Mercy Zidane: novembro 2009

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Rápidos comentários sobre a prova da primeira fase da Fuvest

Quando eu decidi concorrer a uma vaga no curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP), ouvi boatos de que o vestibular 2010 da Fuvest sofreria mudanças. O estilo seria parecido com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em que as perguntas mesclam conhecimentos das áreas estudadas no colegial, na tentativa de evitar contas inúteis e a tradiconal decoreba (que eu me lembre, isso nem sempre era alcançado pela prova, diga-se de passagem) (na foto, o nosso governador José Serra (PSDB)).

Nas nove primeiras questões do exame da primeira fase (que contava com um total de 90 testes) essa expectativa foi, de certa forma, preenchida. No restante, as velhas perguntinhas decorebas deram a tônica. O que era corveia na Idade Média? Onde está o erro ortográfico em um emaranhado de frases sem sentido? O manganês é produzido no Maciço do Urucum?

A prova da Fuvest valorizou o ensino fragmentado, cartesiano, descolado da realidade e que, obviamente, sustenta uma "indústria de cursinhos" congregados em três ou quatro grandes "marcas" que faturam muito pelo Brasil adentro. A relação entre tais instituições e os vestibulares públicos eu desconheço, mas é evidente que uma prova mais holística dificultaria o "método fast-food de ensino" empregado nos cursos pré-vestibulares.

A existência do afunilamento por si só já é elitista, pois as universidades públicas deveriam ser capazes de absorver todos os estudantes do ensino médio. Com uma prova que privelegia o armazenamento de conteúdos em vez de reflexão sobre eles, a Fuvest faz com que os alunos dos cursinhos, que utilizam fórmulas lúdicas, divertidas e mais "fáceis de guardar", deixem o pessoal da escola pública (caindo aos pedaços) cada vez mais para trás.

E parece que o rabo pós-moderno está mordendo o cachorro neoliberal no círculo vicioso do ensino fragmentado, já que o vestibular (principalmente o da Fuvest) pauta os conteúdos que devem ser aprendidos no ensino médio, quando o razoável deveria ser o contrário. Ao fim de 12 anos na escola, temos um pilha de conhecimento descartável que só serve para um exame, ultrapassado por pouquíssimos.
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Metalinguagem: não podemos esquecer da grande mentira que é o Prouni, que investe um dinheiro absurdo em universidades privadas em vez de abrir vagar públicas com direito à permanência estudantil para que todos tivessem acesso a um ensino razoável. Sobre a Fuvest, vamos ver se a segunda fase será um pouco diferente. Aí sim seríamos supreendidos.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Um talebã no trem

No último domingo eu fiz a prova da Fuvest e, por preguiça, acabei pernoitando em São Paulo. Porém, na segunda de manhã eu já voltava para a cidade das Flores (Suzano) via metrô/trem.

Da Consolação até Corinthians-Itaquera, a viagem transcorreu seu curso normal. Mas na estação Dom Bosco, uma mulher de estatura mediana, negra, aparentando 28 anos e que parecia estar com muito frio (apesar da temperatura amena) entrou no trem. Ela vestia o capuz embutido em sua blusa branca.

Havia poucas pessoas no vagão. Ela se sentou em uma das cadeiras do canto, onde permaneceu o mais encolhida possível.

Chegando em Guaianases (a estação seguinte), dois homens com uniformes das lojas Marabraz adentraram o vagão. Após se sentarem, olharam para a moça e começaram a rir. Olhei também e percebi que ela colocou outro"acessório" para se proteger do frio: uma blusa. A comicidade da cena se deu porque a proteção foi colocada exatamente na face. Ou seja, com o capuz na cabeça e a blusa cobrindo toda a cara, a moça estava parecendo uma tranquila múmia viajando de trem.

Na estação Antônio Gianetti Neto, já em Ferraz, um casal e mais um amigo (todos aparentando 20 e poucos anos) entraram no vagão e se sentaram próximos à tal mulher, sem notar a cena bizarra. Quando a olharam, um deles gritou:

"Meu Deus, um talebã!!"

Absolutamente todos no vagão começaram a gargalhar. Mas antes que os passageiros pudessem respirar, outro disse:

"Espero que ela só exploda o trem depois que ele chegar em Suzano. Não quero morrer aqui não!"

Aí sim (fomos surpreendidos?) todos começaram a gargalhar absurdamente. Os três jovens saíram de perto da mulher por não aguentarem os risos. Um dos caras com uniforme da Marabraz quase deitou no chão de tanto rir.

A moça, que já estava com a face totalmente coberta, se manteve impassível até Suzano, onde eu desci do vagão.

Se ela sentiu vergonha, não havia melhor jeito de se esconder.
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Metalinguagem: fazia um tempo que eu não falava sobre alguma história do trem.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A cereja do bolo anti-democrático da USP

No anti-democrático processo eleitoral para reitor da Universidade de São Paulo (USP), o governador José Serra (PSDB) (foto) colocou hoje a cereja no bolo.

Na maior universidade do Brasil, apenas 325 indivíduos (aproximadamente 90% pertencente à "casta" de professores titulares) puderam votar no segundo turno. Os três postulantes mais bem cotados tiveram seus nomes enviados ao governador. Quebrando a convenção de aceitar o professor escolhido pelos colegiados uspianos, Serra colocou no "trono" o segundo colocado da lista tríplice, o diretor da Faculdade de Direito, João Grandino Rodas. Assim, Serra mostra o quão ilusório é o processo eleitoral na USP.

