As capivaras da marginal

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

As capivaras da marginal



 Plataforma da linha férrea da marginal Pinheiros. Na estação Vila Olímpia, às vezes o trem chegava capenga, sem metade dos vagões. Densidade que fazia o frio mais rigoroso virar calor insuportável por debaixo das camadas de blusas e cachecóis. Por alguns quilômetros de linha quase reta, o inferno no inverno só acabava se a massa toda decidisse debandar, ou se ela te deixasse ser expelido (um pedido de licença costumava não bastar).

Subir as escadas com mochila nas costas para atravessar a ponte. Dava até para esquecer do fedor do esgoto desaguado no leito, com garrafas, pneus e um tanto de espuma boiando, e caminhar olhando o pôr do sol no horário de verão com um sorrisinho no rosto enquanto os carros engarrafados buzinavam e o fone de ouvido concentrava a mente em John Lennon cantando "Oh Yoko".

Esse cenário deslumbrante, típico da Zona Oeste de São Paulo por volta de 2010, só ficaria completo com as capivaras, que saíam do "mar de merda", que na verdade é um rio, e descansavam nas bordas, chocando as crianças nos bancos de trás dos automóveis - elas provavelmente nunca tinham visto animais maiores que cachorros. Muita gente nas cumbucas de metal nem notava os bichos, nem pensava em como esses ratões podiam sobreviver a tanto, a tanto... São Paulo.

Se nós não pensávamos nelas, elas certamente não estavam preocupadas conosco. Eu seguia meu caminho, sem sofrer pela falta de afeto das peludas, pegando ônibus, aulas-ônibus (cheias de pessoas com fisionomias de passageiros cansados, como disse um camarada), voltando tarde, e não me lembrava de procurar na Wikipedia sobre esses animais tão simpaticamente chocantes: nadando na merda com fofura, respirando poluição com tranquilidade. Tão parecidos conosco.