Mercy Zidane: julho 2011

terça-feira, 26 de julho de 2011

Trabalhadores da cultura perdem a paciência com o governo



Trabalhadores da cultura decidiram ocupar o prédio da Funarte, no centro de São Paulo, na tarde de ontem (25 de julho).

A manifestação já estava marcada há tempos e a pauta de reivindicações questiona o corte de 2/3 da verba para cultura no país (de 0,2% do PIB para 0,06%) e medidas como a Lei Rouanet, que transfere às empresas o poder de escolher onde irão investir o dinheiro economizado com impostos, ao entrar no projeto do governo (confira o manifesto do movimento).

Compareci à ocupação ontem, e o que me chamou mais atenção, além da transbordamento de criatividade na assembleia e nas proposições dos trabalhadores, foi um sentimento antipetista que finalmente começa a se mostrar claro.

Creio eu que, no meio da cultura, ainda perdomina a ideia de que os governos petistas são "bons para o povo" e que os mesmos investem mais na área cultural. No entanto, quem vive na pele como é ser um artista no Brasil percebe que não é bem assim, como demonstram os dois exemplos do segundo parágrafo. Tudo isso sem contar que a própria profissão proporciona questionamento a contradições postas na realidade.

Após a assembleia que acompanhei, um diretor da Funarte que consentiu com a ocupação dos manifestantes (desde que os mesmos não alterassem a programação do espaço), não quis se retirar do prédio, mesmo com a deliberação da assembleia de que nenhum funcionário da instituição permaneceria por lá.

Os trabalhadores da cultura perceberam que não poderiam deixar dentro da ocupação um indivíduo que não estava ao lado deles. O diretor certamente queria permitir uma ocupação consentida para torná-la mais branda e contornável com alguma migalha (como já havia feito ao condicionar a ocupação a não alteração da programação). O que os manifestantes disseram foi:

-Você representa o Estado que nos oprime e contra o qual estamos lutando agora!

O diretor saiu bradando contra a "ditadura da maioria". Artistas ironizavam-no, dizendo que cuspiu em sua própria história (de ex-metalúrgico) e prometiam presentear-lhe com uma cópia de "O Capital".

Se todos que sofrem com a falta de condições para fazer e refletir com cultura no país se indignarem, e não apenas quem trabalha com isso, mas principalmente quem não tem condições de desfrutar de arte (trabalhadores em geral), a ocupação pode extrpolar os muros do prédio do centro paulistano e se tornar representativa da revolta de toda a sociedade.

Por mais difícil que pareça, é possível que tudo isso aconteça. Base material para tal já existe, mas só ela não basta.

Compareça à Al. Nohtmann, 1058, e ajude a divulgar o blog!


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Metalinguagem: texto escrito rapidamente em horário de almoço.

domingo, 17 de julho de 2011

Sobre pessoas que roubam músicas

Existem pessoas que roubam músicas.
Elas aparecem na sua vida e se encaixam em letras que já existem, de melodias que já existem, de canções que você já gosta ou começou a apreciar há pouco.
Ou elas te apresentam a música e se apresentam na sua vida.

E quando as pessoas saem da sua vida, você acha que te sobraram canções, mas elas não são mais suas. Foram roubadas.
As canções são apenas a sacola que envolve outros roubos. É o invólucro audível do sequestro de lembranças. E dói ouvi-las, saem lágrimas.

E só quando o mundo gira e as pessoas voltam é possível resgatar as músicas. Procurar as emoções no fundo da sacola, esbarrando em lembranças, sem medo, com lágrimas.

Eu fui roubado.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Saudades do violão

Eu tinha o hábito de acordar, ficar parado um tempo, pensando, e pegar o violão. Brincava com ele, dedilhava algo aleatório até que alguma música de timbre grave ou com pouca necessidade de amplitude vocal se apresentava ao meu pensamento. Aproveitava a voz ainda rouca pelas horas de sono e cantava algo como "A Palavra Certa" ou "Cabimento", de olhos fechados, lembrando das letras ao mesmo tempo que pensava sobre elas.
E apesar de não ter inventado as letras nem as melodias, a reprodução simples das canções me fazia bem, mesmo estando sozinho.
Mas era acompanhado que as possibilidades se estendiam, iam de Abujamra a George Harrisson, de Arnaldo Baptista a Geraldo Azevedo, de Oasis a Zeca Baleiro. E a boa sensação passava de um corpo a outro.
Agora não tenho violão. Não tenho como tocar. Não tenho em quem tocar. Não tenho pra quem tocar.
Conheço as flores, mas me falta a terra. E talvez por não ter para quem dar as flores, eu coloco a culpa na terra.

domingo, 3 de julho de 2011

Sobre se sentir vivo

A sensação era a de ter muita vontade de correr, ter possibilidades para isso (já que o destino final se mostrava menos difuso), mas correntes com bolas de aço que prendiam os tornozelos não permitiam uma caminhada natural. Era como se o peso de gerações e gerações de velhos que só se preocupam com refrigeradores que não funcionam não te deixassem se movimentar. Eles embaçavam a visão, apelavam para um sentimentalismo mesquinho, faziam-se de coitados para que a dó girasse a roda da vida inútil.
-Bom dia. Hoje eu fui no mercado pra comprar verdura. Tava o olho da cara! Comprei tomate, cebola, alface. Também comprei pão. Tava horrível pra variar. Esse mercado tá ficando cada dia mais caro, mas o pão é sempre uma porcaria. Pão bom é só na padaria da avenida. É caro, mas vale a pena. Qualquer dia eu vou passar lá de novo, comprar um apresuntado e um pão de verdade, não esses pãezinhos do mercado... que foi, tá pensando na vida?!
-...
-Não tem o que pensar não. A vida é essa mesmo.

Não, não é. Não é questão de felicidade, é mais do que isso. A vida pode ser muito mais do que isso.