Ridícula carta de amor

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Ridícula carta de amor

E foi assim. Pensei um pouco no seu nome, na beleza dele. Vieram à minha cabeça algumas de suas explicações públicas sobre o significado, a origem indígena. Mas o cérebro não resistiu. Ao pensar em você, ele reconstituiu sua face e se deteve nos detalhes do seu rosto. Os olhos puxados, mas grandes, cor de mel. A testa extensa. O queixo pontiagudo, que começava, na minha cabeça, com um sorriso que mostrava um pouquinho os dentes de cima. Lembrei-me também das espinhas e, automaticamente, do jeito meigo com que você coça a testa e os olhos. Passa a palma da mão na testa, retira os óculos, coça fundo o olho direito com o indicador, entortando um pouco a cabeça, para depois repetir o mesmo gesto do outro lado. Há uma serenidade, um pouco por causa dos óculos (sem desconsiderar o conteúdo do que você fala, claro), ao mesmo tempo em que se evidencia um nervosismo por esconder-se momentaneamente do outro. Um tempo para evitar a exposição, para pensar, como quando você pergunta “hã?” por duas ou três vezes, antes mesmo que o interlocutor possa responder. Técnica internalizada para ganhar tempo numa argumentação? Não sei. Para mim funciona como a mais desregrada das técnicas: a do apaixonar-se.

E como você está longe, pensar no seu nome, seja só o primeiro ou ele por completo, dividido ou de trás pra frente, junto com as suas não intencionais técnicas de apaixonamento, faz com que o cérebro sinta e que o coração pense. As pupilas dilatam e se enchem d’água. Pinga uma gota quente no fundo do peito, um pouco resfriado de insegurança pela distância. A atividade cerebral fica mais intensa, mesmo que para elaborar as frases de amor clichês e cafonas.

E quando o seu nome surgiu, como eu disse no início, ele não parava de se apresentar. Eu estava pensando sobre três temas um tanto desconexos (política, futebol e amizades) e foi impressionante como, em cada um dos assuntos, o meu cérebro insistia em te “entrevistar”, em imaginar a qual conclusão conjunta poderíamos encontrar com o seu detalhismo emocional, com o seu racionalismo explosivo. Na sua teia complexa que tem o objetivo, nem sempre bem sucedido, de desembocar numa saída simples.

É o aprender de um novo modo de pensar e de sentir, de tentar entender o sentir. Recorro a você em pensamento porque és quem tirou o que há de mais profundo em mim nos últimos tempos. Você me ensinou a abraçar um livro depois de entender uma ideia fantástica, de enxergar a beleza (ou as belezas) das gotas de sangue derramadas por uma convicção racionalizada. Você gasta sua energia, talvez de um modo quixotesco, para aplicar os detalhes de um corte milimétrico e entusiasmado, a fim de enxergar o que há por trás do inexplicável. O meu pensar, depois que te conheci, aprendeu um jeito mais sicero de existir.

E depois de perceber tudo isso, novamente me rendo, cheio de lágrimas, e me bate uma tristeza que esfria um pouco aquela parte quente no meio do peito e me dá a sensação que os adolescentes têm ao questionarem o sentido da vida.

Penso o quão sem sentido a minha vida seria sem você.
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Metalinguagem: como já dizia o heterônimo Álvaro de Campos, todas as cartas de amor são ridículas.