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quinta-feira, 25 de junho de 2015
São Paulo e os pernilongos
Gregório Duvivier, o ator de Porta dos Fundos, atentou contra uma norma paulistana ao elogiar a cidade, em sua coluna na Folha de S. Paulo. Na semana seguinte, recebeu uma chuva de emails indignados e captou perfeitamente o que chamou de acordo telepático entre os que habitam a metrópole, sintetizada na seguinte frase: "Elogiar a cidade é trair o espírito paulistano".
Certamente que existem pessoas que não gostam de São Paulo e podem reclamar de um milhão de coisas (chuva que alaga vias, distâncias enormes, quantidade de pessoas que os vagões de metrô expelem às 18h, etc.). Mas os que não pensam muito sobre isso, quando entram numa rodinha de conversa com algum ferrenho paulistano anti-São Paulo, vêem-se obrigados acenar a cabeça com condescendência e prolongar aquele "éééééé" que só quem não quer estragar o clima amistoso enveredado pelo sentido geral da conversa sabe pronunciar. Chega a ser constrangedor dizer que São Paulo é uma cidade legal em alguns (e por que não muitos?) aspectos.
E aí você já supõe que eu sou defensor máximo da grande metrópole da América Latina e que vou babar aquele ovo para a diversidade de shows, as opções de lazer, a proximidade dos amigos (já que muita gente mora aqui), etc. Pois se enganou.
Gosto mesmo de várias coisas - de cabeça, pra além das já citadas, consigo pensar no fato de ser o olho do furacão brasileiro, de tudo acontecer por aqui (de manifestações a exposições); e de poder fazer uma das coisas que eu mais gosto na vida (ir aos jogos do Palmeiras) com certa facilidade -, mas quero falar de algo que essa cidade tem e que me deixa extremamente puto.
No fim do dia, depois de trabalhar, estudar, comer um pão de forma com queijo e tentar fazer algo para me divertir (pornografia, videogames ou até este texto que você está lendo), deito na cama e tento relaxar os músculos ao máximo, como qualquer um que vai dormir. No momento em que os pensamentos já estão mais lentos e os sonhos começam a dar lambidas no cérebro, surge aquele terrível "zzzzzzzzzzzZZZZZzzzzzzzzzZZZZZZZZZZ" soando como as trombetas do inferno e transformando todo relaxamento em tensão. Os tapas de desespero que dou acertam o vácuo ou a minha própria cara e me levanto, cabreiro, acendendo a luz à caça do meu algoz. Grito um "aparece desgraçado!" na esperança de que o inseto se materialize em um Schwarzenegger com asas, porque mesmo se ele tivesse dois metros de altura, nesses momentos de adrenalina, o verme, digo, inseto, levaria uma surra.
"Ah, isso é passageiro, coisa do tempo quente". Cara, já estamos em julho e lá em casa os malditos não somem. Chego até a duvidar quando ouço o zumbido ao longe. "Será coisa da minha cabeça"? "Tô virando um pernilongo-neurótico"? Enquanto a relativização parece fazer sentido, um deles atordoa tudo com o barulhinho do capeta e o processo de tapas no vácuo e toalhadas na parede recomeça.
Uns dias atrás, presenciei uma cena traumática. Após dormir, acordar com o zumbido e não conseguir regressar ao sono por causa do barulho, levantei, acendi a luz e observei cerca de dez pernilongos dispostos na parede em que a cabeceira da cama se encosta, digerindo meu sangue recém-chupado enquanto outros membros da tropa preparavam o ataque. Foi assustador enquanto durou - pois logo a toalha retorcida entrou em ação.
Não uso os venenosos plugs de parede, mas ouvi dizer que eles não funcionam tão bem (será que a poluição paulistana acelera a seleção natural dos bichinhos?). Já tentei hidrolato de citronela e a própria citronela, além de repelente aplicado direto na orelha... Mas o que funciona mesmo é o ventilador - só que, convenhamos, é um saco ouvir o barulho das hélices de madrugada e acordar resfriado por uma queda acidental da coberta.
