Mercy Zidane: julho 2010

sábado, 31 de julho de 2010

Ex-futuro alto

Se você se sentou comigo na mesa de um boteco por mais de uma vez, já deve ter ouvido a seguinte história:

Eu era uma criança com tendência a ter grande estatura. Pai: 1,85m. Mãe: 1,75m.

Ouvi durante toda a infância e adolescência que eu cresceria muito, o que me fez até experimentar esportes como natação e basquete, apesar da óbvia vontade de ser jogador de futebol, comum a todo moleque (e frustrada em 95% dos casos).

E a expectativa era bem cumprida. Até aos meus 14 anos eu era o mais alto da sala.

Foi justamente aí que parei de crescer, estacionando no 1,72m. A tão esperada fase final de crescimento dos 18 aos 21 ainda não chegou, apesar dos 24 que ostento.

Ser alto é algo muito valorizado pelos padrões de beleza. A postura interpessoal dominante também tem muito do maniqueísmo alto/baixo. Vide palavras como "altivo", que significa "nobre, magnânimo" e até "alto", que em uma de suas possibilidades quer dizer "grande, importante", segundo o dicionário da Folha da Tarde que tenho aqui em casa.

Eu já superei o trauma de ser um ex-futuro alto. Meu pai ainda não se acostumou com a ideia de ter um filho baixinho, que não seja "grande, importante". Exemplo disso é o diálogo que tive com ele há uns três ou quatro dias, mais ou menos assim:

-Filho, comprei umas camisas muito boas, bonitas mesmo.
-Legal.
-Vou comprar uma para você. Qual é o seu tamanho? G?
-O quê?
-O tamanho da sua camisa é G?
-Não, é P.
-O quê?
-P.
-O quê? Não entendi.
-P! Pe-que-no.
-Não, não é possível, para você é no mínimo M!
-Pai... eu tenho 1,72m.
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Metalinguagem: leia o primeira parágrafo.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

É a dança da fragmentação

O que vou falar agora não é novidade para ninguém. Apenas resolvi ligar os pontinhos:


Quando entrei no curso de Jornalismo da Unesp, em 2005, não entendi de imediato a visão estratégica que os autores do projeto da terceira universidade pública estadual paulista tinham elaborado.

Parecia-me justo espalhar os campi pelo Estado, dando mais oportunidades para jovens do interior participarem de uma universidade pública sem que tivessem a necessidade de se deslocarem a grandes cidades, como São Paulo ou Campinas.

Com o passar do tempo e graças a conversas e leituras, percebi a desarticulação que uma universidade fragmentada provoca. Na questão acadêmica, a integração entre cursos é pequena. Em termos políticos, é bem mais complicada a comunicação, a mobilização das lutas, a organização da agenda de encontros, etc.

E, agora, cursando a minha segunda graduação, percebo mais claramente que isso não ocorre apenas geograficamente. A diferenciação é forçada pelos gestores entre cada uma das categorias universitárias.

Isonomia é o mecanismo que fazia com que os salários de funcionários e professores fossem reajustados na mesma proporção. O reitor João Grandino Rodas, da USP, quebrou tal paridade, aumentou os salários apenas dos professores. O que se cria? Diferenciação entre funcioários. Professor não é funcionário? "É, mas é mais qualificado, tem mais mérito, merece um maior aumento", dizem as vozes oficiais. A greve de funcionários amenizou seus efeitos, mas não os barrou.

Entre os que se consideram funcionários, já há os terceirizados (cerca de quatro mil entre os 15 mil servidores dda USP), predominantemente da parte de limpeza e manutenção. Ganham menos, fazem os trabalhos mais degradantes, não podem ser organizar politicamente senão são mandados embora. E os administradores matam o problema da "imundície" em períodos de greve, tornando uma paralisação longa de servidores mais tolerável à comunidade acadêmica que está se lixando para o fator público da universidade.

Na categoria dos alunos, os que estudam no campus leste da USP são considerados de segunda classe pelo mercado de trabalho. Segundo matérias divulgadas na imprensa recentemente, os cursos "específicos" (novamente a fragmentação) ministrados em tal unidade deixam seus alunos com diplomas inúteis. Será necessário um reingresso nos bancos universitários por mais um ano para complementar a formação e tirar um novo diploma em uma área mais aceita socialmente. A ideia surgiu da própria universidade.

