Tá, pode ser que eu esteja exagerando, mas intenção dessa analogia é afirmar: 2014, o ano do centenário do Palmeiras, foi emocionante. E isso não aconteceu "apesar dos pesares"; na verdade, foi "por causa" deles.
Começamos 2014 com um time estruturado, que ganhou a série B do ano anterior facilmente, mantivemos o treinador (Gilson Kleina) e os principais jogadores (Prass, Henrique, Wesley, Valdivia, Leandro e Kardec). A diretoria contratou alguns reforços (que vinham em baixa) para compor elenco e apostou em dois nomes mais famosos (Bruno César e Lúcio), apesar de estarem longe do auge de suas carreiras. Tudo levava a crer que o time seguiria a cartilha dos gigantes que caíram para a segundona e voltaram disputando títulos mais modestos e beliscando vaga para a Libertadores.
O zagueiro Henrique (posteriormente convocado para a seleção nacional na Copa do Mundo) foi vendido ao Napoli devido a um entrevero com o presidente Paulo Nobre por causa de salários atrasados. Os adversários da primeira fase do Paulistinha não fizeram com o que o palmeirense sentisse falta do cabeludo. Aos 36 anos, Lúcio enganava a todos com maestria contra os frágeis ataques interioranos.
No campeonato regional, íamos bem. Alan Kardec continuava metendo um gol atrás do outro. O Palmeiras venceu o São Paulo com propriedade, empatou com o Corinthians e perdeu do Santos em jogos equilibrados. Credenciava-se ao título do regional, disputando o favoritismo com a equipe da baixada.
Eis que a zica dos anos anteriores começou a mostrar sua cara. Na semifinal, contra o modesto Ituano, em um Pacaembu lotado, Fernando Prass se machucou no intervalo do jogo (que era difícil, trucando e estava empatado sem gols). Como se não bastasse, Alan Kardec e Valdivia também se lesionaram e precisaram ser substituídos. O time perdeu a segurança na defesa e as principais armas de ataque. Lançou-se à frente de forma desorganizada e tomou os previstos contra-ataques; num deles: gol do Ituano. O título mais palpável se esvaía em uma noite que terminou com bisonha cabeçada de cocuruto (e de olhos fechados) de Vinícius, com o gol aberto - um realista resumo do jogo, para corvo nenhum botar defeito.
Alan Kardec e o início do Brasileiro
Mas tudo bem, afinal, um azar gigantesco às vezes acontece e não se pode fazer nada, certo? Foi o que pensou Paulo Nobre e boa parte da torcida. E podia realmente ter sido só isso se não acontecesse o maior erro da gestão do corredor de rali até então: a perda de Alan Kardec para o rival São Paulo.
Eu escrevi sobre isso numa postagem da época porque o episódio doeu muito. Não apenas perdemos o nosso centroavante artilheiro e melhor jogador do time, mas ele saiu para o São Paulo, no ano do centenário e, dizem, por uma diferença de R$ 5 mil de salário (na elite profissional do futebol, isso é considerado pouco, mas não podemos naturalizar). A autoestima do palmeirense, que deveria estar alta num ano tão especial, foi pisoteada. Sem contar que o time desmoronou após a saída de uma das principais referências técnicas.
No Brasileiro, Kardec deu ao time a vitória no primeiro jogo (contra o Criciúma, fora de casa), mas nos confrontos seguintes, já sem o centroavante, duas derrotas (Fluminense e Flamengo) deixaram a torcida cabreira. E então veio uma sofrível apresentação contra o Sampaio Corrêa, no Maranhão, pela Copa do Brasil. Em dois ataques, a defesa do Palmeiras (que mais parecia a de algum time de várzea) tomou dois gols em cinco minutos. E podia ter tomado mais se não fosse ótima atuação do goleiro Fábio.
Quando acabou o jogo e desliguei a televisão pensei: "Kleina está perdidinho". Como haveria a pausa para a Copa do Mundo em algumas rodadas, Nobre raciocinou como eu e decidiu demiti-lo para tentar o início de um novo projeto enquanto as seleções se enfrentavam em terras brasileiras. Julgo a demissão de Kleina acertada, apesar de ele ter motivos para reclamar da perda de peças importantes sem reposição necessária. Mesmo com o planejamento esfacelado, ele não conseguiu convencer que era um técnico dos grandes nem na Série B. Como não havia muitas opções baratas no mercado no início do ano, acabamos ficando com Kleina, pois daria continuidade ao trabalho. Não deu certo.
Alberto Valentim assumiu interinamente e mostrou serviço ante adversários frágeis (o que aliviou os que já temiam o rebaixamento): triunfos contra Vitória, Goiás (com ótima atuação de Valdivia) e Figueirense. O nome do auxiliar foi até ventilado para ganhar o cargo, mas um gringo já estava pintando no pedaço: Ricardo Gareca.
