Tão clichê quanto mar e paixão

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Tão clichê quanto mar e paixão



Era jovem, mas a vida na cidade e as obrigações que deixavam suas costas cada dia mais curvas fizeram-no ficar mais de quatro anos sem ver o mar. Lembrava-se das poucas praias que havia visitado e de suas belezas particulares, mas isso era raro - só quando alguém comentava sobre viagens de férias ou de fim de ano.

Naquele dia, cinzento como os últimos, recusou convites dos amigos para ir ao bar após o trabalho. Bateu o ponto, pegou a condução e, por não saber o que fazer, vagou pelas ruas do bairro tentando observar com o olhar mais atento o entorno tão rotineiro. Não conseguiu. "O que eu tô tentando fazer"?

Voltou para casa e, em mais um gesto automático, ligou a tevê. Zapeou os canais sem prestar atenção, até que se atraiu pela beleza da atriz principal de um filme nacional antigo, em preto e branco. Pegou no sono e acordou às 4h30, assustado, com o controle remoto na mão.

No sonho que tivera, deparava-se consigo próprio. Seu outro "eu", abatido, não esboçava reação a nenhum estímulo. Quando se preparava para socar seu semelhante, viu o interlocutor se transformar em uma mulher alta, que o beijou de forma ardente. O prazer virou medo quando, num instante, ela cresceu e o engoliu. Sentiu o frio na barriga da queda livre até perceber que estava molhado. E boiava no mar.

Sorriu. Com o coração quente, levantou-se do sofá e saiu correndo em direção à rodoviária. Pegou o primeiro ônibus com destino ao litoral.

Seu semblante misturava ansiedade e alegria. Cada curva do caminho, cada ouvido tampado e cada cheiro de maresia aumentavam seu sorriso.

Ao chegar, transpôs três quarteirões correndo como uma criança, já com lágrimas nos olhos, em direção à praia. A camisa ficara pelo caminho, assim como os sapatos. Quando não havia mais nenhum obstáculo entre ele e o mar, parou na beira, sem deixar seus pés se molharem. Visivelmente emocionado, observava, estático, o objeto de sua saudade.

Uma moça, intrigada com o que via, perguntou ao rapaz se ele estava bem. Ele respondeu:

-Sabe? Quando a gente fica muito tempo sem ver o mar, por mais que se lembre do barulho das ondas, da areia fina nos pés, da indistinção dos azuis no horizonte, por mais que racionalmente esteja tudo lá na nossa cabeça, quando damos de cara com sua grandeza que nos abraça e envolve todos os nossos sentidos, é como se fosse a primeira vez. É tão bom quanto da primeira vez. A memória não dá conta dessa imensidão que puxa a gente e escancara nossa pequenez ao mesmo tempo em que nos hipnotiza com o vaivém das ondas. Mostra a nossa insignificância enquanto percebemos como é bom... Como é bom estar vivo. E mesmo que por um pequeno instante, dá sentido à nossa vida.

E correu para os braços molhados e quentes da paixão.