O alento é que meus algozes podem me proporcionar a saída do sedentarismo, pois a solução mais indicada parece ser a muito bem recomendada raquete elétrica - o "tênis de pernilongos" será uma atividade física noturna muito prazerosa. Já até sonho com os voleios e backhands.
quarta-feira, 17 de junho de 2015
quarta-feira, 10 de junho de 2015
Seis motivos para que Oswaldo de Oliveira não fosse demitido do Palmeiras
O técnico Vanderlei Luxemburgo, o Luxa, pivô de tantas polêmicas e trambiques (apesar de vitorioso no passado), é muito conhecido por valorizar o "projeto" futebolístico de um clube. Trata-se de uma coisa aparentemente racional: iniciar um trabalho no começo da temporada, pinçar as contratações necessárias, estabelecer previamente as possibilidades do time nos certames a serem disputados e, acima de tudo, não demitir o técnico depois de duas ou três derrotas seguidas - o que é sempre o mais fácil a se fazer por parte da diretoria para dar uma resposta à torcida e "arejar" o ambiente. Os três primeiros atos costumam ser, sem dúvidas, mais cumpridos que o último.
Por dois motivos o "projeto" de Luxa virou piada: o primeiro é o linguajar peculiar do treinador, que transformou a palavra em "pojétu"; o segundo é o fato de que, de 2005 pra cá, Luxa passou exatamente por dez clubes - ou seja, em nenhum deles os "pojetinhus" foram levados adiante.
Oswaldo de Oliveira, o popular OO, ex-auxiliar de Luxa, foi a última vítima da mal falada "cultura do futebol brasileiro" que seu mestre, com razão, amaldiçoa. O agora ex-técnico do Palmeiras tinha 1000% de confiança do diretor de futebol Alexandre Mattos quatro dias antes da demissão - um empate com o Inter, em casa, e uma derrota para o Figueirense, fora, fizeram o "extrapolante" saldo ficar negativo.
Considero que a demissão foi um erro e vou elencar os motivos nos tópicos abaixo, mas antes, algumas ponderações: com cinco meses de trabalho, o time já deveria sim estar mais equilibrado - a defesa apresentou enormes buracos nas partidas contra Atlético-MG e Joinville, e o ataque foi ridículo contra Goiás, ASA e Figueirense, trocando bolas de forma inócua, sem nenhuma vontade de fazer gol; e, apesar de ser uma medida simples e populista, às vezes a troca de treinador funciona quando o clube dá sorte. Agora sim, vamos à lista:
1. Oswaldo fez o time jogar o melhor futebol desde 2009
Muricy, Antônio Carlos Zago, Felipão, Kleina e Dorival. De 2009 pra cá, com a exceção de Gareca (que tinha um time terrível), o Palmeiras só teve técnicos retranqueiros, que fechavam a casinha, esperavam por um escanteio ou por uma falta lateral para meterem bola na área. Oswaldo decidiu que o time proporia o jogo, manteria a posse de bola e tentaria triangulações, tabelas, viradas de jogo. Ele fez o Palmeiras jogar para frente, resgatando, mesmo que só um pouco, o DNA da Academia. "Ah, mas ele tinha jogadores para isso" alguns podem dizer. Sim, o elenco é bem melhor do que nos anos anteriores, mas muitos técnicos disponíveis no mercado não teriam o mesmo ímpeto de OO para se lançarem ao ataque.