A era Gareca
O "empolgou" original: Nobre pensou que o time do Brasileiro era bom
Após a saída de Kardec, parecia que o Palmeiras repetiria mais um ano fazendo um campeonato mediano. Se o time do início do Paulista dava mostras de que poderia disputar vaga na Liberta, o que sobrou dele na pausa para a Copa não dava essa esperança. Até que "El Tigre" Ricardo Gareca foi anunciado como novo comandante técnico alviverde. Treinador vitorioso na Argentina, o cabeludo levou o Vélez Sarsfield a conquistas importantes e chegou mostrando toda a sua simpatia para imprensa e torcida.
A escolha, novamente, soava como certa, assim como a manutenção de Kleina no início do ano e sua demissão após péssimos resultados. Apesar de não estar ambientado ao futebol brasileiro, Gareca teria tempo para conhecer o elenco e contaria com peças de sua confiança (Paulo Nobre prometeu contratar gringos, que realmente vieram). O fundamental, no fim das contas, é que ele conhecia muito de futebol.
Infelizmente, as coisas não eram tão simples. Sim, ele sabia treinar um time e queria fazer o Palmeiras jogar para frente, mas sequer conhecia o próprio elenco (que era bem fraco) e, pior do que isso, não fazia ideia de como os times adversários jogavam. Os reforços (Tobio, Mouche, Allione e Cristaldo), que chegaram após o período de treinos da inter-temporada, também precisavam se adaptar ao futebol brasileiro. Resultado: o que começou com a euforia do "Empolgou", acabou com o sofrimento de sete jogos sem vitória no Brasileiro e o flerte com a zona de rebaixamento. Em todos os confrontos contra times grandes até o fim do primeiro turno, o Palmeiras havia tido apenas um resultado que não o de derrota: empate contra o Grêmio na nona rodada, ainda com Valentim. Após vitória suada contra o Coritiba, veio novo revés ante o Internacional, no Pacaembu. Eu esperaria mais uma rodada para ver se o argentino se daria bem contra o fraco Criciúma em casa. Nobre não teve essa paciência. Gareca demitido, Palmeiras perto do rebaixamento e quatro jogadores argentinos que não sabiam nem onde fica a avenida Paulista.
Calvário com apoio da torcida
O ataque era inoperante: Leandro vivia péssima fase; Diogo só foi fazer seu primeiro e único gol no segundo turno do Brasileiro; Henrique, que balançava as redes com frequência, também perdia muitos tentos e era péssimo tecnicamente; Mouche só ciscava para a esquerda e tentava arremate ruim; Cristaldo era apenas garra - muito pouco para uma camisa nove que já foi de Evair. E o pior: Valdivia, o cérebro ofensivo do time, tinha ficado fora devido a uma negociação frustrada com equipe dos Emirados Árabes. Dependíamos de Felipe Menezes, de Bernardo, do gordinho Bruno César ou até mesmo de Wesley (que errava passes de dois metros) para armar jogadas ofensivas. Resultado: a frágil defesa não aguentava um time que só perdia bolas na frente e nunca fazia gols. Uma hora tomava um, aí se desorganizava e tomava outros - ainda mais com as péssimas atuações de Fábio, que substituía o lesionado Fernando Prass.
Com a chegada de Dorival Jr e o retorno do Mago, a realidade já era a de escapar do rebaixamento. Dorival fez o certo e botou o time atrás. Tentou jogar por uma bola fora de casa e deu confiança a Valdivia, honrando-lhe a braçadeira de capitão. Paramos de perder tanto e voltamos a triunfar contra times piores que o nosso.
Quando as coisas pareciam melhorar, veio o desastre de Goiânia. Acachapantes 6x0 sofridos ante o Goiás, com falhas por todos os lados e uma nova humilhação histórica. A fragilidade do time ficou ainda mais evidente. Mas foi justamente aí que alguns detalhes fizeram diferença. A torcida organizada, que depredou o Pacaembu e fez com que perdêssemos mandos importantes em 2012 (ou seja, jogou mais água dentro da canoa furada que era aquele time) apoiou muito a equipe, apesar de fazer críticas ao presidente e ao gerente de futebol Brunoro. O mesmo se deu com o restante dos palmeirenses, que não abandonou o time e lotou o municipal em todas as partidas. E foi daí que surgiu a força para o Palmeiras conquistar resultados que, no fim das contas, nos livraram do rebaixamento: triunfos contra Vitória, Chapecoense, Botafogo e Grêmio (talvez um dos poucos momentos de êxtase no ano); e empates contra Cruzeiro e Corinthians.
