Conciso elogio à concisão (com um exemplo)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Conciso elogio à concisão (com um exemplo)

Há menos de dois anos, aluguei o romance "Vastas emoções e pensamentos imperfeitos", de um dos meus autores favoritos - Rubem Fonseca, em alguma biblioteca paulistana.

A trama gira em torno do fanatismo do personagem principal, um roteirista de audiovisual que tem a chance de filmar algo que realmente lhe dê prazer, em encontrar os escritos perdidos do contista soviético Isaac Bábel, exatamente para transformá-los em filme.

Bábel é famoso por ter escrito a obra "Cavalaria Vermelha", também conhecida como "O Exército de Cavalaria", que relata, em contos curtos e do ponto de vista de um participante das tropas, as convulsões sociais pelas quais a URSS passava nos anos 1920, quando enfrentava exércitos de vários países vizinhos.

Fonseca é um mestre da concisão. Com pouco texto e diálogos secos, consegue dar vazão a sentimentos que não podem ser expressos com muitas palavras. E é isso o que mais o inspirava em Bábel.
Aproveitando a promoção de uma editora, adquiri a tal obra prima do escritor soviético e fiquei apreensivo para ver se a concisão de Babel era realmente devastadora, mesmo não sendo lida no idioma original.

No primeiro conto, que tem apenas três páginas, as lágrimas já saltaram dos meus olhos.


"-Pan* - ela me diz -, o senhor está gritando muito, está muito agitado. Vou arrumar sua cama em outro canto. Desse jeito o senhor incomoda meu pai...
Ela ergue do chão suas pernas magras e o ventre redondo, e retira o cobertor do homem adormecido. É um velho morto que jaz ali, deitado de costas. Sua garganta está cortada; o rosto, partido ao meio; e um filete azul de sangue coagulado na barba, como uma lasca de chumbo.
-Pan - diz a judia, sacudindo o enxergão -, ele foi morto pelos poloneses. Ele lhes suplicou: "Matem-me no pátio interno para que minha filha não me veja morrer". Mas eles fizeram o que queriam, e ele morreu neste quarto, pensando em mim... E agora eu queria saber - disse a mulher num rompante, com uma força terrível -, queria saber em que lugar da Terra encontrarei um pai igual ao meu..."

Trecho final do conto "A trevessia do Zbrutch", de Isaac Bábel, tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade
*"Pan" significa "senhor" ou "senhora" em polonês.