O resultado para a esquerda partidária após o fim do primeiro turno das eleições 2014 não foi muito significativo - algo que poucos imaginariam um ano atrás, com a expressão massiva da falta de representatividade que marcou os protestos de junho.
Apesar de ter havido a "pulverização" do movimento (principalmente em São Paulo) a partir do momento em que ele passou a repercutir mais na mídia, as pautas originais eram de esquerda e muitos jovens mostravam descontentamento com serviços sociais precários, exigindo não só a redução da tarifa de ônibus, mas melhores condições de saúde, educação e moradia para toda a população.
E aquele junho não terminou no fim do mês. Protestos menores continuaram e muitas greves entraram em pauta, com novidades importantes nelas. Os grevistas passaram por cima da burocracia de sindicatos (que normalmente freia mobilizações mais radicais) e exigiram as condições de trabalho que realmente julgavam justas, não as que os diretores do sindicato pelego haviam combinados com os patrões. Rodoviários de Porto Alegre e de São Paulo fizeram movimentos desse tipo, mas o exemplo mais forte se deu com os garis do Rio de Janeiro, que conseguiram 37% de aumento.
Certo. Se tudo isso apontava para um caminho mais à esquerda, questionando o projeto petista de conciliação de classes (aquele que dá milhões aos bancos e às empreiteiras pra jogar migalhas à população, entre vários outros aspectos), por que os principais partidos da esquerda tiveram resultados de 1,55% (PSOL) e 0,09% (PSTU) na disputa presidencial? Nos pleitos para deputados e governadores, em geral, o resultado foi parecido - apesar de o PSOL ter conseguido eleger alguns representantes a mais. Quem olha de relance o resultado do primeiro turno nem se lembra de que, entre 2010 e 2014, houve um junho de 2013 no meio. Mas por quê?
Para além do ápice do desgaste que a forma de organização "partido" sofreu ao longo dos últimos anos, com muitos jovens dizendo que todos eles eram iguais (devido, por exemplo, ao abandono de princípios do PT e às falcatruas que envolvem todos os partidos da ordem), os que realmente têm diferenças não se mostraram como alternativa aos insatisfeitos - tanto é que os votos nulos, brancos e abstenções tiveram alta significativa.
O PSOL, que poderia ter sido um fenômeno, resolveu, num primeiro momento, lançar a candidatura mais à direita dentro da organização para concorrer às eleições presidenciais - Randolfe Rodrigues, a pessoa quer que o PSOL siga um caminho de alianças escusas análogo ao que fez o PT (na campanha para a prefeitura de Macapá, alguns anos atrás, fez aliança, por exemplo, com PSB). Luciana Genro assumiu a candidatura após desistência de Randolfe e foi financiada com dinheiro de uma grande rede de supermercados, a Zaffari, justamente uma medida que criticou nas candidaturas da ordem, durante os debates televisivos.
Para além disso, Luciana, que cresceu nos votos na reta final após a defesa dos direitos dos LGBTTIs, não conseguiu ligar o que defendia ao rechaço à política institucional que marcou junho e as greves. Pouco falou da necessidade de organização dos trabalhadores, de fortalecer e levar as lutas adiante para mudar o país - o que não ocorreria sequer se ela, hipoteticamente, vencesse a disputa, já que a questão não é apenas mudar quem está no poder, mas questionar o regime (dê uma olhada neste texto que traça uma linha de crítica interessante sobre a candidatura Genro).
O PSTU, apesar de ser uma organização de esquerda com mais base operária que o PSOL (e, por causa disso, ter uma organicidade maior em greves e mobilizações em geral), ficou muito preso à velha lógica pré junho em sua atuação (vide greve do metrô, quando poderia, por dirigir o sindicato, seguir o exemplo dos garis cariocas e moralizar a categoria para ir adiante mesmo com os ataques, mas teve atuação mais rotineira de "luta de calendário"). Apesar de dizer que é o partido das lutas e do socialismo, não consegue passar para a população a ideia de como é importante se organizar de forma independente.
Isso se mostra em uma certa separação entre o que é dito em programas eleitorais e materiais de propaganda com relação à atuação sindical, em que uma ilusão nos partidos da ordem é criada (na recente greve do metrô paulistano, colocaram figurões da UGT, CUT, CTB, Força Sindical e parlamentares do PSB e do PC do B para negociar com a empresa "em defesa dos trabalhadores" - ué, mas eles não representam interesses que não são dos trabalhadores? Cria-se certa confusão).
O PSTU também criminalizou desde o início a tática Black Bloc (com a qual também não concordo, mas entendo que expressou uma certa revolta dos jovens com a política institucional), chegando a negar abrigo a jovens ante a repressão no ato da esquerda de São Paulo, na abertura da Copa do Mundo.
Faltou união e organização da esquerda?
Mesmo não se mostrando como alternativa seria possível costurar alguma articulação para obter melhores resultados? É comum, principalmente depois desse tipo de fiasco eleitoral, as pessoas dizerem: a esquerda é muito fragmentada e precisa se unir para fazer uma oposição digna.
Sim, seria ótimo que houvesse união, mas não a qualquer custo. A esquerda é tão dividida justamente por que há diversos projetos que se apresentam como alternativa à ordem de coisas que está colocada hoje. Uma união meramente eleitoral significaria não discutir ou chegar a acordos em diferenças importantes (como a questão de aceitar financiamento de campanha por grupos privados ou fazer alianças locais com partidos dos ricos), mas simplesmente jogá-las para debaixo do tapete.
Houve frente de esquerda entre PSTU, PCB e PSOL, mas pouco se ouviu falar a respeito, e os candidatos a presidente saíram de forma separada. Não faltou organização - afinal, os grupos se articularam. O problema foi mais grave. Não se refletiu um programa conjunto (enquanto o PSTU defendia o não pagamento da dívida em âmbito presidencial, não fez essa denúncia em locais em que estava coligado na tal frente). Não existiu a percepção do que aconteceu em 2013 para pensar uma plataforma comum que realmente propagandeasse o que era necessário neste momento: a organização independente de trabalhadores e estudantes, em locais de trabalho e estudo, para mostrar novamente a força das ruas, rechaçando a política institucional e utilizando-a para desmascarar as grandes candidaturas e até as pequenas que tinham aparência de progressista (como a de Eduardo Jorge), mas que, na verdade, eram mais do mesmo.
Portanto, para mim, faltou à esquerda a percepção de que podia ser mais audaz e menos rotineira, mostrando suas diferenças (umas organizações têm mais e outras menos) para canalizar toda a onda de insatisfação contra os partidos da ordem e fortalecer a mobilização independente. Não percebeu, não tentou e, consequentemente, não conseguiu.