com tais ideais). No entanto, por que colocar dois apresentadores brancos e engomadinhos para falar? Uma das bandeiras do socialismo não é a igualdade entre todos os trabalhadores? O PSTU errou ao não destinar uma negra ou um casal negro para a apresentação, consagrando o padrão elitista da mídia convencional (um negro só vai aparecer uma vez - nos comentários da matéria para sobre a retirada das tropas do Haiti - enquanto uma repórter loira faz uma passagem em Brasília).

Dando prosseguimento, os apresentadores fazem a tradicional "escalada" e a vinheta de abertura mostra o logo do partido. Notamos um design bem "clean" em toda a propaganda. O branco prevalece. Ele está na bancada, em parte do fundo da tela e ao lado do gerador de caracteres. Considero válido alternar o vermelho, tradicional dos partidos mais à esquerda, com outras cores. Porém, acho que o PSTU errou novamente. Esse estilo clean é um tanto elitista, típico de propagandas de artigos de luxo e de condomínios fechados. Cores mais vivas trariam uma ideia mais popular, na minha humilde opinião (essa parte é puro achismo, não entendo nada de cores).

As matérias quebram a linearidade com a qual estamos acostumados. A opinião de dirigentes do partido é inserida entre entrevistas e offs dos locutores. Uma boa opção, pois trata-se de uma propaganda e a opinião deve estar bem explícita (o que poderia também estar presente na apresentação, se o caráter dela fosse menos sisudo). O auxílio tecnológico foi bem utilizado tanto nos infográficos (cerca de três vezes) quanto na parte final do vídeo, em que as cores vermelhas voltam a predominar e há um certo apelo emocional após a entrevista de Valério Arcary.

É louvável o esforço do PSTU em tentar fazer uma propaganda mais digerível aos telespectadores, afastando-se do "Contra burguês, vote dezesseis", famoso na década de 90, que dava a impressão de rebeldia pouco agregadora. O programa teve uma boa diversidade de vozes e não se tornou monótono. Porém, chega a ser engraçado um partido socialista buscar uma credibilidade nos padrões mais superados de jornalismo tradicional (que se diz isento, mas sabemos que não é), reproduzindo preconceitos da sociedade burguesa.
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Metalinguagem: a propaganda foi em julho, mas antes tarde do que nunca.

domingo, 13 de setembro de 2009

Descrição de um sábado atípico em Suzano


Às vezes eu trabalho aos sábados. Quando isso acontece, preciso acordar mais cedo do que em dias normais porque sempre tem um eventozinho oficial para cobrir por volta das 8 ou 9 da manhã (em dias de semana, eu entro às 11h). Ontem, no entanto, foi um pouco diferente. A pauta era à tarde.

"Dê uma passada nesse evento da praça Cidade das Flores", disse a minha editora. Era para eu aparecer por lá umas 17h.

A festividade se chamava "Roda de Todos os Santos". A ideia era fazer com que grupos de cultura popular da cidade se reunissem em uma marcha que iria do centro cultural até a praça. Lá, eles organizariam diversas rodas e o convidado especial, Antônio Nóbrega (o da foto), finalizaria a tarde com um show de frevo.

A matéria seria curtíssima, apenas uma fotolegenda. A editora queria garantir uma imagem chamativa para a capa (enganado os leitores, pois no interior do jornal, haveria poquíssimo texto). Mesmo assim, entrevistei o diretor cultural e fiquei sabendo que mais de 23 grupos culturais iriam participar: catira, congada, roda de samba, capoeira, taikô e kung fu (as duas últimas, tradições orientais) seriam algumas das atrações. A apresentação do Antônio Nóbrega começaria por volta das 20h.

Quase ao mesmo tempo, também de graça e na mesma Suzano (pasme!) ocorreria um show da banda Beatles Abbey Road (foto), que eu já tinha me programado para assistir. Abortei a ideia determinado a voltar à praça cidade das Flores.

Fui para a redação em Mogi das Cruzes (cidade vizinha) com o fotógrafo e o motorista do jornal. Escrevi uma matéria pequena e a fotolegenda. Estava liberado às 19h15. Cheguei em Suzano quase às 20h e Nóbrega já tinha começado o espetáculo.

Quando estudava em Bauru, eu tinha me acostumado a ir a shows no SESC em que eu e alguns amigos e amigas dançávamos ao som de ritmos brasileiros. Até nas festas de república (com as bandas Filha Solteira, Gnomus Verdes Fritos e Vai Brasil!) isso ocorria. Aqui em Suzano, só presenciei algo parecido uma vez. Nesta segunda oportunidade, a sensação de nostalgia foi inevitável.