2. Oswaldo venceu os três clássicos regionais em apenas cinco meses
No início do ano, o Palmeiras estava com o estigma de time que não ganha clássicos - em toda a temporada de 2014, o time venceu apenas um clássico regional (contra o São Paulo, no Paulista) e o jejum contra o Corinthians datava de 2011. Apesar da derrota no Allianz Parque ante o maior rival no primeiro clássico de 2015, o Palmeiras fez uma excelente partida contra o São Paulo, venceu com propriedade o Santos no primeiro jogo da final e eliminou o Corinthians do Paulista em Itaquera, além de vencer no Entulhão novamente pelo Brasileiro. Essas vitórias foram muito importantes para resgatar o respeito frente aos adversários e o orgulho da torcida. Para se ter uma ideia, o Palmeiras, até Oswaldo assumir, era a equipe grande com pior desempenho em clássicos regionais na década: sete vitórias em 35 jogos.
3. Em pouco mais de um ano, Palmeiras terá contratado cinco técnicos
A média de tempo de trabalho de um técnico no Palmeiras é de 2,6 meses no último 1 ano e 1 mês. Claro, há de se ponderar que, na luta contra o rebaixamento na temporada passada, as demissões de Kleina e Gareca foram necessárias e que Dorival foi só um tapa-buraco. Mas qual treinador consegue conhecer o elenco, ver suas qualidades e defeitos, implementar esquemas de jogo e ganhar a confiança dos jogadores em períodos tão curtos? A diretoria pode contratar os melhores técnicos do Brasil que não vai adiantar nada. Fulano começa o trabalho, indica jogadores para o elenco de acordo com seu esquema tático preferido e, após uma sequência de tropeços e oscilações na qualidade do futebol, é demitido. O segundo já chega para apagar incêndio e precisa transformar tudo da água para o vinho tendo como base o trabalho do sucessor, já que é impossível alterar radicalmente as estruturas no meio da temporada. Isso vira uma muleta da diretoria, que mesmo esfacelando o projeto inicial, afirma que "tentou mudar".
4. Destaques do elenco foram indicados por Oswaldo
Gareca indicou vários jogadores argentinos em 2014 e quatro foram contratados: Mouche, Cristaldo, Allione e Tobio. No time atual, nenhum deles é titular (e mesmo se Mouche e Allione estivessem com 100% das condições físicas, provavelmente não estariam nos 11 iniciais). Já com Oswaldo, a história é diferente: das 22 contratações do Palmeiras para a temporada, cinco foram indicações do ex-treinador: Lucas, Gabriel, Rafael Marques, Arouca e Fellype Gabriel. Os três primeiros têm se destacado, enquanto Arouca ainda não chegou ao auge de sua performance e Fellype ainda recupera a forma física. Ou seja, mesmo querendo montar uma filial do Botafogo de 2013, OO acertou nas indicações até o momento.
5. Oswaldo mexia no time quando alguém ia mal
Leandro Pereira começou o ano como titular, mas Churry Cristaldo entrava no segundo tempo e marcava gols sempre. Oswaldo então colocou o argentino nos 11 iniciais até ele se machucar e deixar Banana pegar a vaga no final do Paulista. Quando Churry recuperou a vaga, mas deixou de ser efetivo (partidas contra ASA e Goiás), OO o sacou do time e lançou mão do esquema de três atacantes sem referência (jogos contra Corinthians e Inter). Zé Roberto foi péssimo na parte defensiva contra Atlético-MG e Joinville - Oswaldo promoveu Egídio e botou o veterano no meio. Eu tocaria minha corneta caso Zé fosse titular contra o Fluminense, mas ele já tinha colocado o jogador no banco em outras oportunidades e acho que percebeu a falta de efetividade do jogador como meia nas últimas partidas.
