Mercy Zidane: março 2009

quarta-feira, 25 de março de 2009

Galeano e Tom Zé

Como todo moleque, eu queria ser jogador de futebol quando crescesse. Acho que sonhei com isso dos 7 aos 13, 14 anos.

E, obviamente, eu não queria ser lateral direito nem voltante nem zagueiro. Inspirado no meu ídolo Evair, eu gostaria de ser o centro-avante, jogar com a nove às costas e marcar muitos gols com a camisa do Palmeiras.

O meu sonho não se concretizou (como o de 99% dos moleques brasileiros - do 1 % restante, cerca de 99% se fode jogando em timecos e recebendo salários miseráveis e atrasados) por diversos motivos.... mas de tanto jogar e gostar de futebol, eu até sabia dominar bem a bola, dar um passe preciso, desarmar, chutar com as duas pernas. Depois, quando essa idéia sumiu da minha cabeça, eu esquecia de meus sonhos de artilheiro e sempre pensava:

-Porra, mas eu até que jogo bem... eu não seria um craque, mas poderia até jogar profissionalmente. Dava para ser um cara tipo o Galeano.

Galeano foi um volante do Palmeiras que era limitado tecnicamente, mas se não fosse por ele, o time não teria vencido um dos jogos de maior importância na história recente do clube: a semifinal de libertadores de 2000, contra o do Corinthians - ele fez um gol decisivo de cabeça, que levou a decisão aos pênaltis, na qual Marcos defendeu uma cobrança de Marcelinho e classificou o Palmeiras às finais (veja os gols abaixo)



O cara não era um ícone do futebol, mas jogou num time grande, foi ídolo, dava o sangue em campo e será eternamente lembrado positivamente pela torcida do Palmeiras.

Bom, mas por que estou dizendo isso?! O motivo é que eu estava assistindo ao documentário "Fabricando Tom Zé", de Décio Matos Jr (veja o trailer abaixo), quando o compositor baiano disse que era japonês (eu já falei disso num post - clique aqui e leia-o). Mas eu comecei a rachar o bico quando ele comentou que o seu trabalho era "parecido com o do jogador Galeano", que se esforçava pra caramba já que não tinha a genialidade dos craques.

Eu não tenho a pachorra de me comparar a Tom Zé (que inclusive fará um show aqui em Suzano na semana que vem), mas considero que a tal "genialidade" (se é que ela existe) pode sim ser advinda de muita labuta. Tom Zé é mais genial do que os que se dizem gênios da MPB ou do Tropicalismo, na minha opinião.

A genialidade de Tom Zé está diretamente ligada ao materialismo. Ele percebe o óbvio que todos fazem e tenta realizar algo diferente. Para isso, usa o tal "esforço de Galeano".

Talvez seja uma questão de organização de repertório cultural e percepção das possibilidades à sua volta para que a tal criatividade surja e se aplique.

Divagações à parte, fica a dica de um belo documentário.


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Metalinguagem: o Raiz Social, obra criativa em que tive uma participação importante e da qual me orgulho de ter participado e ter sido um dos fundadores, foi um trabalho coletivo oriundo de muita "galeanisse", tanto na ideia inicial, quanto na execução e nas posteriores críticas.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Politicagem - parte 1


O que eu vou falar aqui pode ser óbvio para muita gente, mas às vezes o óbvio ululante acaba sendo esquecido.



O que deveria levar uma pessoa a se filiar a um partido político seria, teoricamente, a afinidade ideológica com o programa político do partido. Teoricamente...

Mas nessas minhas primeiras andanças pelas câmaras de vereadores do Alto Tietê, como repórter, chuto que cerca de 90% dos políticos não devem sequer ter lido o programa de seu partido, por mais trolho que ele seja.

Certa vez, tive que entrevistar um cara de um partido pequeno. Esse indivíduo nem era vereador, mas representa uma liderança da agremiação na região. Durante o diálogo, ele me disse que o seu partido o escolheu como lider para lutar pelo social, para melhorar as condições de vida do povo (ôôô), pois era nisso que sua sigla se baseava. Foi então que perguntei a ele sobre o termo "liberal" que constava no nome de seu partido, e de como isso tinha pouco a ver com o "social". A resposta foi algo assim:

-Ah sim, entendi sua pergunta, mas o partido leva em consideração mais o lado social mesmo.

A reposta não foi para me engambelar, foi um tipo de fuga porque o cara não sabia o que dizer. 



O resultado de disso acaba casando com os interesses dos grandes empresários e industriais de nossa sociedade: a falta de discussão política ou a idéia de que política só se faz com ações burocráticas, estilo obras. A política como discussão de idéias fica em último plano. O que importa é se filiar a um partido para disputar a grande corrida de cavalos que são as eleições municipais.
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Metalinguagem: existem outros exemplos de politicagem que pretendo relatar aqui, esse é o motivo do "parte 1" no título.

domingo, 8 de março de 2009

Futebol e alienação

Como faz tempo que não falo de futebol, acho que agora é o momento.

Eu estava até pensando em fazer uma análise tática, estilo PVC, do time do Palmeiras que será campeão neste ano (basta ajeitar um pouquinho a defesa), mas decidi falar de outra coisa, a relação futebol x alienação.

Já cansei de ouvir gente dizendo que futebol é pura alienação. Eu discordo, principalmente porque você não desliga seus pensamentos quando discute um jogo, comparece ao estádio ou assiste a uma partida pela televisão.