O mais engraçado é como a direita consegue dizer que uma "eleição" dessas é democrática. Como exemplo, citarei algumas pérolas do nobre colunista Hélio Schwartsman, publicadas no artigo "Lista tríplice não lesa democracia", do caderno Cotidiano da Folha de quinta-feira.

O articulista inicia seu texto dizendo que a eleição direta é a pior das opções para a escolha de um reitor de uma universidade porque "além de favorecer enormemente o populismo - o candidato que prometesse acabar com as provas, por exemplo, ganharia preciosos pontos entre os estudantes -, o voto direto é essencialmente antidemocrático". Segundo Schwartsman, Serra, o representante do povo, está apto para escolher o reitor da USP.


Em seguida, o autor diz que o peso do voto dos professores deve ser maior porque "o aluno está na universidade apenas por quatro anos com o objetivo pragmático de obter o diploma".

(Na foto, o diretor Rodas fecha a Faculdade de Direito para evitar manifestação dos estudantes, em agosto)

Por trás da justificativa do injustificável, o colunista demonstra uma visão de ensino extremamente limitada, tanto ao valorizar a avaliação "decoreba" das provas, como ao supor que um candidato pudesse chegar a propor tal medida estapafúrdia, e também ao considerar a universidade como um mero local onde se retira o diploma para obter uma vaga no mercado de trabalho (assim como se retira um hambúrguer numa rede de fast food). Essas três pequenas colocações de Schwartzman sintetizam as ações que estão ocorrendo há algum tempo e devem aumentar com o novo reitor escolhido pelo tucano: a fragmentação do ensino, que se torna cada vez mais técnico e voltado para interesses comerciais, mesmo em universidades públicas. Outras coisas vêm de brinde, como a repressão.

Antes de fechar o post, é necessário lembrar da anticandidatura de Chico de Oliveira, levantada por alguns setores estudantis e de trabalhadores (que questionam a burocracia de certos pares) e do ato de funcionários e estudantes, ocorrido na terça-feira, que conseguiu adiar por um dia a realização do "pleito". Iniciativas que confrontaram a estrutura de poder elitista da USP.
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Metalinguagem: refletindo para escrever este post, foi inevitável lembrar das "eleições" para reitor e diretores da Unesp, em 2008. Um grupo de professores convenceu alunos a votarem em uma chapa teoricamente mais progressista para a direção da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. Tais estudantes votaram maciçamente na chapa e, obviamente, não adiantou nada, pois o peso do voto estudantil é de apenas 15%.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Análise de uma propaganda partidária - parte 2


Zé Maria (PSTU) e Heloísa Helena (PSOL)

Não tenho muita base para fazer uma análise política sobre a propaganda de televisão do PSTU, veiculada em julho e "destrinchada" (ou quase isso) tecnicamente neste blog há algum tempo (leia aqui). Não li o programa do partido e meus conceitos sobre tal grupo se devem a impressões da época de movimento estudantil . Assim, apenas citarei os posicionamentos presentes em algumas matérias para depois me ater ao ponto principal de divergência (também superficialmente), explícito ao final do programa de televisão.

A propaganda mencionou rapidamente a intervenção assassina das tropas da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti e denunciou que os soldados brasileiros não se portam de maneira diferente. Apesar de se tratar apenas de uma nota, a denúncia, pouco comum na mídia tradicional, tem sua importância e mostra uma posição crítica e à esquerda do PT de Lula.

Metade da programa contou com uma matéria elucidativa a respeito da crise econômica. Contrariando as posições da mídia tradicional, a peça mostrou (com embasamento) que a crise não está perto de acabar e que o governo federal optou por ficar ao lado das empresas em vez de prestar apoio aos trabalhadores. A matéria citou as greves organizadas em todo o Brasil e chamou a população à manifestação para a redução da jornada de trabalho. Novamente, uma posição crítica ao governo Lula.

Na parte final da propaganda, o ponto mais polêmico vem à tona: a submissão do PSTU ao PSOL.

Um dos membros da direção nacional convoca o PSOL para a criação de uma frente de esquerda, conciliando os dois partidos (mais o PCB) e apontando os medalhões de tais agremiações (Zé Maria e Heloísa Helena) para concorrerem aos cargos executivos nacionais em 2010.

Recentemente, com a ida de Marina Silva para o PV (partido que se alia frequentemente a DEM e PSDB), cogitou-se uma aproximação do PSOL com o PV para a disputa presidencial, hipótese ainda não descartada.

É estranha a postura do PSTU com relação ao partido de Heloísa Helena, como se o PSOL condensasse a grande massa dos trabalhadores brasileiros ou contasse com dirigentes com pensamentos políticos idênticos aos do PSTU, de modo que a tal aliança fosse inquestionável. Pela experiência de amigos que já militaram ou flertaram com a agremiação, e pela atuação política de alguns de seus membros, penso que o PSOL não passa de um novo PT, com o discurso da mudança, mas que tende a se adequar ao status quo o mais rápido possível. E também é um partido pequeno (maior que o PSTU, é verdade) com mais abrangência na classe média politizada.

De modo geral, considerei interessante as denúncias (mesmo que superificiais), mas critico a postura do partido por não entender onde o PSTU quer chegar com essa aliança, já que o PSOL parece tomar outra direção.
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Metalinguagem: acho que alguns amigos podem contribuir de maneira rica para esse debate. Créditos das fotos: Zé Maria (Folha) e Heloísa Helena (Uol).