6. Se o time está em formação, por que exigir resultados imediatos?
O time de 2014, para muitos, foi o pior da história. Em 2015, tudo parecia ser diferente até que o Brasileirão começou e a equipe, tida como uma das favoritas, apresentou falhas. Elas se davam principalmente no setor criativo quando Valdivia não estava inspirado ou não podia jogar e quando o adversário armava um ferrolho. De qualquer modo, o mantra do "time em formação" vinha sendo entoado por comissão técnica e diretoria desde o começo do ano, afinal, 22 jogadores haviam sido contratados. Como pode o cara responsável por efetivar essas mudanças simplesmente ser demitido se o time ainda está se moldando e sendo testado contra adversários mais difíceis no início do Brasileirão? A diretoria realmente acha que o time está em formação? Porque não é possível afirmar isso e exigir uma campanha de título nacional após seis rodadas do maior certame do país com tantas alterações em tão pouco tempo. Se o próximo técnico não conseguir um título ou tropeçar na disputa pela Libertadores recomeçamos do zero novamente?
Sei que a percepção de uma partida de futebol é algo bem subjetivo e muitos podem contrapor todos os meus argumentos tendo assistido aos mesmos jogos que eu. Há outros fatores que não levei muito em conta, como a experiência de OO (não dá pra se referenciar só no passado), a chegada à final do Paulista (nível muito baixo) e os títulos por ele conquistados (a maioria foi no Japão). Fiquei chateado com a demissão, mas sei que, com um pouco de sorte, é sim possível que o novo comandante dê certo, seja ele Marcelo Oliveira ou Cuca. O próprio Luxa, citado no início do texto, teve seu primeiro "pojétu" em time grande após entrar no lugar de Otacílio Gonçalves, no meio da campanha do Palmeiras que culminou no título Paulista de 1993 (e que depois abriria caminho para mais um Paulista e dois Brasileiros). O problema é a diretoria, que se diz diferente, continuar mandando embora um técnico atrás do outro.
quarta-feira, 3 de junho de 2015
O futebol não é da Fifa
Não se sabe o motivo, mas quando o pé de uma criança ataca uma bola (de couro, sintética, de meia ou de qualquer outro material) pela primeira vez, em muitíssimos casos, tem início uma paixão que se estende até o fim da vida. Ela se desenvolve com o bate-bola na rua com os amigos, com o amor incondicional a um clube e com a aflição nos domingos em frente à televisão. A coisa é forte no Brasil, mas o mesmo ocorre na Itália, na Argentina, na África do Sul e em muitos outros países: são 270 milhões de praticantes em todo o mundo, segundo dados estimados por uma certa Fédération Internationale de Football Association (Fifa – Federação Internacional de Futebol, em tradução livre), que será citada adiante.
Mas quem inventou esse esporte tão simples e apaixonante? Há quem diga que foram os ingleses, em meados do século XIX, mas existem teorias de que o “foot-ball” é derivado de práticas chinesas bem mais antigas, datadas de 3000 aC. Convenhamos, é pouco provável que, em aproximadamente 200 mil anos de existência da raça humana, a brincadeira de chutar um objeto esférico tenha se dado pela primeira vez há cerca de cem primaveras. As regras como as conhecemos hoje podem ter sido criadas pelos britânicos, mas a coisa difícil de explicar, a compulsão em chutar uma bola, essa já estava aí no mundão faz tempo. É um patrimônio da humanidade.
As regras inglesas fizeram o “futebol formal” explodir e superar o críquete e a corrida de cavalos no gosto popular, no início do século XX. Em 1904, na França, alguns cartolas perceberam o potencial do futebol como negócio e fundaram a tal Fifa. Os objetivos seriam organizar competições e expandir o esporte; na prática, a criação da entidade foi a tentativa mais bem sucedida de sequestrar um bem popular. Se a bola não era de ninguém, a Fifa a colocaria debaixo do braço para se proclamar a dona do esporte.
Surgiram então as melhores cartadas da Fifa: os campeonatos mundiais. A corrupção comeu solta desde o primeiro deles, no Uruguai, em 1930 – isso nem o ridículo filme oficial da Fifa, que retrata dirigentes da entidade como heróis do futebol (produzido com US$ 27 milhões da própria entidade) consegue esconder. A popularidade do esporte impulsionou a federação que, principalmente depois da eleição do brasileiro João Havelange como presidente, em 1974, cresceu na mesma medida em que seus esquemas de lavagem de dinheiro, de manipulação de resultados e de venda de votos para escolha de localidades de campeonatos.
