Camila

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Camila

É uma escolha dura que se faz.
Na infância, com olhos pouco experimentados, mas muito questionadores, percebemos facilmente a falta de sentido do mundo a cada passo que damos, a cada centímetro que crescemos.
E ao dizermos que a vida deveria ser outra, quase não há incentivos para buscarmos transformar o que já está se decompondo. É o contrário: forçam-nos a calar e a fechar os olhos. Fazem resignados malabarismos sem lógica para justificar que não vale a pena gastar a vida para alterar o ritmo fúnebre que a banda toca. É melhor simplesmente acompanhá-lo enquanto as notas desafinadas ressoam no espaço onde o tempo se gasta.
Mas se os olhos insistem em querer ver, eles percebem que é necessário libertar as pupilas cegas de quem não enxerga a própria exploração da qual é vítima. Por oito horas diárias, por anos a fio, por um salário que empurre as dívidas até o fim do outro mês.
“Viver de olhos abertos é muito difícil nos dias de hoje. Feche, feche os olhos, menina. Você pode acabar perdendo o bom emprego, o marido, os filhos, a casa com cachorro e piscina. Você não vai querer perder tudo isso. Você não pode querer perder tudo isso!”.
Levar a vida levando a vida é tudo o que olhos abertos não querem. E não é mais possível  fechá-los. Mesmo se fosse, o que foi absorvido e refletido de forma tão voraz e sincera não desaparecia enquanto houvesse sangue correndo nas veias.
Quem desafia e decide enxergar, pouco vê além nesse mundo de trevas. Há apenas estreitos caminhos que tentamos seguir. Queremos alargá-los com a força dos milhões de escravos da sociedade de hoje (que somos nós) para que possa haver o fim da exploração, da solidão das multidões, de vidas que simplesmente passam sem desenvolver o que poderiam oferecer à humanidade.
Mas não é fácil. Pessoas, traumas, instituições e regras se esforçam para apagar o caminho. Chicoteiam e laçam os desgarrados. Tentam sugar o resto de vida. Murcham o que há de belo. E quem resiste a tudo isso, adequa-se, triste, à falta de sentido.
Há, no entanto, quem não resista.
Perdemos uma dessas pessoas que fazem escolhas corajosamente duras.
E todos nós percebemos seus olhos bem abertos até o último momento.