Jogar bituca de cigarro, papel de bala e copinho de café na rua, infelizmente, ainda é um hábito bem comum Brasil adentro. Há certas desculpas razoavelmente aceitáveis, pois deveria haver mais lixeiras nas vias e coletores de bitucas nas saídas de bares... Mesmo assim, com um pouco mais de boa vontade, daria pra evitar essas pequenas poluições tão... Evitáveis (não tinha melhor palavra para definir).
"Ah, mas jogar ou não lixo na rua não vai mudar o modo como ele é gerido nessa sociedade que prioriza o consumo desenfreado", já me disseram colegas esquerdistas enquanto fumavam seus cigarros e preparavam os frenéticos dedos médio e indicador para atirarem a sobra do viciante prazer no meio-fio.
Eu não me convenço por esse tipo de resposta, apesar de a frase inicial do parágrafo anterior não estar errada. Enxergo ainda um certo preconceito da esquerda em geral com a questão ambiental, talvez a pauta menos absorvida das chamadas "pós-materialistas".
Vamos à digressão
Grosso modo, o marxismo clássico tentou explicar como a sociedade capitalista funcionava; o marxismo da virada para o século XX buscou criar modos de tomar o poder para transformar a sociedade. Só que, por volta dos anos 60 do mesmo século, principalmente na Europa, alguns movimentos reivindicavam outras coisas que não necessariamente o poder, e sim representatividade, visibilidade, aceitação. Os principais expoentes foram os movimentos feminista, negro, LGBTTI e ambiental.
Muitos partidos de esquerda e movimentos sociais incorporaram as pautas dos três primeiros grupos, tentando conciliar as necessidades de representação, fim de preconceito, aceitação, inserção no mercado de trabalho, etc., com a luta pelo fim do capitalismo (isso em alguns poucos agrupamentos que não se adaptaram demais à ordem vigente) - até porque toda essa galera, apesar de ser tida como "minoria", na verdade é muito numerosa no Brasil. Já a pauta ambiental, como a resposta padrão sobre o caso da bituca demonstra, sempre ficou mais ligada à clássica frase "isso a gente resolve depois da revolução".
Os ambientalistas geralmente eram mais ligados a camadas médias, certamente não almejavam a tomada do poder e, nas últimas décadas do século XX, apesar do rombo que se formava na camada de ozônio, não tinham a principal barganha para mobilização de massa, na minha opinião: o sentir o problema na carne (e isso mudou bastante desde então).
Voltemos aos dias de hoje
Problemas ambientais absurdos pipocam no noticiário do mundo inteiro: da disposição gigantesca de resíduos em aterros, passando por crimes ambientais, desmatamento, extinção de fauna e flora, e chegando nas emissões de CO2 (que desequilibram o efeito estufa) e na poluição em geral (que mata cerca de sete milhões de pessoas anualmente, mais que aids e malária juntas).
Um exemplo categórico bem debaixo do nosso nariz: dois projetos absurdos tramitam no Congresso Nacional. Em ambos (o PL 1.013/2011 e um decreto legislativo), reclama-se a liberação do uso de diesel como combustível para veículos leves. Atualmente, apenas ônibus e caminhões podem usá-lo, já que é muito mais poluente que a gasolina convencional. Em outras palavras, na contramão de algumas medidas tomadas nas principais metrópoles do mundo, o lobby da indústria está vencendo a disputa com a saúde de milhões de pessoas. Nas palavras do médico especialista em poluição atmosférica Paulo Saldiva, "Os veículos a diesel são as principais fontes de compostos como particulados finos e óxidos de nitrogênio e enxofre, que causam problemas sérios de saúde. Deveríamos discutir como ampliar o transporte coletivo e reduzir o uso de diesel, mas o projeto propõe o inverso: mais transporte individual e mais diesel. Ou seja, mais congestionamento, ar mais poluído e, potencialmente, mais mortes precoces”.
Essa pauta provavelmente não será tema de protestos na avenida Paulista ou de artigos em jornais de partidos e movimentos, mas, se a medida entrar em vigor, uma galera vai viver pior e morrer, e não são os que têm ar-condicionado com filtro que retém impurezas.
A materialidade da questão ambiental é mais evidente a cada dia. Na humilde opinião desse jornalista vermelho que trabalha com meio ambiente e consumo, já passou da hora de a esquerda abrir mais os olhos para esse tipo de questão. Concordo que os problemas mais estruturais da sociedade só se resolveriam por completo com uma outra lógica diferente da capitalista, que devastou recursos naturais, entupiu cidades de lixo, matou e criou milhares de pessoas em situação de rua, etc. Mas se formos esperar a revolução chegar para pelo menos pensarmos em fatores que amenizem problemas ambientais é capaz de a vida aqui na superfície já ter ido para o saco.