Hoje a Fifa é sinônimo de um dos eventos mais rentáveis do mundo (Copa do Mundo Fifa); de um dos jogos de vídeo game mais populares do planeta (Fifa Soccer); e de muita, muita corrupção. Com milhões de dólares na conta, patrocinadores mais poderosos do mundo e o controle de eventos com os melhores jogadores do planeta, quem poderia ir contra a autointitulada dona da bola? O jornalista inglês Andrew Jennings foi ... E ao longo de praticamente quatro décadas ele tentou desmascarar as falcatruas da Fifa com investigações profundas, publicadas na imprensa e em livros. Tudo o que o britânico tanto alardeou finalmente veio à tona na última semana.
Pelo menos sete dirigentes da organização foram presos em Zurique, na Suíça, antes do início do congresso da Fifa, acusados de participação em um gigantesco esquema de corrupção no futebol. Os valores desviados chegam a US$ 150 milhões, mas tudo leva a crer que essa é apenas a ponta do iceberg. Bilhões de dólares e terríveis consequências (como as mortes por trabalho escravo no Catar, sede do mundial de 2022) estão na base dessa estrutura.
Entre os presos está José Maria Marin, um típico “filhote da ditadura”, (filiado à Arena na ditadura militar e acusado de perseguir o jornalista Vladimir Herzog, posteriormente assassinado). Ele era o presidente da Confederação Brasileira de Futebol no ano passado, quando ocorreu a superfaturada Copa do Mundo no Brasil, que também está sendo investigada. Entre as proezas de Marin estão o roubo descarado de uma medalha durante uma premiação de futebol júnior e o batismo da nova sede milionária da CBF com o próprio nome – prontamente removido quando a prisão do cartola ocorreu.
A Fifa e seus dirigentes, depois de décadas com a bola debaixo do braço e enriquecendo com o futebol moderno (transformado cada vez mais em produto televisivo absurdamente lucrativo), começaram a perceber que não podem tudo. A bola não é deles, muito menos o futebol. Ninguém precisa de organizações corruptas cheias de executivos que nunca chutaram uma bola na vida para realizar campeonatos. Precisamos é de crianças que joguem futebol com um objetivo simples: a diversão. Enquanto essa paixão existir, o futebol resistirá, apesar da Fifa.
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Metalinguagem: texto escrito na semana da prisão de dirigentes da Fifa para o Esquerda Diário.
segunda-feira, 1 de junho de 2015
Encarando clichês como uma mamma italiana
No meio dos anos 90, a internet nascia de verdade aqui no Brasil e, antes que a década acabasse, algumas empresas lançaram serviços gratuitos de postagem de conteúdo para pessoas "comuns", que ainda aprendiam a navegar em sites e mandar emails (basicamente, as duas fantásticas coisas que a rede mundial de computadores proporcionava - e com internet discada). Surgiam o blog e, posteriormente, o fotolog (um blog com mais ênfase em fotos).
E como nessa época o cara que inventou a primeira rede social ainda estava jogando despreocupadamente o seu Fifa 95, as pessoas usavam essas duas ferramentas para fazer o que é hábito hoje em dia no Facebook, no Instagram e em outras redes do tipo: chorar as pitangas, comemoras as alegrias, expressar os pensamentos mais recônditos, tirar uma selfie (que não se chamava selfie) com a nova câmera de pouquíssimos megapixels... Brotava da rede não só o blog pessoal, mas um inconsciente conceito de uso da internet que focava justamente na falta de foco.