Isso sem contar o Ensino à Distância, ou, se preferir, o ensino Semi-Presencial, como fez questão de afirmar Rodas, no Roda Viva, da TV Cultura. Ele já está sendo implantando via Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo) e sua emissora de TV. O estudante sai tão prejudicado por um formação de má qualidade que a própria USP, encarregada de expedir esse tipo de diploma, deixa explícito que não aceitará que seus professores sejam formados por tal modo de ensino. É a propria universidade afirmando diferença qualitativa.

E correm boatos de que professores das faculdades mais lucrativas à universidade querem melhores salários, com novos tetos, corroborando o que os estudantes barraram em 2007, quando Serra emitiu os famigerados decretos que valorizavam o ensino "operacional".

Divide aqui, fragmenta ali, reprime acolá. Alguém tem dúvida do objetivo final?
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Metalinguagem: vou ver se posto mais sobre política e universidade. Assuntos que tomam tempo de minhas reflexões, mas exigem uma argumentação um pouco maior (mesmo que ainda superficial) do que os vômitos sentimentais e futebolísticos que me habituei a postar por aqui ultimamente. A charge é de Latuff, durante a greve da USP de 2009.

domingo, 4 de julho de 2010

Jogo limpo para inglês ver

Copa da África do Sul, 2010. Inaugura-se um cerimonial "emocionante", copiado da Liga dos Campeões, em que meninos e meninas entram em campo antes dos jogadores, ao som de uma composição musical "forte", com a bandeiras das duas seleções adversárias. Antes, porém, outros garotos de bonés azuis carregam uma bandeira amarela. Ela abre o caminho estampando os dizeres "Fair Play".

As palavras em inglês significam "Jogo Limpo" e são um dos principais slogans da FIFA. Existe até um troféu "Fair Play" entregue ao fim de cada Copa ao time menos faltoso (como se apenas as faltas físicas e marcadas pelo juiz existissem - se a Costa do Marfim tiver poucos cartões amarelos, pode ganhar o troféu 2010, mesmo um de seus jogadores tendo tirado o brasileiro Elano da Copa. A Itália de Materazzi, em 2006, teria mais chances de levar o "Fair Play" do que a França do "descontrolado" Zidane).

Feche o parênteses e pense no jogo Gana x Uruguai, no exato momento em que Luis Suárez coloca as duas mãos na bola para evitar que seu time tomasse o gol aos 15' da segunda etapa da prorrogação, o que significaria a eliminação uruguaia.

Como todos sabem, o pênalti foi marcado para Gana e o uruguaio,expulso. Gyan desperdiçou a cobrança e seu time se desestabilizou emocionalmente. Nas penalidades posteriores, os ganeses foram eliminados em seu próprio continente.

Suárez, um ou dois dias após a partida, foi julgado por um tribunal da FIFA e pegou apenas um jogo de suspensão. Ou seja, se o Uruguai disputar a final da Copa, o "salvador" poderá participar.

Qual é o oposto do jogo limpo? A vitória a qualquer preço. Suárez ultrapassou o limite ético para fazer sua equipe vencedora. "Mas ele foi punido pela regra", uns podem dizer. É aí que se vê a fragilidade das legislações, mesmo no futebol. A bola iria entrar, todos sabiam, todos podiam ver. Gana se classificaria. Suárez salvou sua equipe deslealmente. O árbitro seguiu a regra. Quem foi beneficiado? Qual foi a vantagem de Gana ao ter um jogador do Uruguai expulso ao 15' da segunda etapa da prorrogação e trocar certeza do gol da classificação por uma possibilidade de gol em pênalti? A regra é clara. Claramente injusta.

E se o Uruguai estiver na final, o "herói" uruguaio entrará em campo após o cerimonal "emocionante", acompanhará a bandeira amarela do "Fair Play" despontar na saída do túnel, levada por criancinhas bonitinhas de bonés azuis e uniformes amarelos, mesmo após ter cuspido moralmente no jogo limpo, com o consentimento da FIFA.
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Metalinguagem: fiz uma pequena referência ao lance entre Zidane e Materazzi, em 2006, mas posso dizer que foi a grande inspiração para escrever este texto.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Um poema fodido de Pessoa

Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, esse licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo

Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

Na primeira página do livro "Ficções do Interlúdio/4 - Poemas de Álvaro de Campos". Não há título.
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Metalinguagem: tenho pensado bastante sobre isso.