Coraçãobate

domingo, 1 de abril de 2012

Coraçãobate

E então você me pede para escrever algo. Mas qualquer algo você não quer e nem eu. Você exige aquele que comova, que dê um rápido nó no cérebro, que derrube a sinapse e ponha imediatamente as lágrimas a correrem.

É desse que eu gosto, mas ele não é o suficiente.

Posso fazê-lo razoavelmente bem (o jogo de palavras), soltando as emoções reais, revelando o que é vergonhoso admitir e promovendo o duelo imaginário de personalidades em crise interna, que são a constituição de mim.

As pessoas se identificam e se emocionam, como quando ouvem uma canção de amor, dessas tantas que já existem.

Mas esse algo, por mais belo e sensível, por mais selvagem e sincero, é apenas uma expressão de como sou constituído socialmente. Por si só, ele não constata que respiro. Uma masturbação emocional não faz meu coração pulsar na história da humanidade.

A mais genuína das emoções precisa ter um pouco de percepção racional para se tonar a paixão que esquenta não só dois corações, mas milhões deles, e com força descomunal.

A tal percepção é simples e gera questionamentos. Como vou estar vivo se enxergo a irracionalidade do mundo, se sinto-a materialmente nos salários rebaixados, na terceirização que humilha, na sádica repressão policial, no aumento da desigualdade, nas demissões em massa, na maquiagem “sustentável” das indústrias, na adaptação da “esquerda”, sem poder alterar tudo isso?

As dúvidas se extinguem quando da observação de lutas, como a dos estudantes da USP, da juventude chilena, dos trabalhadores gregos e egípcios e de tantas outras que abrem caminhos. Elas todas fazem parte de uma só luta e carregam nos ombros a tarefa mais grandiosa da humanidade: o fim da exploração do homem pelo homem.

E a maior das paixões se faz.

É desse algo que falo e que meu tempo exige. É esse algo que pulsa vivo.

O meu com o seu coração bate. E combate.
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Metalinguagem: texto que escrevi para o jornal "O Kula", das Sociais USP