Há menos de dois anos, aluguei o romance "Vastas emoções e pensamentos imperfeitos", de um dos meus autores favoritos - Rubem Fonseca, em alguma biblioteca paulistana.
A trama gira em torno do fanatismo do personagem principal, um roteirista de audiovisual que tem a chance de filmar algo que realmente lhe dê prazer, em encontrar os escritos perdidos do contista soviético Isaac Bábel, exatamente para transformá-los em filme.
Bábel é famoso por ter escrito a obra "Cavalaria Vermelha", também conhecida como "O Exército de Cavalaria", que relata, em contos curtos e do ponto de vista de um participante das tropas, as convulsões sociais pelas quais a URSS passava nos anos 1920, quando enfrentava exércitos de vários países vizinhos.
Fonseca é um mestre da concisão. Com pouco texto e diálogos secos, consegue dar vazão a sentimentos que não podem ser expressos com muitas palavras. E é isso o que mais o inspirava em Bábel.
Aproveitando a promoção de uma editora, adquiri a tal obra prima do escritor soviético e fiquei apreensivo para ver se a concisão de Babel era realmente devastadora, mesmo não sendo lida no idioma original.
No primeiro conto, que tem apenas três páginas, as lágrimas já saltaram dos meus olhos.
"-Pan* - ela me diz -, o senhor está gritando muito, está muito agitado. Vou arrumar sua cama em outro canto. Desse jeito o senhor incomoda meu pai...
Ela ergue do chão suas pernas magras e o ventre redondo, e retira o cobertor do homem adormecido. É um velho morto que jaz ali, deitado de costas. Sua garganta está cortada; o rosto, partido ao meio; e um filete azul de sangue coagulado na barba, como uma lasca de chumbo.
-Pan - diz a judia, sacudindo o enxergão -, ele foi morto pelos poloneses. Ele lhes suplicou: "Matem-me no pátio interno para que minha filha não me veja morrer". Mas eles fizeram o que queriam, e ele morreu neste quarto, pensando em mim... E agora eu queria saber - disse a mulher num rompante, com uma força terrível -, queria saber em que lugar da Terra encontrarei um pai igual ao meu..."
Trecho final do conto "A trevessia do Zbrutch", de Isaac Bábel, tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade
*"Pan" significa "senhor" ou "senhora" em polonês.
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sexta-feira, 19 de agosto de 2011
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
Despedidas e aniversários
Eu gosto de despedidas.
Não das que ocorrem no dia-a-dia, mas das significativas, as que te separam de pessoas e/ou lugares extremamente marcantes.
As rupturas desse tipo podem até causar prazer quando a quebra se dá em situações ruins, mas quando digo “gostar”, não é desse tipo de sentimento que estou falando.
Um rompimento de rotina costuma gerar uma crise. A vida está prestes a não ser a mesma e isso é tão assustador quanto excitante, mas o perceber isso é bem complicado.
As despedidas servem para digerir essa nova situação. É um balanço de tudo que um momento que termina representa. É um dar de cara com a realidade, muitas vezes difusa, que te sussura: você ultrapassou uma linha. O retorno já não é mais possível.
A despedida faz aceitar ou se revoltar, mas independentemente da reação, ela delineia as feições da tal realidade. Eu gosto disso.
E, semana passada, no meu aniversário, percebi que o fato de eu odiar meus próprios aniversários tinha a ver, paradoxalmente, com a mesma coisa.
Cada aniversário é como uma despedida involuntária de coisas que aconteceram, de pessoas que apareceram, e um apontar de novas perspectivas.
E talvez pela nova realidade ter feições duras, mas belas, eu perdi o medo de encará-la e, pelo menos dessa vez, gostei do meu aniversário, assim como gosto de uma importante despedida.
Não das que ocorrem no dia-a-dia, mas das significativas, as que te separam de pessoas e/ou lugares extremamente marcantes.
As rupturas desse tipo podem até causar prazer quando a quebra se dá em situações ruins, mas quando digo “gostar”, não é desse tipo de sentimento que estou falando.
Um rompimento de rotina costuma gerar uma crise. A vida está prestes a não ser a mesma e isso é tão assustador quanto excitante, mas o perceber isso é bem complicado.
As despedidas servem para digerir essa nova situação. É um balanço de tudo que um momento que termina representa. É um dar de cara com a realidade, muitas vezes difusa, que te sussura: você ultrapassou uma linha. O retorno já não é mais possível.
A despedida faz aceitar ou se revoltar, mas independentemente da reação, ela delineia as feições da tal realidade. Eu gosto disso.
E, semana passada, no meu aniversário, percebi que o fato de eu odiar meus próprios aniversários tinha a ver, paradoxalmente, com a mesma coisa.
Cada aniversário é como uma despedida involuntária de coisas que aconteceram, de pessoas que apareceram, e um apontar de novas perspectivas.
E talvez pela nova realidade ter feições duras, mas belas, eu perdi o medo de encará-la e, pelo menos dessa vez, gostei do meu aniversário, assim como gosto de uma importante despedida.
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Metalinguagem: tá um bagulho meio auto-ajuda, mas tive vontade de escrever e não me reprimi.
Metalinguagem: tá um bagulho meio auto-ajuda, mas tive vontade de escrever e não me reprimi.