O Palmeiras na vida de um torcedor

terça-feira, 26 de agosto de 2014

O Palmeiras na vida de um torcedor


Quando me vi, quando me enxerguei como pessoa, quando dei conta de mim mesmo, da minha existência, eu já era, sei lá como, palmeirense.

Pensei que tinha começado quando meu pai me acordou de noite (eu contava cinco ou seis anos de idade) só para me presentear com um lindo uniforme pirata do Verdão - numa malha chinfrim com o logo da Coca-Cola; mas aí percebi que eu fiquei tão feliz nesse dia exatamente porque meu coração já era verde. Muito verde.

"Estranho uma paixão tão forte não ter data de início", pensei. Mas faz sentido: uma das poucas certezas que tenho é que ela não tem dia marcado pra acabar.

Ainda molequinho, na escola, a camisa do Palmeiras era meu uniforme oficial nas aulas de educação física, enquanto os outros usavam vestimenta estudantil. Se eu fosse jogar bola em qualquer outro lugar - o que era bem comum para uma criança doida por futebol, a camisa ia junto, assim como o apelido instantâneo que os desconhecidos me davam: "palmeirense". Pouco me importava que não sabiam meu nome. Nada melhor do que ser chamado de "palmeirense".

Se tinha uma aula vaga ou estávamos tomando as lições de artes, o que eu desenhava? Os diversos gols de Evair; e muitos e muitos emblemas do Palmeiras. Tanto é que a primeira carta de amor que recebi na minha vida, na primeira série, tinha um "P" estilizado - minha admiradora sabia como me conquistar.

A brincadeira favorita? Fingir que era o Velloso no gol;  bater a falta de canhota (mesmo sendo destro) só para imitar o Roberto Carlos; comemorar como o matador Evair,  após mais um gol de pênalti "trotado", contra o goleiro imaginário nas traves de paus e vasos do quintal.

Apesar de ser a principal paixão, eu não gostava só de futebol. Assistia a desenhos animados e séries japonesas. Mas por que será que eu admirava tanto o Shiryu, cavaleiro de dragão em "Os Cavaleiros do Zodíaco"? Por que eu gostava mais do Tommy, em "Power Rangers"? Sim, ambos usavam armaduras verdes.

Eu comprava histórias em quadrinhos, mas a cada título que o Palmeiras ganhava (e eram muitos nos anos 90), queria saber mesmo era da edição especial da Revista Placar e das vastas reportagens e perfis com os meus verdadeiros super-heróis. Cheguei a decorar escalações de times dos anos 70, da segunda Academia palestrina, de tanto devorar essas publicações.

Percebi que meu avô estava muito mal de saúde quando vi que ele não sabia que o Palmeiras tinha chegado à final do Brasileiro de 97. Logo ele, tão fanático... Chorei sua morte e, um mês depois, em homenagem, fui com o meu pai, pela primeira vez, ao Palestra Itália, no jogo da primeira fase da Copa do Brasil de 98 - a copa que venceríamos e que nos levaria à tão sonhada Libertadores.

Nos meus aniversários, 24 dias antes dos do Palmeiras, era fácil saber o que eu gostaria de ganhar, ano sim e ano também: camisas do Verdão.

Quando acabou o período de glórias dos anos 90, com escalações lendárias que ainda povoam meus melhores sonhos, e o time caiu de divisão, confesso, fraquejei. Não consegui suportar uma dor tão forte de algo que me dava tanta felicidade. Acinzentei um pouco a minha vida. Deixe-me envelhecer, esqueci a alegria boba de um gol, de uma paixão infantil e "sem sentido". Futebol é só um jogo, não é mesmo?

Prestei vestibular para jornalismo. Será que, se eu não tivesse lido tantas notícias e reportagens sobre o Palmeiras, eu teria feito essa escolha?

Em 2005, após três anos de uma resistência meio covarde e meio adulta, eu me rendi. Já sabia a escalação de cor, salteado, de trás pra frente, com reservas, com time B, revelações da base e o que mais tinha direito. O verde pulsava de novo dentro das veias. Chorei ao subir, depois de oito anos, as arquibancadas do Palestra novamente e enxergar o jardim suspenso. Toda vez que eu entrava ali, até o fechamento para reforma, em 2010 (quando vi um gol de falta de Evair), o coração batia mais forte.

Terminei com uma namorada que havia me dado, poucos dias antes, uma camisa do Palmeiras. Não consegui devolver o presente - era a 7 do Edmundo, como eu iria devolver? Em outro relacionamento, dei uma camisa 9 de 92 à companheira, para que ela se lembrasse de mim. "É a 9 do Evair".

Vibrei muito, pulei muito, gritei muito, tirei muito sarro, dei infinitas cambalhotas.

Chorei muito, esperneei muito, sofri muito e dei diversos socos na parede.

Fiz minha prima, filha de corintiano, virar palmeirense. Fiz um amigo de infância, que não tinha time, tornar-se um apaixonado até hoje. Fiz minha mãe, santista, ser conhecida na escola em que ela trabalha como "a palmeirense". Já pisei em camisa do Corinthians, já ganhei e perdi apostas para envergar mantos rivais, já fiz muita mandinga inútil, já liguei pro meu pai chorando depois de um gol, já enchi a cara depois de título, já quis tirar 3x4 com a camisa verde, já gastei horas e horas vendo e ouvindo jogos do Palmeiras e mais outras discutindo escalações e ainda  mais tantas jogando com o time verde no vídeo game.

Se hoje eu choro quando vejo o gol de pênalti do Evair no 12 de junho de 1993 é porque até hoje lembro que esse foi um dos melhores dias da minha vida. Assisti com meu pai, no bar do Cezinha, rezando no banheiro para que o Palmeiras ganhasse.

Se falta assunto com meu pai, o que nos une é o Palmeiras. Se ligo pra minha vó, ela já comenta do cabelo da Gareca e do desgraçado do Valdivia. Minha mãe pensa em mim quando o Palmeiras ganha, tenho certeza. Minha irmã, ah, um dia ela vai comigo na Arena. Meus amigos mandam mensagens instantâneas no Whatsapp a cada gol (sofrido ou convertido).

"Palmeiras minha vida é você" é um grito que foi muito entoado no velho Palestra, é comum no Pacaembu e preencherá os ouvidos dos frequentadores da Arena.

Por tudo isso, por estar presente em todos os dias dos meus 29 anos de vida, e por ter certeza que será assim até a minha morte, pouco importando se exaltarei Da Guias e Edmundos ou sofrerei com Rovilsons e Gioinos, se irei incentivar ou cornetar... por tudo isso e por saber que as vidas de mais de 16 milhões de pessoas (uma imensa maioria de trabalhadores que se ferra muito nesse mundo) são, nesse sentido, parecidas com a minha, eu digo: Palmeiras, minha vida é você!

Parabéns pelos 100 anos, Sociedade Esportiva Palmeiras!