Depois de ser massacrado por potentes golpes do rival, Seiya está à beira da morte. O cosmo quente e doce de Atena, então, o incentiva a continuar, mesmo tendo desferido ataques de pouco efeito no adversário. Ele ouve as vozes de seus amigos guerreiros, tem certeza de que não pode desistir e o sétimo sentido (o cosmo supremo) é despertado. O herói dispara seu "meteoro de pégaso" com sônicos raios azuis piscantes saídos do punho direito e vence o combate numa virada espetacular.
Essa cena se repete várias vezes em "Os Cavaleiros do Zodíaco", meu anime favorito de infância, que foi febre nos anos 90. Não é lá muito necessário entender o que está dando errado, basta acreditar que se está do lado certo e dar uma insistida que, num passe de mágica, a vitória virá. "É preciso ser persistente" é a moral da história mais repetida nos capítulos da obra do japonês Masami Kurumada, criador d'os cavaleiros.
Apesar das muitas diferenças culturais entre ocidente e oriente, o culto à persistência também costuma ser pouco questionado pelas bandas do oeste. Em meio a uma massa sem perspectiva e se virando como pode para tentar sobreviver (com diferenças significativas entre países ricos e pobres), algumas histórias são pinçadas como exemplos, geralmente baseadas no esforço individual e diminuindo a influência de fatores como sorte e condições sociais privilegiadas. É como se bastasse querer, ser ousado, ambicioso e acreditar no próprio taco. Livros de autoajuda repetindo coisas do tipo lotam prateleiras de best-sellers.
Hora da digressão
A corredora suíça Gabriela Andersen competia na primeira prova feminina de maratona das olimpíadas modernas, em Los Angeles, nos Estados Unidos, em 1984. O grau de esforço que a atleta fazia, porém, estava a ponto de superar os limites de seu organismo: a poucos metros da linha de chegada, Gabriela mal conseguia caminhar; seus músculos das pernas estavam rijos e sua postura, totalmente torta. Mesmo assim, ela decidiu continuar. Cambaleou até a linha de chegada e foi ovacionada pelo espírito competitivo inigualável que demonstrou.Porém, como dito no inspirador texto de Eugenio Mussak, ela teve risco de morte real e os diretores da prova foram extremamente imprudentes ao permitirem que ela continuasse. O que valeria mais: o exemplo de persistência ou a vida de uma pessoa? Andersen não teve sequelas, mas poderia ter uma lesão cerebral irreversível se andasse por mais alguns metros. A mesma sorte não acompanhou grupos que tentaram escalar o monte Everest, no Nepal, em 1996. A insistência em não voltar mesmo diante de condições climáticas adversas provocou mortes e mutilações. A tal da persistência, tantas vezes exaltada, foi a grande vilã.
Murro em ponta de faca
Não sei se a expressão acima existe em outras línguas ou se é uma invenção brasileira... Fato é que ela é o contraponto a esse culto cego pela persistência. Não que persistir seja inútil - é importante e provavelmente não sairíamos do lugar sem a característica, mas é preciso analisar cada situação. Socar a ponta de uma faca para "vencê-la" não é nada razoável, mesmo que a persistência seja incomparável. A expressão indica a necessidade de encontrar outro modo de transpor o obstáculo ou, na mais comum das interpretações, encarar a desistência. Por maior que seja a força de vontade, não vai ter meteoro de pégaso saindo do punho para destruir a faca - não no mundo real.Tudo isso para dizer que...
Estou desistindo... Com mistura de dor no coração e alívio, digo que este é o último post da história do Mercy Zidane. Há exatos 11 anos, em 31 de julho de 2006, o blog foi lançado pelo meu amigo João Ricardo Bulhões. Ao longo de todo esse tempo, este espaço foi mil coisas... Comecei com um estilo seco e abusando de frases curtas, acabei com textos longuíssimos meio engraçados e prolixos; fiz desabafos desesperados, análises um pouco impessoais, tentativas literárias, reaprendi a desenhar, quis ser quadrinista, cronista... Falei sobre futebol, política, amor, sociedade, música, cinema. E justamente por ser tanta coisa, um blog-aberração com baixa taxa de atualização em meio à decadência dos blogs pessoais (devido ao surgimento das redes sociais) o sentido, que eu tentei resgatar com uma espécie de relançamento do espaço em 2015, sumia a cada postagem.Como trabalho com internet, eu percebia que um site com um nome tão estranho, com assuntos muito diversos um do outro e que "malemá" conseguia ser atualizado semanalmente não teria condições de prosperar. E o significado de "prosperar" está longe de ganhar algum dinheiro com isso, seria apenas desenvolver um público, mesmo que pequeno, para que as ideias postadas pudessem ser debatidas. O esforço de produzir um conteúdo original, com ilustrações, quadrinhos e textos que me demandavam muitas horas de bateção de cabeça na parede estava ficando muito alto para um retorno de visualizações e troca de ideia bem baixos (isso quando os views não eram aumentados por malditos bots).
Consegui alguns seguidores no Facebook (quase 400), fiz posts dos quais me orgulho muito (como o sobre o Irmão do Jorel e a tirinha sobre o Arnaldo Baptista, que ele próprio compartilhou numa rede social) e outros que não gosto nem de lembrar (portanto, não vou citar rs), mas deixei tudo aqui porque fizeram parte do meu desenvolvimento criativo e como pessoa ao longo de mais de uma década.
Tentei, aprendi muita coisa, mas é hora de desapegar e desistir de um espaço que não vai para frente. Não posso tentar eternamente ganhar a Copa de 2006 dando cabeçadas no peito de Materazzi, mesmo que o ato em si tenha uma falta de sentido pitorescamente espetacular.
Obrigado a todos que entraram neste espaço para lerem algum dos 430 posts. Foi tudo foi feito com muito carinho. Pretendo continuar, de forma diferente, a produzir textões e quadrinhos, nas minhas contas do Medium (medium.com/@albertosuzano) e do Instagram (instagram.com/albertosuzano), respectivamente.
Sigam-me lá (mas só se quiserem rs)!
Merci!