Arqueologia industrial e os limites ao avanço da técnica

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Arqueologia industrial e os limites ao avanço da técnica


No fim de maio, devido a um trabalho que precisei fazer para a disciplina de História da Ciência, fui ao Museu de Arqueologia Industrial e Tecnologia (Maitec), localizado em Mairiporã, a alguns poucos quilômetros de São Paulo. Não, eu também não sabia o que era arqueologia industrial.

Como deve acontecer com quase todo mundo, eu associava arqueologia simplesmente a escavações (rolava até uma confusão com paleontologia - que lida com fósseis). Mas esse ramo científico vai muito além, pois se trata do estudo de culturas e modos de vida antigos por meio de objetos materiais. Ou seja, vários vieses são possíveis, desde análises de resquícios de civilizações "intocadas", até a visão mais abrangente sobre a sociedade capitalista ocidental - justamente o que a arqueologia industrial e o Maitec possibilitam, pois há, no local, centenas de "fósseis tecnológicos" que foram bem importantes para o desenvolvimento do homem que habita as bandas do oeste.

Quando você entra no galpão principal do museu (após passar por áreas externas lotadas de pavões {!}) e em sua parte anexa, é possível observar carros antigos, vagões de trens de passeio, locomotivas, aviões, teares, ferramentas de metalurgia, motores, jangadas, prensas, arados, tipografias, betoneiras, tratores, projetores, telefones, computadores, caixas registradoras, carros de boi, discos rígidos, orelhões, máquinas de escrever, mimeógrafos, máquinas fotográficas, gramofones, caixas de correio e por aí vai - muitas coisa ainda em condições de uso. Há cartazes que explicam como a peça funciona e qual foi a importância dela no contexto de sua criação. Também é possível fazer perguntas aos funcionários do local.

Digressão: antes de se estabelecer como sedentário, o ser humano precisou de ferramentas e técnicas para transformar a natureza em bens materiais que satisfizessem suas necessidades. E o domínio dessas técnicas foi alterando não apenas os tipos e a velocidade de criação de objetos, mas as relações entre os indivíduos que compõem a sociedade. Ainda mais porque, de acordo com a visão marxista, as relações sociais e produtivas ocorrem a partir do trabalho, em qualquer sociedade humana.

No Maitec, o foco são os instrumentos que alteraram as relações da sociedade em que vivemos. Além de ser muito legal ver como eram engenhosos alguns itens antigos (que deram certo ou errado) e como eles foram fundamentais para que novas tecnologias se desenvolvessem, toda essa velharia faz pensar.

Imagine quantas vidas a locomotiva alterou por permitir o transporte de cargas e passageiros em velocidade impensável anos antes de sua criação. Quantas pessoas migraram para a zona urbana a partir disso, adquiriram empregos (muitas vezes em condições sub-humanas) e estabeleceram suas relações sociais a partir de uma nova realidade criada a partir dessa técnica? Quantos clubes de futebol com o nome de Ferroviário surgiram mundo afora devido às bitolas metálicas instaladas sobre o solo então inexplorado? Quantos patrões encheram os bolsos a partir da mais-valia alheia com ganho na velocidade de escoamento de mercadoria e barateamento do transporte dos empregados? Quantos produtos úteis e inúteis chegaram a cafundós devido à linha férrea?

Como dá para perceber com as perguntas enviesadas que fiz no exemplo da locomotiva, não se tratou apenas de um desenvolvimento vertiginoso, maravilhoso e sem contradições. Muitos dos itens citados no começo do texto foram importantíssimos para alterar as relações na sociedade do trabalho, mas há limitações. No sistema em que vivemos, mesmo havendo avanço em tecnologia, ela costuma se expandir apenas quando serve aos interesses de quem está no comando - de modo que essa turma possa faturar ainda mais em cima da nova criação.

Em nossas timelines do Facebook, estamos cansados de ver notícias sobre invenções fantásticas que transformariam CO2 em concreto, que substituiriam gasolina por energia elétrica nos carros, que fariam carne de laboratório para não precisar matar animais. E tudo isso, apesar de já ser tecnicamente possível, não vai para frente por questões econômicas. Ou melhor, porque não dá lucro - pelo menos não agora. Numa sociedade em que a ciência e a tecnologia tivessem como foco não a reprodução de capital, mas a ampla satisfação das necessidades humanas, imagino que a coisa seria bem diferente.

E, para terminar, você vai entender o desenho do início do post. O prédio em que trabalho tem uma placa que cita o ano de sua inauguração: 1997. Os empreendedores queriam dar um nome moderno e que passasse a ideia de inovação. Recorreram à língua inglesa e escolheram "New World of Business" (Novo Mundo dos Negócios). Como símbolo, optaram pelo ícone da novidade tecnológica da época: um CD-Rom.
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Metalinguagem: tem uma história legal sobre essa visita que vou contar num próximo post.