Restavam seis rodadas. Palmeiras já estava eliminado da Copa do Brasil (duas derrotas frente ao Atlético-MG) e, com o triunfo contra o Bahia, em Salvador, os jogadores já davam entrevistas falando que era um alívio ter livrado o gigante de nova queda. Assim como mostramos quem é o Palmeiras quando nos levamos de vencidos, somos péssimos quando achamos que já conquistamos algo (mesmo que isso seja a fuga da queda). Dos seis jogos, a equipe conseguiu perder cinco. Conquistou o único pontinho na última rodada, no novo Palestra lotado, contra um remendado Atlético-PR, que não queria mais nada no campeonato. E ainda tivemos que esperar o resultado do jogo entre Vitória e Santos para enfim respirarmos aliviados. Para nossa sorte, havia times piores que o nosso e que também não conseguiram fazer suas partes. Foi por pouco, mas nos livramos do pior.
Não caímos. Agora, segura nóis
Quando alguns amigos vinham tirar sarro dizendo que seríamos tricampeões da Série B, eu dizia: torça pra isso acontecer, porque se a gente escapar, quero ver segurar em 2015. E é isso que já está acontecendo. Paulo Nobre foi péssimo em 2014, apesar de ter feito escolhas "aceitáveis". Melhor manter o Kleina (mesmo sem ter confiança nele) após a negativa do Bielsa, ou procurar um técnico "de Série A"? Nobre preferiu a primeira opção. Até poderia dar certo, mas não deu. A negociação de Kardec foi o erro crasso que desmontou qualquer planejamento iniciado no começo do ano. Gareca foi uma aposta, mas muito arriscada para o meio do campeonato. Na situação de risco alto de rebaixamento, a diretoria, diga-se, fez muito mais que Arnaldo Tirone e Roberto Frizzo em 2012: abaixou preço dos ingressos, contratou psicólogo, fisioterapeuta para cuidar do Valdivia e não teve medo de usar o Allianz Parque na rodada final. Mesmo assim, pela grandeza do Palmeiras, foi totalmente insatisfatório, ainda mais no centenário.
Porém, é inegável que Nobre melhorou as finanças alviverdes que andavam muito capengas por causa das administrações de Belluzo e Tirone. E isso, no futebol moderno é a base para conseguir formar um time forte. Só que além de equacionar as dívidas e não atrasar salários, houve o surgimento de novas e importantes receitas: a abertura do novo Palestra e a explosão do programa de sócio-torcedor (que já é o segundo do Brasil e deve render cerca de R$ 20 milhões ao clube anualmente).
Com maior poder de fogo, O Palmeiras contratou como novo diretor de futebol o Alexandre Mattos, que montou o elenco do bicampeão nacional Cruzeiro. O perfil das contratações é distinto com relação ao ano passado: há sim muitos jogadores para compor elenco, mas que vêm de boas temporadas, como Victor Hugo, Andrei Girotto, Lucas, Leandro Pereira, entre outros. Zé Roberto, mesmo com 40 anos foi o melhor lateral-esquerdo do último Brasileiro, Gabriel foi o maior ladrão de bolas, João Paulo foi um dos líderes de assistências no Flamengo. E também teve contratações de jogadores mais famosos, como Alan Patrick, Arouca (que deve fechar até o fim de janeiro) e Dudu, que não é um Edmundo, mas seria titular em qualquer time do Brasil hoje - sem contar a questão do chapéu nos rivais, que resgatou um pouco do orgulho alviverde. Com um técnico experiente como Oswaldo de Oliveira, a saída de vários perebas e mais referências técnicas para dividir a responsabilidade com Valdivia, o Palmeiras já é, no papel, muito melhor que o time do ano passado, e mostrou nos amistosos que terá um ataque rápido e envolvente. Sim, tem chance de brigar por título - ainda mais no Paulista, com São Paulo e Corinthians na Libertadores.
Isso tudo gerou um "ciclo virtuoso": boas contratações trouxeram repercussão positiva, empolgaram o torcedor (que tem enchido o estádio mesmo em amistosos e virado sócio-torcedor) e chamaram patrocínios (Crefisa e Prevent Senior), que aumentam a possibilidade de investimentos na equipe para voltar a ser vitoriosa.
A expectativa depois de um ano tão "emocionante", com perda de centroavante para rival, mais um 6x0 para conta, estreia no novo estádio com derrota e briga para não cair, é de que nosso coração verde continue batendo forte, mas, desse vez, por causa de alegrias.
Para fechar, monto o meu time base para a temporada 2015 (com reservas entre aspas): Fernando Prass (Aranha); Lucas (João Pedro), Tobio (Nathan), Victor Hugo (Victor Ramos) e Zé Roberto (Victor Luís); Arouca (Amaral), Gabriel (Renato) Allione (Ryder) e Valdivia (Alan Patrick); Dudu (Maikon Leite) e Cristaldo (Leandro Pereira).
VAMOS PALMEIRAS!