Em 1969, nos Estados Unidos, um ativista foi detido por portar dois cigarros de maconha. Cerca de dois anos depois, em 1971, ele serviu como bode expiatório para a cada vez mais lucrativa "guerra às drogas", que ocorre até hoje por terra yankees: houve julgamento e ele pegou nada menos que dez anos de prisão.
O caso absurdo gerou uma grande campanha democrática para a libertação imediata do ativista, que atendia pelo nome de John Sinclair. John Lennon, que morava nos Estados Unidos à época, compôs uma canção com o nome do rapaz para fortalecer a mobilização.
A música, que ajudou a libertar o ativista alguns dias depois, tem versos como (em tradução livre):
-"Não é justo, John Sinclair / Preso por respirar ar";
-"Se ele fosse da CIA / Vendendo drogas para ganhar dinheiro / Ele estaria livre / Iriam deixá-lo viver / Respirando ar como eu e você";
-"Ele foi preso pelo que fez / Ou representando todos?"
Apesar do contexto bem diferente (países, momento histórico, motivação, etc.), há pontos em comum entre o caso descrito e o que aconteceu com as prisões arbitrárias de Fabio Hideki Harano e de Rafael Marques Lusvarghi, no último protesto contra a Copa do Mundo, aqui no Brasil, no dia 23 de junho. Quando fiquei sabendo da história, foi a canção de Lennon que veio à minha cabeça, até porque a prática repressiva e as táticas de criminalização da polícia dos poderosos têm se modificado muito pouco ao longo das últimas décadas em todo o mundo.
Para que não haja brecha para confusão, o flagrante inventado pela polícia nada tem a ver com drogas (que deveriam ser legalizadas, em minha opinião), mas com o direito de manifestação. Ambos estavam num ato realizado na Avenida Paulista quando foram revistados arbitrariamente e presos por associação criminosa, porte de explosivos, desacato. O secretário de segurança do estado diz que eles são líderes dos Black Blocs (que sequer têm líderes) em uma clara referência de que são os bodes expiatórios para o recrudescimento da ação policial após o ato do dia 19, organizado pelo MPL, em que houve depredações. Várias testemunhas, como o Padre Julio Lancellotti, alegam que as provas foram plantadas - também há filmagens que enfocaram a "geral" tomada por Harano e que comprovam isso.
Querem dar até oito anos de prisão a Fabio simplesmente porque usou seu direito e resolveu se manifestar, como já fez várias vezes e como acredita que pessoas não egoístas devem fazer. Querem botar Rafael no pau de arara público para mostrar o que acontece com quem vai às ruas, defendendo o interesse de muitos.
Por tudo isso, acredito que, se Lennon estivesse vivo, ele seria contra prisões arbitrárias com penas esdrúxulas de pessoas que apenas respiraram ar se manifestando e estão sujeitas a serem bodes expiatórios nacionais. Ele cantaria: "Libertem Fabio! Libertem Rafael!"