Em janeiro deste ano, depois de ir a um ato no centro de São Paulo que praticamente nem chegou a acontecer (tamanha a velocidade de repressão da Polícia Militar Que Tem Que Acabar), pensei em retratar, numa história em quadrinhos, a coisa mais elementar de todas as manifestações contra o aumento da passagem de que participei, desde 2011: a raiva contra a injustiça.
Hoje em dia, a crise tá pegando... Muita gente perdeu o emprego e outros tantos estão com medo de que isso aconteça. Quem tem poder acha que as costas dos que estão na base da pirâmide servem justamente para socializar as perdas. Tudo está mais caro, e o direito de ir e vir não poderia ficar de fora.
Isso faz muita gente ir às ruas, ainda mais sabendo que os lucros dos mafiosos dos transportes vão continuar altíssimos (e continuariam mesmo se os trinta centavos de aumento não se efetivassem). O problema é que essa vontade de mudar as coisas, sozinha, costuma não ser tão efetiva.
Em 2013, antes dos protestos se tornarem gigantescos, eu achava (com base no que vi em 2011) que os atos contra o aumento da passagem não dariam em nada, pois apesar de duro, o aumento da tarifa acabava sendo algo suportável. Com um passinho a mais pro lado, dava pra levar.
A realidade mostrou que, naquele ano, eu estava errado, mas houve uma imensa conjunção de fatores para tudo acontecer exatamente daquele modo. A raiva contra a injustiça estava lá, mas nessa mistura também estavam a cobertura da mídia, a influência da Primavera Árabe, a repressão descontrolada da PM, a tentativa de coxinização do movimento, a falta de representatividade dos partidos da ordem e por aí vai. Tem gente estudando e debatendo os fatores até hoje (e isso deve durar por um bom tempo).
É difícil prever se uma movimentação popular vai estourar ou não, mas é bem provável que se há um grupo de pessoas na rua, a raiva contra a injustiça (fundada ou não - vide o exemplo do pessoal de verde amarelo) vai estar lá. Resolvi retratar essa "figurinha repetida" para ajudar na divulgação dos atos - bolei um roteiro com doze quadrinhos e versos rimados, que mostravam como ela era criada a partir do desconforto, do descaso com o transporte, do machismo no busão e da grana no bolso dos engravatados. Infelizmente, a minha velocidade de produção não é muito alta e o movimento desse ano não mostrou a força de 2013 e nem os diversos fatores discutíveis (e seus pesos de influência) daquele ano. Não consegui realizar tudo o que planejei, mas o primeiro quadrinho fica aí, como uma ilustração desse pensamento um tanto quanto solto. Quem sabe nos próximos anos eu não termino a história.