Este humilde blog que você está lendo agora foi concebido mais ou menos uma década depois (2006). Já existia o hoje descontinuado Orkut, mas o espírito "blog pessoal" ainda não tinha sido varrido da internet brasileira pelas facilidades das redes sociais vindouras. O Mercy Zidane ainda sofria um pouco dessa pressão e, apesar de ter sido criado por duas cabeças, não tinha foco algum; só que também não apresentava um conteúdo tão pessoal a ponto de ser desinteressante para o leitor que não conhecesse os autores (com exceções de alguns posts, claro, e de alguns usuários que podem ter odiado os textos ao longo dos anos).
O blog seguiu com idas e vindas, altos e baixos, mas a falta de foco, esse princípio basilar do Mercy, manteve-se firme e forte, enquanto amigos blogueiros esqueciam a senha de suas contas no Blogger e no Wordpress e outros criavam páginas especializadas em determinados assuntos, deixando as aleatoriedades para Orkut e Facebook. Após o maior hiato da página (entre 2012 e 2013), percebi como escrever e criar neste espaço me fazia bem e resolvi retomá-lo com certa regularidade. Só que algo me incomodava.
Minha vó Rosa, quando prepara o almoço que só uma mamma italiana como ela sabe fazer, pergunta insistentemente à visita se o gosto lhe apetece. É um misto de orgulho e desejo de melhorar (com uma pitada de carência).
No Mercy, por mais que os posts sempre tenham sido feitos com muita dedicação e carinho, faltava dar aquela ajeitada na toalha, juntar os garfos e as facas da mesma marca, esconder o copo de requeijão, trazer a cadeira confortável para a visita e, sem dúvida, explicar para ela quais eram as variedades dentro das panelas. Deixando de lado por poucos caracteres as metáforas toscas, faltava um design legal e funcional e um jeito de explicar quais eram os assuntos e tipos de postagens predominantes no meio desse mar de falta de foco (olha outra metáfora aí hehe).
O centro desse novo layout seria um desenho feito por mim e que tentasse mostrar os diversos assuntos e tipos de abordagens da página. Quem veio à mente? Sim, Dona Rosa, a mamma italiana. Uma caricatura de minha vó gritando com a camisa do Palmeiras estamparia a capa do blog. Mas quando o esboço já estava feito, lembrei de uma entrevista do Mauricio Pereira em que ele dizia que "é preciso se livrar da piada para fazer poesia" ou algo do tipo. Certamente que isso depende da pessoa, mas percebi que mesmo que o desenho ficasse legal, ele não expressaria o que é a página - ela pode ter algumas coisas engraçadas, mas não é de comédia.
Finalmente, os clichês
Então pensei um pouco sobre todas essas coisas que já falei aí em cima e meti um desenho de mim mesmo nessa pose meio pensador, meio Marjane Satrapi; com a chuva que aparece em anime japonês quando a coisa não vai bem para o protagonista, uma bola de futebol debaixo do pé, um violão sombreado na mão, um rádio palestrino e uma câmera comunista mais escondidos. Eu reconheci essas coisas, as emoções que elas me proporcionam e que eu tento passar por aqui. Mesmo que sejam deliberadamente ou resvalem em clichês, encarei-as e tentei expressá-las, de peito aberto, nesses desenhos que acabaram formando o novo layout. Véio, é de coração.
Depois, fiquei meses para aprender a fazer as coisas que eu queria no html da página e, com muito esforço, consegui. Agora o usuário pode seguir as redes sociais, compartilhar os posts, assinar newsletter, ler e comentar as postagens mais facilmente e ter muitas informações sobre a página que antes eram inacessíveis.
Por fim e relembrando o espírito de quando não havia redes sociais, obrigado à minha amiga Carol que me ouviu tanto falar dessa bendita página nos últimos meses e deu ótimas dicas, à Vanessa, que captou a mensagem do desenho e me fez acreditar mais nele e à Lais, que deu toques fantásticos para que tudo saísse mais ou menos do jeito que eu estava pensando.
Feito o discurso de vitória de Oscar, espero que este post abra caminho para uma nova fase do Mercy Zidane: a da velha falta de foco, mas com a cozinha arrumada.
Boa leitura.