Com tanto tempo juntos, já havíamos conversado sobre assuntos bem variados - de arte a revolução; de compras no mercado a video games; de sexo a séries de televisão.
Mas eles iam rareando. Tornavam-se cada vez menos confluentes e mais conflitivos, apesar do carinho e do companheirismo sempre presentes.
Numa dessas conversas (ocorrida na época dos diálogos mais intensos e simbióticos), cujo tema era a infância, falávamos sobre o dia das crianças, o Natal, os aniversários e de como era prazeroso ganhar um brinquedo muito desejado. Sorrimos, citamos brincadeiras favoritas de nossas épocas e então ela perguntou:
"Sabe quando você está na transição da infância para a adolescência e tenta brincar com o seu brinquedo predileto... Só que não consegue mais? Apesar de já ter se divertido tanto com ele e de se esforçar para sentir o mesmo prazer de antes, ele já não tem mais graça, sabe?"
Marcamos a conversa que, sentíamos, seria a última. Um leve pânico percorreu minha espinha quando ela girou a maçaneta para entrar em casa. Sentamos no sofá.
-Acho que eu não quero mais continuar.
-Que bom que você teve coragem de dizer isso.
Doeu. Choramos, nos abraçamos e foi difícil conseguir dormir. Mas depois de desenvolvermos uma relação tão sincera e de construirmos partes importantes de nossas vidas juntos, não podíamos fingir que nada havia de errado. Não seria justo deixar o carinho impor, só por já conhecermos as regras, a brincadeira que já não dá mais prazer.