Primeiramente, pela saudade que carrego de pessoas especiais. Quando uma ciranda de três camadas se formou, as lembranças de minhas queridas amigas Marjorie e Natalinha marejaram meus olhos e a dancinha que lhes é tão peculiar (por mim apelidada carinhosamente de dança do acasalamento) se fez nítida nos corpos de outras pessoas. Em segundo lugar, pelo estranho sentimento nordestino que tenho na minha própria cidade, como já tentei explicar aqui. A agitação de Nóbrega fez tudo isso se aguçar, mesmo que por poucos minutos.

A pipoca com queijo e amendoim torrado, seguida de uma boa garapa deram um ar infantil ao início da noite, que só foi terminar ao som do fab four tupiniquim (me trazendo lembranças de Vanessa e Thiago).

Ô sardade!
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Metalinguagem: e a saudade não é só das pessoas, mas da vida que levávamos. Como diz o título, um post descritivo.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Trago Comigo uma crítica

(cena do seriado Trago Comigo, de Tata Amaral)

Na terça, liguei a tevê na Cultura. O programa Metrópolis exibia uma matéria sobre a nova série (em 4 capítulos) da emissora que estrearia em poucos instantes. "Trago Comigo" é a história de um ex-guerrilheiro e ex-diretor de teatro que, ao dar uma entrevista para um documentarista, descobre ter apagado momentos cruciais de sua história como militante da esquerda revolucionária no Brasil dos anos 60 (estilo "Valsa com Bashir" no quesito esquecimento). Para tentar recuperar a memória, a personagem de Carlos Alberto Ricelli resolve dirigir uma peça sobre sua própria vida, com jovens atores.

Não tenho muito embasamento para analisar filmes, muito menos séries. Mesmo assim, dou meu pitaco: gostei do fio condutor da história. Apesar de haver romances "novelescos", um pouco de exagero para que certos clímax ocorressem (dispensa de Miguel Jarra da peça e suposta desistência de Telmo em realizar o espetáculo) e a previsibilidade de certas cenas, o gancho central foi original: o processo de produção de uma peça em que o diretor é ex-guerrilheiro e os atores são jovens alienados.
Não se trata de uma série sobre uma peça de teatro, mas sobre o processo de produção de tal peça (e isso faz muita diferença). À medida em que o diretor Telmo (Ricelli) força sua memória e adapta as lembranças às cenas, surge a necessidade de passar os sentimentos revolucionários aos cinco jovens atores (um alienado protagonista de novelas, uma negra, um morador da periferia e um casal classe média).

Dúvidas surgem nas cabeças da nova geração: por que um jovem de 20 e poucos anos reprimiria seus desejos sexuais? Por que ele correria riscos assaltando bancos? Por que viveria na clandestinidade? Por que suportaria horas das mais cruéis torturas? Telmo precisa usar de comparação para responder aos atores. "Nós não fazíamos essas coisas para comprar um tênis novo ou para ter um cabelo estiloso. Nós tínhamos um ideal".

O ideal não era tão consciente, como o próprio desenrolar da história mostra. O amor foi o responsável por levar Telmo à guerrilha armada. Ele não era da vanguarda, não tinha embasamento suficiente para saber se era leninista, trotskista ou maoísta (como a maioria dos guerrilheiros brasileiros da época, penso eu, mesmo podendo estar enganado). Porém, ele não perdeu o bonde da história.

Críticas sutis também são feitas, como o fato de não haver negros nem "manos" entre os guerrilheiros. "Que grupo mais elitista", comenta a personagem Mônica, par romântico de Ricelli.

A estabilização no cotidiano classe média tomou conta da vida de Telmo após a tortura, o que também ocorreu com Braga (dono do teatro que o convida a fazer nova montagem). Esse fato caracteriza que as divergências ideológicas entre as gerações acontecem apenas quando o passado é evocado. Os mais novos (atores) são alienados. Os mais velhos (diretor e dono do teatro) deram o braço a torcer para a vida burguesa e "colhem os louros" da desgraça que sofreram. Outro fato verossímil, pois a imensa maioria desses "heróis" do passado são grandes piadas políticas nos dias atuais, como Gabeira, Genoíno e Dirceu.

Na prática, a diferença é que os mais velhos têm uma bela história.
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Metalinguagem: há outros mil elementos que eu poderia analisar, mas eu me alongaria muito. Atentei-me ao que considerei mais importante. Nem se trata de uma crítica, mas pensamentos que surgiram após a apreciação da obra. É possível assistir a todos os episódios por meio deste link.