O futebol foi criado no sistema capitalista. Só de pensar rapidamente, já percebemos que a pirâmide da grana se mantém. Apenas uns 2% dos jogadores ganham mais do que R$1.000,00 por mês, enquanto Ronaldos, Beckhams e Seedorfs ganham milhões.

Outra relação possível de se fazer rapidamente é a da profissionalização do esporte, que permitiu a entrada dos negros no futebol, no ano de 1933, no Brasil. Esse marco se assemelha à necessidade do sistema capitalista de ter empregados assalariados para expandir mercados. Ou seja, terminou a escravidão (formalmente), mas por necessidade de vender mais produtos para mais pessoas. No caso do futebol, a conquista de títulos e a venda de jogadores (que são praticamente escravos de empresários sanguessugas) é que trazem a grana.

Numa simples visita ao estádio, já é possível perceber mil relações desiguais, desde a proliferação de subempregos ou de bicos, como os cambistas profissionais (eles têm até cartão de apresentação), até as divisões dos assentos do estádio entre os lugares dos ricos e dos pobres e, consequentemente, negros e brancos.

Bom, raro leitor, você pode dizer que a torcida vai ao estádio apenas para descansar, divertir-se um pouco depois de um dia estressante de trabalho, como se fosse a um culto de igreja. Dê-me o direito de discordar. O futebol não prega não-violência nem submissão para ter um lugar no céu. E as relações desiguais, comuns aos olhares do dia a dia? Será que elas passam despercebidas também pelo "torcedor comum"? Será que eles não percebem o alto valor do ingresso, o número de brancos nas tribunas e a repressão policial?

O futebol é um aspecto cultural. Claro que muito se perde com a espetacularização da TV. Não há comparações entre uma visita ao estádio, tanto na questão da visão tática do jogo, quanto no quesito "percepção da realidade" do entorno, mas não deixa de ser cultura.
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Metaliguagem: o filme Boleiros é um exemplo de todas as relações que acontecem nos bastidores do futebol, como racismo, preconceito regional, machiscmo e a própria luta de classes (times dos ricos e times dos pobres). No vídeo, um árbitro comprado por dirigentes manda repetir uma cobrança de pênaltis por três vezes para salvar a própria pele.

domingo, 1 de março de 2009

Histórias da praia

Praia em temporada é um lugar cheio de “imigrantes temporários”. No caso da baixada santista, o mais comum é encontrar banhistas vindos da capital ou de cidades do interior paulista. Mas isso mais entre os, digamos, “consumidores”.

Em meio a um sorvete ou uma cerveja, e com pouco de bate-papo, é interessante notar que aqueles ambulantes e vendedores de barraquinhas, que funcionam praticamente como nossos serviçais, montando nosso guarda-sol ou andando até nós para anotar nosso pedido, também viajam para o litoral paulista durante a alta temporada (período que se inicia em outubro e vai até o fim do carnaval). Seus objetivos, entretanto, não são o de desfrutar de descanso e lazer.

O vendedor de queijo, com apenas 19 anos, é de Olho d’Água Grande, cidadezinha do interior do Alagoas. “É perto de Arapiraca, cidade do ASA, que eliminou o Palmeiras na Copa do Brasil alguns anos atrás”, me disse. Estava no Guarujá a trabalho, de forma provisória. Perguntei se por lá em Alagoas não havia emprego. “Só na roça. Mas trabalho na roça só dá pra viver, não sobra muita coisa, além de ser muito pesado”. Saiu de lá atrás de mais qualidade de vida.

Thiago, também de 19 anos, garoto que servia de garçom de barraquinha, andando ininterruptamente o dia inteiro de baixo de sol quente e na areia fofa, não vem de tão longe. É de Arthur Nogueira, ao lado de Limeira. Hospedava-se na casa de uma tia, mas também desceu a serra pra levantar um dinheiro. “Me pagam 20, 25, dependendo do movimento até 30 por dia”, revelou.

Já o tocador de trompete de uma banda que entoava músicas desafinadas enquanto a turistaiada tomava seu chopp à noite na orla da praia vinha de mais longe. “São Bento do Úna, Pernambuco, mesma cidade de Alceu Valença”, me contou entusiasmado, antes de tirar uma foto do músico de sua pochete para me mostrar. Ganhava trocados com as doações de seus ouvintes, satisfeitos (ou não) após a execução de músicas como Asa Branca e Xote das Meninas (essas duas pedidas por nossa mesa).

Também tinha o “Velho das Montanhas”, apelido carinhoso que demos para o senhor que mantinha uma exposição com dejetos expelidos pelo mar no pé de um dos montes que delimitava a praia. De fala articulada e consciência crítica, ele era, em suas próprias palavras, “filho do ABC”.

Havia ainda o caso mais atípico de todos. Era a velhinha vendedora de empada, nascida em 1933, vinda da região de Pescara, na Itália. Seu nome era Edda. Nos contou que ia pra Itália uma vez por ano, para, espertamente, receber o dinheiro de uma pensão a que tinha direito.

O mais louco é pensar que todos esses vendedores e pessoas da praia que sobrevivem do dinheiro de nós, turistas, nos são praticamente invisíveis. Mas basta uma conversa rápida pra saber que por trás da oferta de um serviço ou produto se escondem histórias interessantíssimas. Histórias estas que, de certa forma, acabam por torná-los mais humanos diante de nossos olhos muitas vezes insensíveis.