Avesso?

sábado, 13 de outubro de 2012

Avesso?



Eu escrevia, escrevia, escrevia.

Isso durava mais de oito horas por dia.

E era inversamente proporcional. Quanto mais eu escrevia, mais me dava vontade de não falar nada.

Era o último dia do mês. Pagavam-me em espécie, com notas de 3 e 19 reais, que eu relutava, mas acabava tendo que aceitar. Era aquilo ou nada.

E com essas notas, eu só conseguia comprar dois tipos de comida, ambas enlatadas (a de 3 e a de 19 reais). Nenhuma era saborosa, mas davam muito sono. E era o que me restava: chegar em casa, comer e dormir.

Mas nesse dia, eu acordei no meio da noite com o barulho de alguém mexendo na porta. Pensei que fossem os outros moradores da minha casa. Levantei calmamente, passando pelo corredor, em direção ao filtro, para beber um pouco d’água. Foi aí que anunciaram o assalto.

-Fique tranquilo, não queremos suas coisas. Não precisamos de comida enlatada. Queremos apenas mostrar como sua vida é miserável.

Eles eram policiais e riam com prazer enquanto me espancavam com golpes de cassetete e pontapés.
Após um tempo, o chefe, cansado de brincar, decidiu finalizar a questão. Mas não achou a arma. De algum modo ela foi parar na minha mão.

Eu atirei.

Quando apertei o gatilho, muitas outras balas foram disparadas em direção aos policiais. Alguns foram alvejados, mas as balas não se alojavam em seus corpos. Elas percorriam a trajetória em câmera lenta, perfuravam meus inimigos, e tombavam no chão como pequenas bombas, causando explosões curtas. Uma fenda foi aberta no solo.

Ao passar por ela, ninguém precisou me avisar. Eu percebi imediatamente que o avesso estava do lado de fora.