Trago Comigo uma crítica

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Trago Comigo uma crítica

(cena do seriado Trago Comigo, de Tata Amaral)

Na terça, liguei a tevê na Cultura. O programa Metrópolis exibia uma matéria sobre a nova série (em 4 capítulos) da emissora que estrearia em poucos instantes. "Trago Comigo" é a história de um ex-guerrilheiro e ex-diretor de teatro que, ao dar uma entrevista para um documentarista, descobre ter apagado momentos cruciais de sua história como militante da esquerda revolucionária no Brasil dos anos 60 (estilo "Valsa com Bashir" no quesito esquecimento). Para tentar recuperar a memória, a personagem de Carlos Alberto Ricelli resolve dirigir uma peça sobre sua própria vida, com jovens atores.

Não tenho muito embasamento para analisar filmes, muito menos séries. Mesmo assim, dou meu pitaco: gostei do fio condutor da história. Apesar de haver romances "novelescos", um pouco de exagero para que certos clímax ocorressem (dispensa de Miguel Jarra da peça e suposta desistência de Telmo em realizar o espetáculo) e a previsibilidade de certas cenas, o gancho central foi original: o processo de produção de uma peça em que o diretor é ex-guerrilheiro e os atores são jovens alienados.
Não se trata de uma série sobre uma peça de teatro, mas sobre o processo de produção de tal peça (e isso faz muita diferença). À medida em que o diretor Telmo (Ricelli) força sua memória e adapta as lembranças às cenas, surge a necessidade de passar os sentimentos revolucionários aos cinco jovens atores (um alienado protagonista de novelas, uma negra, um morador da periferia e um casal classe média).

Dúvidas surgem nas cabeças da nova geração: por que um jovem de 20 e poucos anos reprimiria seus desejos sexuais? Por que ele correria riscos assaltando bancos? Por que viveria na clandestinidade? Por que suportaria horas das mais cruéis torturas? Telmo precisa usar de comparação para responder aos atores. "Nós não fazíamos essas coisas para comprar um tênis novo ou para ter um cabelo estiloso. Nós tínhamos um ideal".

O ideal não era tão consciente, como o próprio desenrolar da história mostra. O amor foi o responsável por levar Telmo à guerrilha armada. Ele não era da vanguarda, não tinha embasamento suficiente para saber se era leninista, trotskista ou maoísta (como a maioria dos guerrilheiros brasileiros da época, penso eu, mesmo podendo estar enganado). Porém, ele não perdeu o bonde da história.

Críticas sutis também são feitas, como o fato de não haver negros nem "manos" entre os guerrilheiros. "Que grupo mais elitista", comenta a personagem Mônica, par romântico de Ricelli.

A estabilização no cotidiano classe média tomou conta da vida de Telmo após a tortura, o que também ocorreu com Braga (dono do teatro que o convida a fazer nova montagem). Esse fato caracteriza que as divergências ideológicas entre as gerações acontecem apenas quando o passado é evocado. Os mais novos (atores) são alienados. Os mais velhos (diretor e dono do teatro) deram o braço a torcer para a vida burguesa e "colhem os louros" da desgraça que sofreram. Outro fato verossímil, pois a imensa maioria desses "heróis" do passado são grandes piadas políticas nos dias atuais, como Gabeira, Genoíno e Dirceu.

Na prática, a diferença é que os mais velhos têm uma bela história.
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Metalinguagem: há outros mil elementos que eu poderia analisar, mas eu me alongaria muito. Atentei-me ao que considerei mais importante. Nem se trata de uma crítica, mas pensamentos que surgiram após a apreciação da obra. É possível assistir a todos os episódios por meio deste link.