Mercy Zidane: setembro 2016

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Questões




Quando sobra um pedaço de tempo amassado e as ideias tentam correr o mais longe que as sinapses permitem, surgem questões.

Quantas pessoas já viveram no mundo desde que nossos corpos se desenvolveram para serem o que são? Quantos pensamentos incríveis cada um desses universos de carne e osso teve a partir de estímulos da vida que fica cada dia mais maluca, mas que nunca deixou de sê-la? Quantos, tão incríveis, ficaram guardados, mudos e sumiram com seus donos?

Filas de milhões de mortos. Estamos na ponta delas. Sustentaremos a herança desses zumbis na eterna tentativa de superá-los. Coletivamente e/ou com nossas subjetividades, queremos fazer "história".

Ou menos, ou apenas marcar nossas existências. Estivemos aqui. Vivemos, fizemos coisas, como todo mundo. Tentamos o diferente e não conseguimos, na maioria das vezes. Porque é impossível nos descolarmos de tudo e é tão mais fácil arriscar no certo. Tão mais chato.

O tempo vai nos enterrar sem piedade, eliminando rastros, despessoalizando ideias. O tataravô do bisavô respirou o mesmo ar que passa pelos nossos pulmões. Sequer sabemos seus nomes.

Nossos gritos e fotos e textos e discursos vão se apagar. Algumas ideias vão se repetir nos cérebros que nem nasceram.

Outras, conosco vão desaparecer.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Enquanto isso, no mundo das metáforas de Temer...

Sim, todo mundo tem o direito de se equivocar em algum momento. Mas resolvi pegar no pé do Drácula porque, além de ser um golpista, foi exaltado por parte da imprensa como uma pessoa "culta" e "que fala português correto" (só por ter usado uma esdrúxula mesóclise). Se o mesmo fato ocorresse com os petistas Lula e Dilma, os colunistas reaças e com ranço antipobre iriam cair de pau. Dessa vez, no entanto, fizeram vista grossa.

Para quem não viu a notícia, Temer disse que se sentia como Carlos Magno, da Távola Redonda.

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terça-feira, 6 de setembro de 2016

O que será desse Fora Temer?


É amigos... O golpe se consumou, mostrando como o presidencialismo de coalizão brasileiro é frágil, e as manifestações de rua começaram. Dilma quis ir contra a maré econômica ao fim de seu primeiro mandato, tentando forçar o crescimento mesmo com a tendência internacional contrária. Não deu. Reviu sua posição e escolheu dar remédios amargos à população, sem citar isso em sua campanha de reeleição. A popularidade caiu, a base aliada no congresso debandou. "Se a Dilma tá implantando a agenda mais 'à direita', por que não colocamos um dos nossos?", devem ter pensado os banqueiros e industriais em suas mansões, enquanto o desemprego aumentava. Alguns meses depois, pasme, Temer ostenta a faixa verde e amarela no peito devido a um "crime de responsabilidade" que todo o governante comete (mas que só Dilma pagou).

O poeta está livre para fazer o que quiser, já que não pode se eleger em 2018. Comprometido com as elites e sem medo de medidas impopulares, nosso drácula já inicia os cortes na carne dos trabalhadores. A aposentadoria e a CLT (que será "modernizada") devem ser as primeiras grandes vítimas, para além de várias coisas absurdas já em andamento. A precarização do trabalho aparece como solução mágica para fazer com que os ricos mantenham os níveis de lucro enquanto a porcentagem de empregados sobe nas estatísticas oficiais, mesmo que sem as condições mínimas. O Brasil da ordem e do progresso, assim, quer fazer a economia crescer.

 

 "Mas e aí? O que vai acontecer?"

 

Bom, nesse contexto político agitado, com uma sequência de atos tendo acontecido em grandes cidades brasileiras pelo "Fora Temer", toda a esquerda está se perguntando o que vai acontecer e ninguém sabe a resposta, nem os retoricamente enfáticos. Claro que eu também não faço ideia, mas dá pra tentar imaginar cenários a partir dos últimos acontecimentos:

Atos de rua

Eu achava que apenas alguns setores de eleitores petistas iriam para as ruas após o impeachment, mas o sentimento é bem mais amplo. Como bem disse Mario Magalhães, os atos não são "Pró-Dilma", são "Fora Temer". Muita gente que não votou no PT para a presidência na última eleição, ou que só votou no segundo turno para evitar a direita, também tem comparecido às manifestações junto com dilmistas. Apesar de haver uma demanda clara pela saída do atual presidente, não acredito que a simples repetição de atos vá ser efetiva, a menos que tome as proporções alcançadas em junho de 2013 (o que é pouco provável, a menos que a CLT seja totalmente rasgada ou que haja uma greve geral).

PT vai ser omisso e quer mais é que circo pegue fogo

O PT não me parece levantar nenhuma bandeira das manifestações atuais com muito vigor. Isso porque, mesmo sendo minoria atual no congresso e tendo uma presidente impedida, o partido está longe de ter abandonado seu projeto de poder. Sequer o PMDB foi rechaçado por Dilma em sua totalidade (há o PMDB "do bem", como disse em seu interrogatório no Senado)... O PT pensa em ver o circo pegar fogo para voltar à presidência em 2018, possivelmente com Lula. "Greve geral", "assembleia constituinte livre e soberana" e até o limitado "diretas já" devem ficar de lado em nome da construção eleitoral, enquanto o pessoal da parte de baixo da pirâmide paga o pato.

A criminalização de jovens revoltados que quebram vidros e são chamados de black blocs também faz parte desse jogo de tirar o que pode queimar filme de perto do PT.

A esquerda não vai se unir

Quem nunca ouviu que a esquerda precisaria de um inimigo comum para se unificar, como ocorreu na ditadura? Balela. A esquerda brasileira está lotada de problemas e não é uma união devido a uma interferência externa que vai acabar com as milhares de diferenças existentes. E isso ocorre porque há projetos distintos. O PT, que é aliado de banqueiros e industriais, não vai deixar de promover essas alianças - quer governar dentro do capitalismo na corda bamba de conciliar interesses de poderosos com a base eleitoral de origem popular. Isso é muito diferente de projetos que questionam o capitalismo ou até dos que não questionam de forma tão radical, mas que acham absurda alianças com grandes empresários ou as privatizações e repressão já promovidas pelo PT.

Por fim, às vezes o destino nos engana

Mesmo com as perspectivas pouco animadoras em termos pragmáticos, com a realidade apontando para cortes de direitos, é bom lembrar que o destino às vezes brinca com prognósticos, como ocorreu numa simples manifestação contra o aumento da passagem em 2013. A escalada repressiva e os cortes de direitos estão vindo, o que faz a revolta necessária. É tempo de ir pra rua sem ter ilusão que o PT vai ser diferente e sem deixar de fazer críticas ao partido. Vamos ver no que essa realidade distópica vai dar.