A equilibrista de angústias

quinta-feira, 17 de julho de 2014

A equilibrista de angústias

Não tinha medo da morte, ou apenas dela. Morrer, em muitas situações, poderia ser reconfortante. Um alívio; um momento em que a dor cessa e se transforma num "quase prazer". O que a angustiava era o longo caminho de sofrimento até a ruptura. Tinha medo de picos de dor que seriam tão fortes a ponto de transformarem a morte na escolha mais fácil.

Percebeu sua fobia quando lia sobre histórias de grupos que tiveram que renunciar à vida que levavam e foram obrigados a mergulhar numa nova realidade, sobrevivendo com pouca perspectiva de retomada ou de mudança.

Então imaginava o sentimento individual nesse contexto. Sentia a dor de um índio brasileiro do período de 1500 após a captura por portugueses, sendo obrigado a comungar, aprender uma nova língua, trabalhar para ter menos do que a natureza lhe dava antes e a pensar que a vida toda seria batalhar para criar um milagre, oposto pelo vértice à maldição da chegada européia.

Pensava em alguma negra insurreta de um quilombo nordestino do século XVII ou XVIII. Tirada de seu continente, revoltou-se após muitas chibatadas, mas se via cercada por tropas imperiais. Por mais que lutasse e conseguisse sobreviver, sabia que carregaria a dor da morte de irmãos e da saudade de uma existência que não tinha mais como voltar.

Suava frio e se perguntava o que faria em tais situações. Desconfiava, mas não sabia.

Olhava para si. Tinha que agradecer as oportunidades que tivera e que muitos sonhavam ter. Mas via, de um lado, as oito horas de trabalho, as obrigações e cobranças por toda parte, mesmo de quem a amava. Do outro, percebia que a infância perdera a cor gostosa que a memória costuma dar e que seus prazeres atuais eram vazios, mesquinhos e de difícil superação. A luz, lá no fim do túnel, um dia viria, mas conseguiria ela suportar uma existência sem sentido? Anos a fio de segundos insossos desfilando a sua frente pesavam e causavam desequilíbrio. Ela chorava.

Às vezes, para não cair, jogava coisas para cima enquanto andava sobre a corda bamba. Noutras, quando enxergava as cores, segurava-se com a força de seus braços e pernas à linha mestra. Mas esses momentos eram curtos e um dos lados ia ficando novamente mais pesado a ponto de fazer a respiração doer. O suor frio voltava. Respirava fundo, tentava secar as lágrimas e não pensar no que sabia que iria aparecer em sua mente.

Nessas horas, a dor a fazia correr mais livre. Enxergava o caminho, mas não era ele o que a estimulava. Apenas não se importaria com a queda.